quarta-feira, 29 de junho de 2005

Exibicionismo<=>Devassa

O candidato do PS à Câmara Municipal de Lisboa exibiu a sua vida familiar e privada em público, num vídeo de campanha política. Esta operação deverá, sem dúvida, fazer rejubilar os que subscrevem o chavão sessenta-oitista que proclama que o pessoal é político («the personal is political», no original anglo-saxão), o qual legitima a exibicão da vida privada para fins de promoção política.

Entre os legitimidores desta postura encontra-se Teixeira Lopes, o deputado do BE que durante a última campanha eleitoral afirmou que «há um limiar de hipocrisia muito forte da parte de Paulo Portas, que constrói uma fachada de conservador, de homem de Estado, mas que depois não a leva até às últimas consequências». Tais afirmações, proferidas no dia seguinte ao da célebre frase de Louçã sobre «o sorriso da criança», passaram quase desapercebidas. No entanto, se a frase de Louçã era algo explicável (mas não desculpável) pelo calor de um debate que lhe correra mal, as afirmações de Teixeira Lopes foram muito mais graves, porque ofereceram, a frio, um suporte doutrinário legitimando a devassa da vida privada para fins de ataque político.

Estes dois episódios são duas faces da mesma moeda. Quem devassa legitima o exibicionismo, e quem exibe legitima a devassa. Portanto, Carrilho deverá aceitar que futuramente se instalem máquinas de filmar na sua cozinha e no seu quarto de dormir, que a sua ficha médica seja distribuída aos municípes, ou que as suas infracções ao código da estrada sejam publicitadas. Recíprocamente, Teixeira Lopes deverá aceitar que Carrilho ou um qualquer político conservador exiba a família ou a primeira comunhão dos filhos, a sua prestação no ginásio ou as esmolas que dê, a coberto da noite, aos sem abrigo. Mais ainda, o político Teixeira Lopes deverá aceitar que se averigue se, por detrás da sua «fachada progressista», mete os filhos em escolas privadas, especula na Bolsa, abandona os animais de estimação quando vai de férias ou deixa o cocó do cão no meio da rua no escuro da noite.

E no entanto, nada disto deveria interessar. O debate político deveria centrar-se nos assuntos de interesse público, ignorando deliberadamente a vida privada dos candidatos a cargos públicos. As excepções aceitáveis deveriam limitar-se a comportamentos criminais comprovados ou a abusos de funções públicas. Focar a política na vida privada degrada o debate e acaba por esconder o que verdadeiramente interessa.

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