segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Propriedade privada e liberdade contratual

O valor fundamental dos «neoliberais» é a propriedade privada, sendo a «liberdade contratual» um valor quase tão importante. O primeiro é o valor estático: os neoliberais defendem acima de tudo o direito dos indivíduos a manterem a sua propriedade, livres de qualquer interferência do Estado, e são indiferentes à origem dessa propriedade, ou à existência de indivíduos que não são proprietários. A liberdade contratual é o valor dinâmico, que organiza as relações entre indivíduos.
É justamente por colocarem estes valores acima das liberdades individuais que os neoliberais podem chegar, sem dificuldade de maior, à defesa de ditaduras que suprimem as liberdades: a total liberdade contratual, embora alguns neoliberais aparentemente não se apercebam disso, limita ou destrói as liberdades políticas.
Regularmente, os «neoliberais» defendem a supressão do salário mínimo, das restrições aos horários de trabalho ou do direito à greve. Sente-se que aceitariam como uma extensão da liberdade contratual a assinatura de contratos de trabalho que proibissem o trabalhador de fazer greve, participar em comissões de trabalhadores, sindicalizar-se, criticar a empresa em público, protestar contra a deslocalização do seu local de trabalho para alhures, e que o obrigassem a aceitar, no limite, que fosse despedido com três segundos de aviso. Alguns dos direitos que assim se destroem, exercidos em empresas ou por motivações laborais, são o melhor das liberdades políticas que se adquiriram nos últimos 150 anos: as liberdades de reunião, de associação e de expressão. Sem elas, o indivíduo não-proprietário não é escravo porque pode exigir remuneração pelo seu trabalho, mas fica sujeito às condições mais desvairadas que o empregador, no exercício da sua «liberdade contratual», lhe queira impôr.

7 comentários :

Pedro Viana disse...

"O valor fundamental dos «neoliberais» é a propriedade privada (...) os neoliberais defendem acima de tudo o direito dos indivíduos a manterem a sua propriedade, livres de qualquer interferência do Estado(...)"

Ricardo, este é um erro de avaliação habitual. A existência de Estado, a interferência do Estado na relação entre cidadãos, é ESSENCIAL para a existência de propriedade privada. É o Estado que defende a exclusividade de usufruto da propriedade privada. A propriedade privada efectiva seria muito mais precária se não houvesse Estado, pois a defesa da posse teria que se basear em mílicias contratadas. Basta pensar em regiões como a Somália ou o Afeganistão...

"a total liberdade contratual, embora alguns neoliberais aparentemente não se apercebam disso, limita ou destrói as liberdades políticas"

Aprecebem-se, aprecebem-se, todos se aprecebem... é por a liberdade de decisão (colectiva) política poder impor-se à "liberdade contratual", entre outras coisas, que, tal como Vital Moreira explanou recentemente em artigo de opinião no Público, a Direita em geral, em particular o neoliberalismo, não aceita o princípio da decisão pela maioria, ou seja o princípio base da Democracia. Aliás, quanto à liberdade contratual em particular, há neoliberais (uns poucos intelectualmente honestos) que não se coibem de admitir todas as consequências do princípio da liberdade contratual, aceitando que alguém possa "livremente abdicar da sua liberdade", tornando-se literalmente escravo.

Filipe Castro disse...

Eu nao tenho a certeza se os neo-liberais terao uma ideologia. Sabe-se que o que os move e a ganancia. Ideologia nao me parece que exista uma. As vezes atiram-nos com uns filosofos ingleses. Outras vezes com o "milagre chileno" ou a economia irlandesa, mas sempre de forma simplificada. Acho que a direita reune sobretudo gente timorata e ignorante, que acredita que a liberdade individual destroi a "cola social". Aqui sao os casamentos gay que vao destruir a civilizacao ocidental. Na America latina sao "os comunistas". No Egipto eram "os intelectuais". Na URSS eram "os burgueses", etc.

Anónimo disse...

Sim, não podemos acabar com o salário mínimo, senão ficavamos com um país como a Holanda ou a Suécia, onde não há salário minímo e toda a gente é pobre.

Nem queremos um país como a Dinamarca ou a Suiça onde um contrato de trabalho pode ser interrompido a qualquer momento e toda a gente é escrava.

Filipe Castro disse...

Luis Pedro: os seus argumentos nao sao logicos.

João Vasco disse...

Toda a gente sabe que a Holanda e a Suécia são os únicos países sem salário mínimo.

Mas é tãoooo engraçada essa comparação coma Suécia, um país em que o peso do estado na economia é muito maior do que por cá...

Como é Luís Pedro: vamos seguir o exemplo dos Suecos? Ou o bom exemplo acaba com o fim do salário mínimo?


Nota: eu não creio que se deva necessariamente aumentar ou diminuir o peso do estado na economia, sem mais. Depende de questões muito complexas. Mas eu não defendo que se compare assim um país, sem mais, para se extraír estas conclusões.
Em particular, se num país existe escassês de mão-de-obra, faz sentido que não exista tal lei. Ou então se existirem outras formas de cartelizar a mão-de-obra, como número máximo de horas semanais reduzido, etc...

Ricardo Alves disse...

«A existência de Estado, a interferência do Estado na relação entre cidadãos, é ESSENCIAL para a existência de propriedade privada»

Exacto. Não há direitos sem Estado. Ou aliás, poderia havê-los sem Estado mas não haveria forma de garantir que fossem respeitados...

Ricardo Alves disse...

«Eu nao tenho a certeza se os neo-liberais terao uma ideologia»

O liberalismo clássico de Hayek e Mises, ou as coisas do Friedman. E aquilo está tão embrulhado com uma «liberdade» formal que até pode não ser fácil explicar que o que está por trás é ganância económica e conservadorismo cultural...