quinta-feira, 22 de novembro de 2007

República e sufrágio universal

Acho especialmente divertido o fervor sufragista que os monárquicos agora manifestam (quando querem criticar a República). Quem os levasse a sério haveria de concluir que defendem o direito de voto de todos os imigrantes residentes há pelo menos um ano, que querem o alargamento do recenseamento eleitoral para os dezasseis anos, etc... E que pensam que a monarquia estaria, em 1910, a preparar-se para universalizar o sufrágio e atribuir o direito de voto às mulheres.

Foi durante a República implantada em 1910 que as associações feministas tiveram pela primeira vez algum apoio político. E foi durante a República que se suprimiu do Código Civil a obrigação da mulher de obediência ao marido (artigo 1185º no Código Civil da monarquia), se legalizou o divórcio pela primeira vez, aliás equiparando o adultério masculino ao feminino como causa para separação, e dando à mulher, por exemplo, a possibilidade de publicar sem autorização do marido. Aos inegáveis avanços nos direitos civis das mulheres, não corresponderam, infelizmente, avanços significativos nos seus direitos políticos (apesar de ter sido em 1911 que pela primeira vez votou uma mulher em Portugal - Carolina Beatriz Ângelo).

21 comentários :

P Amorim disse...

O problema principal reside no facto de se tentar confundir demcoracia com República ou monarquia, conforme os casos. Há Repúblicas menos demcráticas que certas monarquias. Também não devemos comparar a monarquia de 1910 com a República de 2007, um século é muito tempo.
Para que fique claro: eu sou contra as monarquias, por princípio.

Filipe Castro disse...

Infelizmente eu acho impossível ver as diferenças entre os monárquicos de 1900 e os de 2007: os mesmos bigodes encaracolados e os mesmos discursos caceteiros e anti-intelectuais, as mesmas aspiraçoes a um mundo estático, em que os direitos são herdados e a mobilidade social é um crime, e a mesma tacanhez medieval e supersticiosa... :o)

Filipe Castro disse...

:o) Haverá em Portugal uma família mais mediana do que a dos duques de Bragança?

dorean paxorales disse...

Caro Ricardo,

Não foi a situação com esta Sr.a que levou a tua república a mudar a lei de seguida por forma a impedir mais arrogâncias femininas? Acho que discutimos isto há tempos.

Caro Filipe,

O meu bigode é farfalhudo, no estilo filtro-de-caldo-verde, e é seguido de barba rija e mal-acertada. O dom caceteiro foi herdado, graças a deus, mas também o foi o gosto pela companhia de intelectuais de acção e o desprezo pelos mundanos de pose estática.

Por isso mesmo, e apesar de discordar de si em muita coisa, ficava-me mal não apreciar o seu próprio cacetismo.

Cumps,
DP

P.S.: não percebi bem o comentário à família Bragança mas soou-me a um elogio; confirma-o, Filipe?

dorean paxorales disse...

E já agora, um doce a quem renegar o encaracolado do Afonso Costa (ptuiii!)

;)

Filipe Castro disse...

Ohohoh! Nao, infelizmente nao era elogio... eu queria dizer mediania da má, da que não inspira ninguém a querer justificar-lhes honras e salários vitalícios. :o)

Se os monárquicos nos acenassem com um rei eleito, divertido, um ateu, intelectual, pintor, mecenas das ciências, revolucionário, irreverente, íntegro... um que se desse à bebida e depois fosse à Baixa e desancasse o José Manuel Fernandes à bengalada, em público, e lhe chamasse nomes horríveis mas merecidos.

Mas aquela família de maçadores e de presumidos! Sérios, chatos, tristes, baços.

Não pode ser! Desculpem-me, mas quando penso nos braganças apetece-me fazer um altar ao Costa e outro ao Buiça!

Ricardo Alves disse...

«Não foi a situação com esta Sr.a que levou a tua república a mudar a lei de seguida por forma a impedir mais arrogâncias femininas?»

Foi. Mas a República não é minha. Tenho pouco jeito para ser dono de regimes. Nunca seria rei, portanto, a não ser para abdicar. ;)

Ricardo Alves disse...

«Se os monárquicos nos acenassem com um rei eleito, divertido, um ateu, intelectual, pintor, mecenas das ciências, revolucionário, irreverente, íntegro... um que se desse à bebida e depois fosse à Baixa e desancasse o José Manuel Fernandes à bengalada, em público, e lhe chamasse nomes horríveis mas merecidos.»

Excelente ideia. ;)

Ricardo Alves disse...

Paxorales,
e não falaste do resto porquê?

dorean paxorales disse...

Caro Filipe,

Não vou morder a isca (sim, que o D. Carlos era pintor e mecenas das ciências e não consta que fugisse à patuscada) porque são do século passado. E estão mortos graças aos altares e ao bom uso que estes fizeram da moral jacobina - seriíssima e chatérrima (nacionalismo, trabalho, família, et c.).

O cinzentismo da presente família candidata pode reflectir também uma atitude de defesa: em monarquias hodiernas, sempre que um personagem real revela tendências olímpicas crescem as estatísticas republicanas. Está aí um outro Carlos que não me deixa mentir. Ora, isto dá-me idéia que o povo não gosta de rei que não se coloque acima dos demais.

Agora vejamos... Mais sério, chato e baço que Eanes, Cavaco e Sampaio o pobre Duarte não será concerteza.

Mas não são as larachas do homem que interessam (a mim) mas sim a instituição. Até podia ter um qualquer Ricardo coroado, desde que devidamente não-eleito, que já me dava por satisfeito (digo Ricardo e não Filipe mas não por nada de pessoal, apenas por superstição).

DP

dorean paxorales disse...

Ricardo,

Qual resto? A eterna discussão para aferir qual dos regimes foi menos democrático?

Ok, cá vai: o 5 de Outubro foi uma revolução irresponsável feita por um grupo de burgueses megalómanos e por manipulação de operários e soldados dementes. A posteriori, não houve senão uma intenção de manter a democracia formal herdada da monarquia e mesmo esta foi activamente combatida pelo ditador Afonso. Isto perante a passividade da população em geral, pois com decreto ou sem ele, fora da cidades, a república não mandava nada.

A democracia actual nada lhe deve. Pelo contrário, é somente resultado do 25 de Abril/Novembro. Nesta revolução incluo o verdadeiro e livre sufrágio universal.

Flamejante o suficiente para a tua provocação? ;) Venham as correcções.

P.S.: não percebi a dos imigrantes ou a da idade eleitoral; queres explicar?

Filipe Castro disse...

Dorian: eu por acaso não me importava de ser rei! :o)

E acho que Eanes e Cavaco são quase tão maus como o sr. Duarte, mas o Sampas não! Eu acho que o Sampaio foi o presidente mais culto e mais civilizado de sempre! A sério.

Ricardo Alves disse...

Eu também acho que o Sampaio era um tipo decente, comparado com o resto. E mesmo o Soares e o Cavaco fizeram cem vezes mais coisas interessantes na vida do que o Duarte, que tem passado a vida a passear o bigode de revista em revista.

Ricardo Alves disse...

Doreann,
fizeste uma boa caricatura da propaganda católico-monárquica.

O pior erro foi chamares ditador ao desgraçado do Afonso Costa. Foi Primeiro Ministro três vezes, em nenhuma dessas ocasiões suspendeu a Constituição, e houve sempre oposição dentro do Parlamento. Tinha poderes limitados, e abandonou o Governo três vezes. Se isto é uma ditadura, estás a abusar muuuuuuiiito do termo (quando muito, seriam três).

A democracia actual ainda deve à implantação da República «coisinhas» como o registo civil, a separação do Estado da ICAR, o fim da monarquia ou o fim das leis da blasfémia.

Ricardo Alves disse...

«não percebi a dos imigrantes ou a da idade eleitoral; queres explicar?»

Os mesmos que criticam a República pelas insuficiências no sufrágio não manifestam qualquer interesse pelo alargamento do sufrágio tal como hoje é discutido: a inclusão dos imigrantes residentes ou a descida da idade de acesso ao voto.

dorean paxorales disse...

Ricardo,

A minha caricatura admito-a monárquica, pois está correcta, mas não lhe descubro catolicismo. Queres dizer-me onde?

A tua presumo-a jacobina, e por definição contraditória: talvez não saibas mas o partido “democrático” só o era de nome. Instrumento do costa, com o próprio ou por intermédia pessoa, este partido dominou o estado e reprimiu a sua oposição durante quase toda a I república.

Para tal, fez uso da carbonária como o NSDAP fez dos camisas-castanhas: bombinhou; reprimiu manifestações; prendeu sindicalistas que se lhe opunham e fechou sedes; puniu quem quis por delito de opinião; manipulou a lei eleitoral até obter uns mugabianos 69% de votos (com 7% de população a votar…) em 1913; …

Habituou-se tanto ao poder que, quando outro ditador subiu para o poleiro, pimenta de castro, entrou em guerra aberta até o demover. Acredita que até houve mortos. Ena pá.

dorean paxorales disse...

Filipe,

Eu cá importar-me-ia bastante de ser rei. Mas é só por timidez.

dorean paxorales disse...

Ricardo,

Do costa ficaram esquecidos as deportações para as colónias, a censura geral, os jornais fechados ou bombardeados...

Ah, pois é, mas foi eleito. Então está certo.

Imigrantes: concerteza, desde que saibam falar/perceber português. Parece-me uma condição razoável para votar entender o que a imprensa diz ou o que os partidos prometem.

Baixa da idade: para quê? porquê? não entendo.

alargamento da base eleitoral da esquerda? mas a população está envelhecida.

dorean paxorales disse...

Ah, e a separação havia começado antes, com a revolução liberal.

só mais um reparo (isto hoje está espartilhado e confuso, peço desculpa, é domingo): não disse que sampaio ou outros seriam "maus" ou "incultos", apenas chatos e sérios.

mas nem por isso deixam eles ou as duas famílias de aparecer nas revistas da especialidade, olá que não.

Ricardo Alves disse...

«a separação havia começado antes, com a revolução liberal»

Um regime com religião oficial do Estado constitucionalizada, leis com «delito de blasfémia», juramentos religiosos nas universidades públicas e obrigatoriedade da religião na escola não é um regime de separação.

Quanto à comparação da carbonária com o NSDAP, é parva, de mau gosto e própria de quem engoliu a propaganda monárquica. A carbonária foi extinta antes de 1913, para tua informação.

E quanto ao resto, se o Partido Democrático governava em ditadura, porque é que se permitia sair do governo? Ou às vezes governar com outros? Parece-me que tens uma noção de ditadura um bocado elástica.

Passa bem.

dorean paxorales disse...

Ricardo,

A nacionalização dos bens da igreja e a extinção das ordens militar-religiosas não foi feita pela república jacobina;

O delito de blasfémia e os juramentos religiosos não são características de nenhum regime monárquico mas dou a mão à palmatória que a república jacobina os extinguiu. Obrigadinha, república.
Também o fez para os tribunais penais (pergunto porque não sei e já se sabe que a wiki é mentirosa)?

Não engoli propaganda alguma pois vivo no século XXI.
Pelo contrário, aqui fala-se no Costa e estala logo o verniz, não há dúvida.

A comparação de m.o. era:
-um, da relação entre o PD e o NSADP;
-dois, entre a acção da carbonária e os camisas-castanhas, "extintos" de forma bastante mais definitiva após a consolidação do partido no poder (a noite dos facas longas e tal).

Acreditar que o braço armado do PD não mexeu um dedo para colocar/manter o PD no poder é próprio de quem engoliu a propaganda jacobina. Ou não?

A comparação é 'parva e de mau-gosto'? Ferves em pouca água.
Há um método de conquista de poder próprio da época. Também poderia usar como exemplo as milícias do PC alemão dos anos trinta mas esses, como sabemos, perderam a luta na rua e nas urnas.

Afonso Costa e tal:
tens razão absoluta, o meu conceito de ditadura é elástico; isso porque o meu conceito de democracia não o é.

Vá, não te irrites que não é preciso.

Abraço