sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Netos da carbonária

No Diário de Notícias de hoje, Ana Sá Lopes escreve sobre a Carbonária:
  • «A Carbonária (a nossa mãe) não era propriamente recomendável - era uma organização terrorista. Agora, foi aos pés de um dos seus homens - Machado Santos, herói e vítima da República, que se barricou na Rotunda até a monarquia cair - que devemos o sucesso do 5 de Outubro. Foi com a Carbonária que o famoso (porque todas as cidades do país lhe dedicaram uma rua) Almirante Cândido dos Reis preparou a revolução».

Em rigor, o 5 de Outubro não foi um acto terrorista. Foi uma insurreição armada organizada pela Carbonária que não dispensou a sublevação de unidades militares, e que se decidiu no confronto com tropas regulares. Não deixando de ser verdade que a Carbonária usou pontualmente métodos terroristas, a implantação da República não se deve a qualquer campanha de «terror», mas sim ao facto de o povo de Lisboa ter pegado em armas contra a monarquia. E essa componente popular do 5 de Outubro (esporadicamente terrorista, e infelizmente descontrolada nos anos seguintes) deveria fazer parte da celebração da República.

8 comentários :

no name disse...

ricardo, vais desculpar-me, mas parece-me que esta discussão de actos terroristas em revoluções republicanas (ou as que for) é um bocadinho sem nexo. não me parece que existe um significado absoluto para "o terrorista", apenas um significado relativo. ser-se "terrorista" ou "lutador da liberdade" é um rótulo que a história dá, apenas em termos relativos, ao que acabou por ser a própria história. além do mais, não acredito que ninguém realmente ache que quando os franceses celebram o 14 de julho estejam a celebrar também todas as decapitações e actos de horror que se seguiram ou antecederam; nem que ninguém realmente ache que quando os norte-americanos celebram o 4 de julho estejam a celebrar também os massacres contra os ingleses em boston ou outras atrocidades semelhantes. a história foi o que foi, o que resta dela, além da memória, é a democracia e a liberdade. não digo que se esqueçam os moldes das conquistas, mas não precisamos de cair nestas discussões um pouco sem nexo se se poderiam classificar de conquistas terroristas ou não... porque tu achas que isto é assunto de discussão?

dorean paxorales disse...

Ricardo Alves:
O "apoio popular" era tal que Cândido dos Reis suicidou-se na madrugada do dia cinco, julgando que a revolução tinha falhado. Só por isso passou a mártir famoso da sublevação.

Infelizmente para os monárquicos, também os descoordenados comandantes da tropa que defendia o regime se julgaram perdidos ao vêr o pleno de canhões da Armada ao largo do Terreiro do Paço. E assim se renderam e a Monarquia caiu em Lisboa.
As notícias do acontecido chegariam à pacata Vila Franca de Xira no dia seguinte.

Quanto à Carbonária, não tenho dúvidas que seria considerada uma organização terrorista, o "braço armado", se quiseres, do PRP. Em boa verdade, era também o braço operário da Maçonaria, criada à sua imagem e semelhança para que os respeitáveis médicos e mestres-escola pudessem contar com a ralé sem necessidade de convívio social ou sujar as próprias mãos.

O resto é romantismo jacobino com o qual os que escrevem a História legitimam as suas acções.

Ricardo Alves disse...

Ricardo,
a discussão faz todo o sentido porque há quem retrate a 1ª República como uma ditadura sangrenta, monopartidária e repressiva. Geralmente, são os mesmos que não vêem nada disso no Estado Novo. Mas há quem queira, até, que se deixe de celebrar o 5 de Outubro.
Usa-se normalmente o adjectivo «terrorista» para designar qualquer grupo que pretenda atingir os seus objectivos através de atentados à bomba, assassinatos, etc, sobre alvos não militares. Grupos como a ETA, o IRA ou a Al-Qaeda não estão interessados em tomar o poder de forma organizada (golpe de Estado ou controlo de parte do território através de guerrilhas) mas sim em causar uma atmosfera de horror e pânico que leve a negociações.
A implantação da República não foi propriamente um acto terrorista, mas um golpe de estado típico... feito essencialmente por civis.

Ricardo Alves disse...

Dorean paxorales,
o Cândido dos Reis, que concluíra não ter apoio militar suficiente nas tropas regulares apareceu morto num caminho público. Para um militar metódico, é um pouco estranho que não tenha deixado uma nota de suicídio...

Houve várias tentativas, no dia 4 de Outubro, para controlar a insurreição em Lisboa. Por exemplo, as do Paiva Couceiro, que andou às voltas a tentar bombardear a Rotunda de todas as direcções possíveis.

A ideia de que só teria havido movimentações republicanas em Lisboa também é falsa. A República foi proclamada no dia 4 de Outubro em várias povoações (Grândola, Loures, Moita, etc.). E por alguma razão as unidades do resto do país não marcharam sobre Lisboa.

Quanto à Carbonária, teve o grande impulso a partir de 1908, durante a ditadura do João Franco. E isto foi antes de o Partido Republicano ter votado, no congresso de Setúbal, a forma revolucionária para implantar a República. Aliás, lendo com atenção o tal livro do tal senhor conhecido conclui-se que o impulso para a implantação da República veio mesmo das classes populares e organizou-se na Carbonária.

dorean paxorales disse...

Candido dos Reis e Paiva Couceiro sabiam tanto como o Ze' da Couves acerca do rumo dos acontecimentos e dos apoios com que podiam contar.
Houve um golpe de sorte, a aparicao da marinha, e tudo ficou resolvido.

Quanto 'a "ditadura" de 1906-08 foi a reaccao pouco musculada da monarquia ao terrorismo (bombas, sim) da carbonaria que culminou no regicidio.

Daqui a vitoria da corrente revolucionaria no PRP: a Carbonaria marcava a agenda e obrigava os seus senhores (essa amalgama de elite urbana - nunca disse que nao eram - unidos por um odio infantil 'a figura do rei e a um parlamento onde se encontravam minoritarios) a seguir-lhes o passo. O classico primado da accao sobre a politica.

Num pais essencialmente rural, a revolucao fez-se na capital e no Porto. O "apoio popular" que referes e' aquele da pequena-burguesia provincial, dos farmaceuticos e mestres-escola. Ate' entao, o Povo seria indiferente quanto 'a natureza do regime.
Quem ler o que escreves fica com a ideia que 80% da populacao seria activista ou apoiante da Carbonaria. Eu compreendo que faca parte da mitologia a figura da senhora desnuda de espada ou espingarda ou la' o que e' em punho mas aqui no jardinzinho nao houve transplante de revolucao.

Ja' agora: a primeira republica teve largos episodios de ditadura sangrenta, sim; mil vezes um Joao Franco com republica que o Afonso Costa com rei.

E acabo de cometer a proeza de deixar o Estado Novo de lado...

Ricardo Alves disse...

«Candido dos Reis e Paiva Couceiro sabiam tanto como o Ze' da Couves acerca do rumo dos acontecimentos e dos apoios com que podiam contar»

Dorean,
estás a entrar em contradição. Logo no teu primeiro comentário, disseste que o «O "apoio popular" era tal que Cândido dos Reis suicidou-se na madrugada do dia cinco, julgando que a revolução tinha falhado». Portanto, a morte de Cândido dos Reis era prova da falta de apoio. Agora, já é ao contrário?

Quanto ao «golpe de sorte»: chama-se infiltração organizada e metodicamente preparada (mais uma vez, a Carbonária). Tens a certeza de que leste o tal livro?

A ditadura do João Franco tem outros aspectos, como os escândalos dos Braganças.

E quanto à base social de apoio da República, houve movimentações de grupos armados em toda a Margem Sul do Tejo; e nunca no Alentejo houve oposição à República. (Aliás, essa geografia voltou a emergir em 1975, o que eu acho interessantíssimo...) Para além dos letrados de província que também referes, claro.

(Não percebi aquela do João Franco e do Afonso Costa...)

dorean paxorales disse...

Não encontro nenhuma contradição. Apenas renitência tua em aceitar que a falta de apoio popular é independente da incompetência de comando.

Quanto ao livro, se calhar não é o mesmo. Afinal o título era diferente, não é? ;)

Quanto à geografia, eu dou de barato que não houve oposição à República em quase lado nenhum. Mas estou convencido que, para além dos interessados ou desses "grupos armados", a revolução teria sido recebida com generalizada indiferença.

O Afonso Costa? Olha, vai vêr à tua cópia do livro. Eu, infelizmente, não o tenho a esse nem a outros aqui comigo e com a memória que me foi dada por deus nosso senhor não consigo sequer citar mais títulos correctamente.

P.S.: antes dos republicanos ninguém havia chamado ao J. Franco 'ditador'.

Gil Gonzaga disse...

Só uma consideração...a Carbonária chegou a ser composto por cerca de 40000 homens. E ao contrário o que se quer fazer passar, que a Carbonária era o braço armado da Maçonaria, isso não é verdade. A Loja Montanha pode ser eventualmente considerada o elo de ligação entre as duas organizações e era no seu seio que militavam a maior parte dos carbonários que também eram maçons. Mas atenção que na maçonaria existiam também obreiros monárquicos...Alguns reis de Portugal foram maçons. É preciso saber distinguir as coisas.

G.