Quando apresentou a proposta de aumento do IRS Vítor Gaspar parecia ter convicções sólidas de esquerda: mostrando-se indignado com o facto de Portugal ser um dos países com maior desigualdade de rendimentos da UE e mesmo de toda a Europa, afirmou a pretensão de aumentar a progressividade do IRS como a forma mais justa de lidar com este problema. Lembro-me de pensar que, nem que fosse só por isso, a manifestação tinha valido a pena - pôr Gaspar a discursar contra as desigualdades sociais.
Não pude fazer as contas no momento, mas uma distribuição progressiva do acréscimo dos impostos era, sem dúvida, a escolha menos má para esse aumento.
Subestimei a hipocrisia e falta de pudor de Vítor Gaspar, capaz que foi de alegar com convicção a enorme necessidade de que o aumento de impostos fosse progressivo, precisamente enquanto apresentava uma proposta que não o era.
A imagem acima mostra os novos e antigos escalões e respectivas taxas. Acima de tudo acrescentei as 11 categorias em que cada rendimento se pode encaixar em termos da pertença aos diferentes antigos e novos escalões.
Num aumento progressivo de impostos, para cada categoria, a resposta à pergunta «o acréscimo de impostos que sofreu é superior ao de qualquer das categorias com menos rendimento?» tem de ser afirmativa. Se for negativa, essa categoria não sofreu um aumento progressivo dos seus impostos.
Assim sendo, assinalei cada categoria a «azul» caso a resposta à pergunta fosse afirmativa, e a roxo caso fosse negativa. Qual o panorama geral? A linha parece estar quase toda a roxo.
No entanto, talvez este critério seja muito sensível a uma subida grande numa categoria sem grande expressão. Como seria o gráfico se a pergunta tivesse em conta isso? Consideremos a seguinte alteração: «o acréscimo de impostos que sofreu é superior ao de qualquer das categorias 'grandes' com menos rendimento?»:
Para os rendimentos mais baixos existe alguma progressividade, mas a realidade é que os mais ricos viram aumentos muito inferiores aos de parte considerável da classe média. Estas alterações podiam ter sido progressivas, mas recaíram menos sobre os mais ricos. Vítor Gaspar sabia-o e foi capaz ainda assim de alertar para a necessidade de fazer o oposto, enquanto apresentava as suas propostas.
Aproveito para alertar que alguns dos que fazem esta mesma denúncia em relação à falta de progressividade dos impostos já têm caído num erro aqui explicado. Não é o caso destas contas.
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