segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Falácias da Ética Neo-Liberal IX - o cartel

Tal como Pergonara, Frutuela também é uma pequena aldeia isolada. As semelhanças não se ficam por aí: em Frutuela também impera a "ordem liberal", e as liberdades negativas são todas escrupulosamente respeitadas; e em Frutuela também toda a terra fértil é propriedade de 40 agricultores (não é propriedade comunitária dos 40: são 40 propriedades individuais).

Um dia os agricultores de Frutuela reunem-se. Jerovás, um dos mais novos, diz:

«Frutuela tem cerca de 300 pessoas, mas só nós temos acesso à comida de que necessitam para viver. Se formos inteligentes poderemos fazer um bom uso disso. Em vez de competirmos estabelecendo os preços que estabelecemos, podemos pedir o valor que quisermos»

Garolias, entusiasmado, acrescenta:

«Podemos chegar mais longe! Podemos conjuntamente impôr o que quisermos aos restantes 260 habitantes. Não por via da coerção ou da violência (não estaríamos no nosso direito), mas sim de forma legítima: se os habitantes não quiserem de sua livre vontade obedecer ao que impusermos, então negamos-lhes o acesso à comida que produzimos. Se tivermos um inimigo comum, podemos matar à fome quem quisermos.»


Os agricultores concordam e cedo impõem um código de vestuário: todos os restantes habitantes deverão vestir-se de branco, sob pena dos agricultores deixarem de fornecer comida. Além disso, os preços da comida tornam-se gritantes, tornando a vida dos restantes habitantes desumana.

Estes últimos reunem-se todos. Durateu, o sapateiro, levanta-se e diz:

«Cada um destes agricultores tem, individualmente, um excelente incentivo para quebrar esta combinação. Se cobrar preços ligeiramente mais baratos todos lhe comprarão todos os artigos antes de comprarem a qualquer outro. Se vender enquanto todos os outros a tal se negarem por estarmos a violar o código de vesturário, enriquecerá consideravelmente. No entanto, este incentivo por si não é suficiente. Enquanto eles puderem livremente combinar estas estratégias de cartelização, conseguirão sempre entender a vantagem que têm em manter esta situação, sendo fácil resistir à tentação da concorrência.
Devíamos juntar-nos e proibir a combinação destas estratégias de cartelização. Nem que seja pela coerção.»


Um neo-liberal achará lamentável a sugestão de Durateu, que colocará em causa a «ordem liberal» que prevalece em Frutuela. Perante esta situação, o neo-liberal teria uma sugestão melhor?

Terá o neo-liberal pensado bem sobre a situação em que, sem qualquer violação das liberdades negativas, é possível escravizar uma aldeia inteira?

44 comentários :

Carlos Guimarães Pinto disse...

Por pontos:
1- Ainda não aceitou o meu pedido para escrever neste blog. Parece-me que está a defender em demasia a sua propriedade do blog (adquiriu-a de uma forma justa? Por ocupação?)

2- Em relação ao caso: como bem referiu existiria a tendência a que um dos agricultores abdicasse do cartel. É o que acontece na vida real, fora das suas fábulas. Se a entrada no sector fosse livre qualquer um dos outros membros da comunidade poderia iniciar carreira na agricultura e ganhar uma fortuna vendendo livremente. Adeqúe lá o mundo da sua história para bater certo para depois continuarmos a discussão.

3- Imagine que em vez de ser um grande número de agricultores, era apenas um decisor público a controlar a distribuição de comida. Mais rapidamente esse decisor público imporia regras de conduta de acordo com a sua moral para acesso à comida. Exemplo: em Portugal para termos acesso ao trabalho e à comida não podemos cometer aborto, tomar drogas, andar despidos na rua, recorrer à prostituição, educar os nossos filhos em casa, trabalhar 50 horas por semana, etc. Em relação a isto, a imposição dos agricultores parece bem mais benevolente...

abraço

João Vasco disse...

cgp:

1- Já denunciei a sua falácia do terceiro excluído, mas o cgp continua a insistir nela.
Repare que eu neste texto nunca advogo (e pessoalmente também não defendo) que TODA a propriedade deva ser partilhada.

Neste texto mostro que podem existir situações em que, sem ocorrer qualquer violação das liberdades negativas, pode existir uma situação indistinguível da escravatura. Assim mostro que os "dogmas" neoliberais devem ser repensados.

Mas não proponho qualquer alternativa. Não é esse o meu objectivo nestes textos.

Assim sendo, a alternativa que imagina (erradamente) que eu defendo, e que me tenta provar errada com o seu pedido, não está em jogo. A refutação dessa ideia que eu não defendo é irrelevante neste contexto.


2- Embora este texto não pretenda necessariamente referir-se ao mundo real, a verdade é que no mundo real EXISTEM autoridades que regulam a concorrência e que COERCIVAMENTE impedem os carteis.
Desconheço a existência de algum membro da OCDE em que o estado não tenha o poder de evitar carteis coercivamente, e sei que nos EUA, por exemplo, são especialmente eficientes a penalizar, com penas de prisão pesadas, quem viola as leis que promovem (coercivamente) a concorrência.

3- Volto ao ponto 1: o cgp está a tentar mostrar os males de uma alternativa que NÃO defendi. Independentemente da validade dos seus argumentos, eles são irrelevantes porque o cgp está a tentar refutar algo que eu nunca defendi neste texto.

(Mas não resito a fazer notar que em Portugal o governo NÃO tem o direito de matar à fome, de forma arbitrária, qualquer cidadão. Note que este é um poder que os agricultores deste texto tinham, pelo que acho MUITO questionável a sua afirmação de que «Em relação a isto, a imposição dos agricultores parece bem mais benevolente...»)

Carlos Guimarães Pinto disse...

1- Não tinha lido e como normalmente não descreve alternativas, desconheço as suas convicções pessoais. parti do pressuposto, precipitado, de que era um neocomunista.
2- A teoria liberal defende que, em situações em que a entrada no mercado não é livre, a cartelização deve ser criminalizada. Embora o precedente dê azo a abusos (o caso dos EUA é gritante) não deixa de estar presente na teoria liberal (vd Adam Smith).
Todos estes seus posts partem do pressuposto que as pessoas agiriam de má fé caso o estado tivesse tanto poder. Esquece a possibilidade de o legislador ter má-fé. Sem querer entrar naquele desporto da elitinha intelectual do "arremeço do livro" aconselho-o a lêr a teoria dos sentimentos morais. Fundamental para perceber a "ética" liberal.

João Vasco disse...

1- Não sou comunista nem neocomunista. Ter assumido isso pelo facto de criticar o neoliberalismo extremo é caír na falácia do terceiro excluído. Congratulo-o por ter admitido o erro.

2-
«A teoria liberal defende que, em situações em que a entrada no mercado não é livre, a cartelização deve ser criminalizada.»

Que teoria liberal?
Existem muitos pensadores (neo-)liberais que acreditam que não (já li artigos de vários através do João Miranda).

Quanto ao Adam Smith, o que ele defende não se enquadra na definição que dei de neo-liberal: «Refiro-me à posição segundo a qual a coerção e a violência são condenáveis, a menos que sejam usadas para evitar coerção e violência; que o direito à propriedade é tendencialmente inviolável; e de que as relações ou contratos livres entre as pessoas apenas a estas dizem respeito e não devem poder ser limitados por nenhuma entidade exterior.» (seguindo o link relativo À palavra "neo-liberal)

Repare que criminalizar a cartelização é ter uma entidade exterior (o estado) a LIMITAR relações económicas e comerciais entre indivíduos. É violar as liberdades negativas.


Isto mostra que Adam Smith não corresponde à ortodoxia neo-liberal visto que ele defende que o estado pode ter um papel REGULADOR da actividade económica (ao criminalizar a cartelização).

Que Adam Smith não corresponde ao extremismo neo-liberal nem devia ser novidade. A esse respeito recomendo interessantes debates entre o blogue "blasfémias" e o extinto blogue "semiramis". Em jogo estava a posição menos liberal de Adam Smith, contrária à ortodoxia liberal defendida por pessoas como o João Miranda.

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O cgd aceita, como Adam Smith, limitações à liberdade económica?

Aceita que a cartelização seja criminalizada?

João Vasco disse...

«Todos estes seus posts partem do pressuposto que as pessoas agiriam de má fé caso o estado tivesse tanto poder.»

??

Não se terá enganado a escrever?

«Esquece a possibilidade de o legislador ter má-fé.»

Não esqueço nem deixo de esquecer.

Eu não proponho, ao longo dos artigos desta série, nenhum sistema alternativo.
Se propusesse, então poder-se-ia dizer que o liberalismo seria melhor que esse sistema.

Mas quem disse que eu acredito que deve haver um sistema que seja SEMPRE o melhor? Quem disse que eu não acho que a diferentes realidades correspondem diferentes sistemas de organização política e económica que melhor se adequam?
Quem disse que consoante as características das pessoas, do meio, das alternativas, etc... não há sistemas que podem ser melhor ou pior adequados?

O que eu achei engraçado é que nesta série de posts, sem eu ter escrito uma linha sobre o que eu acredito, fizeram todo o tipo de especulações.

Isto para não falar das reacções quando eu disse algo tão vago como "sou utilitarista" - que é uma generalidade tão vaga como "quero que as pessoas sejam felizes" ou "importante é que se faça o bem" - e de repente já sou pior que o Hitler e o Estaline...

«Sem querer entrar naquele desporto da elitinha intelectual do "arremeço do livro" aconselho-o a lêr a teoria dos sentimentos morais. Fundamental para perceber a "ética" liberal.»

Assim que tiver oportunidade, lerei. Mas existe algo nesse livro que refuta o que tenho escrito?

Ricardo Alves disse...

cgp,

1) A igualdade de oportunidades assenta no pressuposto da reciprocidade. Se quer escrever neste blogue, deve começar por me abrir as portas do seu.

2) «em Portugal para termos acesso ao trabalho e à comida não podemos cometer aborto, tomar drogas, andar despidos na rua, recorrer à prostituição, educar os nossos filhos em casa, trabalhar 50 horas por semana»
Confesso que este parágrafo me deixou perplexo. Que eu saiba, há famílias em Portugal que educam as suas crianças em casa. E há ex-toxicodependentes que conseguem obter emprego (escondendo a sua ex-adição, geralmente). E mulheres que já cometeram aborto. E mais, creio que a prostituição já não é criminalizada (não é o lenocínio que constitui crime?). Também não creio que andar nu na rua seja crime.

Um grande «etc» para si também! ;)

Carlos Guimarães Pinto disse...

Lamento a demora na resposta, mas aqui vai:

"O cgd aceita, como Adam Smith, limitações à liberdade económica?
Aceita que a cartelização seja criminalizada?"

Nas condições em que são criados e mantidos actualmente, sim. Numa sociedade em que não haja restrições à entrada na indústria não faz sentido proíbir a cartelização nessa indústria.

A minha objecção às suas histórias é que partem de pressupostos irrealistas e comportamentos que não correspondem à natureza humana. Usando o mesmo esquema, poderia defender o que quiser, o que as torna intelectualmente irrelevantes. Por exemplo, imaginando que o João era um activista anti-aborto, podia contar a história duma terra em que todas as grávidas resolviam abortar até às 10 semanas, terminando assim com a sociedade e com a própria humanidade. Depois entraria o legislador a impedir o aborto até às 10 semanas. A sua história acabaria com: "um neocomunista acharia lamentável a decisão do legislador que colocará em causa os direitos das mulheres, perante esta situação o neocomunista tem uma sugestão melhor?".
Ou então, se fosse um activista pró-violação, poderia fazer uma história semelhante a esta última que escreveu:
"Numa aldeia isolada, existem 40 mulheres. Um dia resolvem cartelizar-se, afirmando que só fariam sexo se os homens passassem a vestir de branco e cortassem o braço esquerdo. Se assim não fosse, os homens nunca mais fariam sexo, não haveria reprodução e a sociedade acabaria. As mulheres passam a impôr a sua vontade. Até que chega Durateu e diz que os homens podem forçar as mulheres a terem sexo e reproduzirem-se. Um activista anti-violação achará lamentável a sugestão de Durateu, que colocará em causa os direitos das mulheres que prevalecem em Frutuela. Perante esta situação, o activista anti-violação teria uma sugestão melhor?"

Os exemplos poderiam-se repetir. Confesso que me diverti imenso a pensar em outros exemplos ainda mais ridículos. É evidente que não haverá nenhuma cartelização de mulheres tendo em vista a condenação dos homens ao celibato, da mesma forma que não interessa aos agricultores viver num país onde todos passem fome. Por saber disso, o resto da sociedade jamais cederia às pressões do "grupo privilegiado" sendo que este nem sequer chegaria a fazê-las. as suas histórias são cenários teóricos, irrealistas, que podem ser utilizados para defender qualquer opinião e por isso irrelantes para uma discussão política.

Ricardo,
"Que eu saiba, há famílias em Portugal que educam as suas crianças em casa."
Não. Isso é completamente proíbido. A escolaridade mínima é obrigatória.
Andar nu na rua é contra-ordenação assim como prostituir-se. Tomar drogas e abortar é crime. Ou seja, há um conjunto de regras de conduta moral, que apenas dizem respeito ao indivíduo, que temos de cumprir para podermos viver em liberdade.

João Vasco disse...

cgp:

Não sabia que os neocomunistas são necessariamente a favor do aborto. Estaline criminalizou-o, seria por ser um "estalinista" à antiga?

De quaqluer forma, esses exemplos NÃO são irrelevantes e inúteis. Eles mostram que qualquer moral absoluto baseado em regras absolutas é patético. Eles mostram que as regras certas ou erradas se adequam a cada situação concreta, ou conjunto de situações.

Mesmo algo tão monstruoso como a violação poderia ser louvável. Não nesse exemplo que deu, em que eu não saberia qual a melhor opção, mas por exemplo se eu imaginar este caso «A máfia Treluíba tem o poder de destruir toda a população europeia detonando as bombas atómicas que tem implementado por todo o lado, mas não o fará se dentro de 4 dias o cgd violar uma mulher». Neste caso a decisão eticamente louvável parece-me que é violar uma mulher, pelo menos se for europeia e o cgd estiver certo que ela preferiria ser violada a morrer.

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O meu ponto em toda esta série foi mostrar como um conjunto de leis morais absolutas "a coerção é sempre errada", "a propriedade privada deve sempre ser protegida", etc... acaba por ser totalmente arbitrário e desajustado para um enorme número de situações concebíveis.

Se estas situações têm alguma correspondência no mundo real, é outra questão. Porque isso merece ser questionado. E se isso merece ser questionado, então estas regras merecem ser questionadas, ao invés de aceites acriticamente.

Se isso merece ser questionado, então o não-cumprimento dessas regras não é, por si, uma coisa má (pois podemos conceber situações em que seria uma coisa boa). Temos de avaliar então o que é que nos leva a dizer que nuns casos poderia ser bom segui-las, e noutros não.

E podemos chegar a conclusões chocantes.
E vou dar um exemplo concreto

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O cgd disse que numa sociedade em que não existem "restrições" à entrada numa indústria, não existe razão para impedir a cartelização.
Olhemos para o exemplo do artigo. Não existe qualquer restrição legislativa, ou imputável ao estado (que neste caso não existe) para a entrada nesta indústria. O impedimento deve-se ao facto dos agricultores não quererem vender a sua terra, e estão no seu direito.

Neste caso o cgd seria a favor ou contra a criminalização da cartelização?

Supondo que não, os seus pressupostos éticos levariam à situação de escravidão da aldeia.
Supondo que sim, admite a coerção numa sociedade totalmente liberal. Admite que em certas condições ela se justificaria.
Admite uma situação concebível em que uma maior liberalização económica (deixar de criminalizar a cartelização) seria má.

Se acha que esta situação, apesar de concebível, é irrealista, qual o seu critério? O que nos garante que, por uma razão aparentemente mágica, os princípios liberais poderiam falhar em teoria, mas nunca na prática?

Anónimo disse...

João Vasco, julgo que Estaline criminalizou o aborto por razões utilitaristas: preocupava-o uma possível decadência demográfica soviética.

Quanto ao resto, já o disse antes, e concordo com o cgp: as histórias "partem de pressupostos irrealistas e comportamentos que não correspondem à natureza humana".

Nestes mundos que crias, o Dilema do Prisioneiro deixa de fazer sentido (ou mais ainda, tu impões soluções para o dilema do prisioneiro: cooperação ou competição, uma coisa ou outro, mutuamente exclusivas). E esse Dilema surge da complexidade da natureza humana. Não podes pedir que alguém avalie um modelo criado por homens, num mundo de homens (seja o liberalismo, ou o socialismo, ou outro), baseado em exemplos de colónias de formigas, pois não? Mas é um pouco isso que fazes. Os ismos são humanos, e tu desumanizas os mundos das tuas fábulas. Assim, classificar sistemas ético-políticos com essas premissas torna-se num exercício vazio.

João Vasco disse...

cmf:

Eu acredito que muitas pessoas fazem coisas más com a melhor das intenções.

Mas não vou chegar ao ponto de dizer que ter boas intenções é mau.


Assim sendo, eu não sei se o Estaline teve boas intenções (utilitaristas) para fazer tudo o que fez. Podem ter sido razões egoístas, ou mesmo sádicas. Mas se as intenções foram boas (utilitaristas) isso não faz com que ter boas intenções (utilitaristas) seja mau.


Nem Hitler nem Estaline algum dia lhes passou pela cabeça dizerem-se utilitaristas. Dizer que eles fizeram o que fizeram porque queriam fazer o bem, não passa de uma hipótese, que certamente os nazis e estalinistas acarinharão, mas que eu não sei se tenho boas razões para aceitar. Mas mesmo que aceite, isso faz com que seja mau ser bem-intencionado??

Porque alegadamente pode ter havido gente bem-intencionada que fez monstruosidades?

(continua)

João Vasco disse...

O cmf diz que estes exemplos são disparatados e não têm relação com a realidade.

Isso será uma outra discussão. Muito curiosa.

Temos uma teoria moral que pode falhar em exemplos concebíveis, em exemplos imagináveis. Pode falhar em teoria, mas nunca na prática. Suponho que seja legítima a pergunta: "porquê?".

Que características tem a realidade que tornam uma teoria falível em teoria numa teoria infalível na prática?

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Na realidade os países têm MESMO autoridades que vigiam e coercivamente impedem o cartel. Porque será?

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Tomemos o caso do meu artigo anterior. O cmf acha que a situação é disparatada e não tem relação com a relaidade, mas muitos acreditam que se está a passar uma situação perfeitamente análoga.

Podemos discutir se a situaão é análoga ou não - é uma discussão muito interessante - mas deveríamos estar de acordo em relação ao que fazer se o fosse. Se alguém tem uma teoria ética que NEM SEQUER naquele caso apoiaria uma forma de coerção, então esses valores terão de ser repensados.

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A ideia de que "não respondo" porque "isso não corresponde à natureza humana" soa-me (desculpem que vos diga) a "não respondo porque fui apanhado em falso". E explico porquê.

A natureza humana é complexa, por isso muitas reacções são permitidas, umas mais racionais, outras menos.

Eu aqui imagino que as reacções são menos racionais. Isso pode não ser "provável", mas certamente que é possível!!

Porque é que partem do princípio que é impossível para os seres humanos serem irracionais? Há tantos exemplos na história!!

Ao longo da história ocorreram várias histórias de aldeias isoladas, e de abuso de poder por parte de quem detinha um monopólio, ou por parte de detentores de carteis. O que é que acontece nesta história que é tão irrealista? E se em vez de 40 agricultores fossem 4?

E se em vez de acesso à comida fosse acesso à água potável?

E se em vez de imporem que toda a gente se vestisse de branco, impusessem que toda a gente fosse cristã, com um medo irracional que qualquer descrente atraísse para a sua aldeia a fúria do senhor?

Se estivermos de acordo quanto a estes casos SIMPLES e fabulosos, então podemos discutir a intricada complexidade associada ao mundo real.

Mas se determinados preconceitos impedem alguém de se pronunciar nestes casos simples, como poderíamos chegar a alguma conclusão face à complexidade da realidade?

Ricardo Alves disse...

«"Que eu saiba, há famílias em Portugal que educam as suas crianças em casa."
Não. Isso é completamente proíbido. A escolaridade mínima é obrigatória.»

Isso já é diferente. Mas olhe que é possível educar as crianças exclusivamente em casa, sem irem à escola. Têm é que se apresentar aos exames nacionais. Até já veio no jornal...

«Andar nu na rua é contra-ordenação assim como prostituir-se. Tomar drogas e abortar é crime.»

Tomar drogas é crime ou contra-ordenação? Pensei que fosse a segunda...

Anónimo disse...

João Vasco,
de boas intenções está o inferno cheio, como costuma dizer o povo.
Prefiro ser eu a estragar a minha vida com os meus erros, do que sujeitar-me a que os erros dos outros me estraguem a vida. A questão será sempre esta: por muito bem intencionado que seja um indivíduo, eu sereis sempre mais capaz de determinar o que é melhor para mim.
E os fins não justificam os meios (e esta é umas essências do pensamento utilitarista). O utilitarismo e o colectivismo não hesitam em sacrificar o indivíduo em detrimento do grupo, mesmo que seja com as melhores intenções. E sim, mesmo que não pensassem no assunto, Hitler e Estaline eram utilitaristas (o comunisto é uma doutrina utilitarista; o que não quer dizer que um utilitarista tenha que ser comunista, claro!). E isto, repito, não é nenhuma tentativa de te colar a tão abjectas criaturas. Só pretendo mostrar quais as consequências do utilitarismo levado ao extremo!

Agora o resto:
"alguém tem uma teoria ética que NEM SEQUER naquele caso apoiaria uma forma de coerção, então esses valores terão de ser repensados."
Ó João, mas um "teoria ética" nasce num mundo humano! Repito, as teorias éticas do homem não se aplicam num mundo de formigas, por exemplo! Isso seria espécie de sociobiologia ao contrário.

"Eu aqui imagino que as reacções são menos racionais. Isso pode não ser "provável", mas certamente que é possível!!"
Mas o estudo da competição e da cooperação parte do princípio que existem actores mais e menos racionais.

"Ao longo da história ocorreram várias histórias de aldeias isoladas, e de abuso de poder por parte de quem detinha um monopólio, ou por parte de detentores de carteis. O que é que acontece nesta história que é tão irrealista? E se em vez de 40 agricultores fossem 4?"
De certeza que há ainda mais casos de abuso de poder por parte de quem controlova o poder político. Por isso se defendo o equilíbrio de poderes (e vigilância mútua). No outro aspecto, defende-se o mercado livre como melhor garantia de livre concorrência.

Na verdade, o teu exemplo poderia gerar uma situação de conflito que não interessaria a nenhuma das partes. E é aqui que entram os Jogos. Uma cartelização tão radical dificilmente emergiria, pois não interessa a nenhuma das partes. Por isso é que as tiranias que referes (andar de branco, ou ser obrigar a seguir a fé cristã), estão muito mais associadas ao poder do Estado do que ao das empresas. Só ao Estado pode interessar cidadãos agrilhoados. O mercado não sobrevive dessa forma. Aliás, se vamos procurar monopólios, encontramos muitas vezes o Estado metido no meio. Porque será?
(já agora, como conseguiria sobreviver o fabricante de vestuário branco? E porque é os outros cidadãos não se podiam associar da mesma forma, estabelecendo carteis noutras áreas do mercado, o que retiraria impacto ao primeiro cartel?
Dizes "Enquanto eles puderem livremente combinar estas estratégias de cartelização, conseguirão sempre entender a vantagem que têm em manter esta situação, sendo fácil resistir à tentação da concorrência.". Basta um João Vasco, basta um! E aí todos os outros perdem. Estarão disposto a arriscar, ou será que cada um tentará ser o primeiro a traír? Competição vs Cooperação. Dilema do Prisioneiro. Natureza humana.)

João Vasco disse...

cgd:

Ponto por ponto:

1) De boas intenções está o inferno cheio é uma frase muito sensata que mostra que boas intenções não chegam.

Muito mais facilmente que Hitler ou -Estaline, eu aceito que Salazar e os pilotos que se lançaram contra as torres gémeas tinham excelentes intenções. Ambos cometeram erros crassos de avaliação.

Mas ter boas intenções, mesmo que não chegue, é óptimo.
É mais provável que alguém bem intencionado faça algo bom do que alguém mal intencionado, por muito que a intenção não seje nenhuma garantia absoluta.


2) «Prefiro ser eu a estragar a minha vida com os meus erros, do que sujeitar-me a que os erros dos outros me estraguem a vida.»

Isso não está em questão. É por essa razão que os seres humanos valorizam a liberdade (e são mais felizes livres), e por isso é que o utilitarismo a valoriza.

3) Portanto, no exemplo que dei, o cmf preferia que a população europeia toda morresse do que violar uma europeia.
E isso?

4) «E sim, mesmo que não pensassem no assunto, Hitler e Estaline eram utilitaristas»

Eu não sei quanto ao Estaline. Ele podia não ser utilitarista e PENSAR no assunto. Podia ser egoísta e achar que estava a fazer o que era melhor para si, mesmo que fosse pior para os outros. Não sei, e acho extraordinário que o cmf SAIBA que ele era bem intencionado.

Quanto ao Hitler, eu SEI que ele não era utilitarista. Ele não acreditava em maximizar a felicidade ou o bem-comum da humanidade. Pelo contrário: ele quis matar Judeus, Ciganos, etc.. (no utilitarismo não existem raças superiores, e isso é muito claro para quem tem a mínima noção daquilo que é o utilitarismo); além disso, ele baseava os seus princípio em valores, alguns religiosos e em dogmas.
Hitler promovia aquilo que considerava a "virtude" por SI e não para maximizar o bem estar. Isto é o OPOSTO daquilo que John Stuart Mill defendia (há um capítulo inteiro dedicado a este tema).

Na verdade Hitler era um bocado o OPOSTO do que seria um governante utilitarista, e por isso não admira que tenha feito o contrário daquilo que o utilitarismo advoga (maximizou o sofrimento mundial).

Na verdade, a ideia de que Hitler era utilitarista demonstra um ENORME preconceito a respeito daquilo que é o utilitarismo. Preconceitos esses que JSM desfaz no seu livro "utilitarismo".

(continua)

João Vasco disse...

5)«Mas o estudo da competição e da cooperação parte do princípio que existem actores mais e menos racionais»

Então só nesses casos é que as conclusões se podem aplicar.

Na realidade existe o caso disso não se passar. Nesses casos, pode não fazer sentido manter os mesmos princípios éticos inalterados, pois podem estar totalmente desajustados.

Até parece que os seres humanos nunca se comportam de forma irracional!!



6) «De certeza que há ainda mais casos de abuso de poder por parte de quem controlova o poder político. Por isso se defendo o equilíbrio de poderes (e vigilância mútua). No outro aspecto, defende-se o mercado livre como melhor garantia de livre concorrência.»

Isso carece de prova. Depende dos poderes em concreto do poder político. Está contra as autoridades da concorrência que existem nos EUA, em Portugal, na UE, etc...?

Acha que a cartelização não devia ser criminalizada?



7) «Na verdade, o teu exemplo poderia gerar uma situação de conflito que não interessaria a nenhuma das partes.»

O quê????
Não interessaria aos agricultores cooperarem para escravizar uma aldeia inteira? O que tinham a perder?

E em aumentarem o preço face ao preço que existira sem cooperação? que teriam a perder com isso?


8) «Por isso é que as tiranias que referes (andar de branco, ou ser obrigar a seguir a fé cristã), estão muito mais associadas ao poder do Estado do que ao das empresas.»

Historicamente o estado e a nobreza (às vezes mais que o estado) tem tipo mais poder, é verdade. Congratulo-me com a revolução francesa e americana que vieram tirar esse poder à nobreza e ao estado.
Mas hoje, à medida que o equilíbrio de poder se vai alterando, surgem inúmeros exemplos que contradizem essa afirmação. O livro "No Logo" explica detalhadamente uma série deles.


É que as pessoas não pensam só em dinheiro, e às vezes um importante homem de negócios pode preferir impôr os seus valores a ganhar mais dinheiro.


9) «Basta um João Vasco, basta um! E aí todos os outros perdem. Estarão disposto a arriscar, ou será que cada um tentará ser o primeiro a traír? Competição vs Cooperação. Dilema do Prisioneiro. Natureza humana.»

Olhe para a realidade. Existem carteis, não existem?

QED

Anónimo disse...

1) "Mas ter boas intenções, mesmo que não chegue, é óptimo.
É mais provável que alguém bem intencionado faça algo bom do que alguém mal intencionado, por muito que a intenção não seje nenhuma garantia absoluta."
Mesmo assim prefiro que estejam quietos. Até porque a bondade das acções muitas vezes só podem ser avaliadas à posteriori, e nessa altura os pequenos males já estão feitos em nome do bem comum. E eu não acredito nisso do bem comum.

2) "Isso não está em questão. É por essa razão que os seres humanos valorizam a liberdade (e são mais felizes livres), e por isso é que o utilitarismo a valoriza."
Não, o utilitarismo aceita sacrificar a liberdade em nome do bem comum.

3) "Portanto, no exemplo que dei, o cmf preferia que a população europeia toda morresse do que violar uma europeia."
Preferia não ser confrontado com a situação ;) Agora a sério, a interiorização das normas é uma coisa tramada que nos leva a actos que aparentemente nos são prejudiciais. Acredita que muita gente se recusaria a violar uma mulher mesmo sabendo que essa recusa lhe custaria a vida. O altruísmo e outros comportamentos "estranhos" do ser humano nascem da sua maravilhosa complexidade e da propensão para interiorizar normas!

4) Hitler era um utilitarista! Um utilitarista não tem necessariamente que procurar o bem de toda a humanidade. Hitler colocou-se ao serviço dos arianos, e pretendeu melhorar o bem comum extirpando aquilo que julgava serem ervas daninhas, que impediam a felicidade suprema dos seus semelhantes. Hitler sacrificou alguns homens para erguer a sua ideia de Homem. E isto é uma pedra basilar do utilitarismo. Claro que o sacrifício não é necessariamente a morte, e muitas vezes, são apenas pequenas liberdades (que o cidadão nem nota que desaparecem, até um dia o virem buscar)! Mas se gostas tanto de puxar a realidade ao limite, com as tuas fábulas, também tens que aceitar que houve tempos e lugares em que o utilitarismo foi levado ao extremo, custando a vida a milhares de pessoas (a primeira fome da Ucrânia, causada por Lenine, é outro exemplo; o objectivo era solidificar a revolução bolchevique e encarrilar numa próspera nação comunista; no entanto, isso custou a vida a milhões de ucranianos; o facto de nem sequer ter resultado na forma como foi pensado, é apenas um pormenor; ou seja, o facto de ter falhado não o torna o acto menos utilitarista; tal como o facto de Hitler, no final, ter falhado como estadista e levado tanto o seu povo, como o mundo inteiro, ao sofrimento, não retira o carácter utilitarista à sua forma de ver a política; o utilitarismo não se avalia pelos resultados, mas pelos meios usados para tentar obter esses resultados). E isto não são histórias, é História!

Anónimo disse...

5) Claro que se comportam de forma irracional! E foi isso que eu disse.

6) Provavelmente, a proibição da cartelização é um erro para ocultar outros erros! Como nasceram os grande monopólios portugueses? Não foi do Estado?

7)"O quê????
Não interessaria aos agricultores cooperarem para escravizar uma aldeia inteira? O que tinham a perder?

E em aumentarem o preço face ao preço que existira sem cooperação? que teriam a perder com isso?"

Teriam a perder a paz, a arriscar lidar com a traição (que os poderia fazer perder muito antes de ser possível uma reacção), arriscariam um contra-ataque dos outros sectores de produção,...

8) "Historicamente o estado e a nobreza (às vezes mais que o estado) tem tipo mais poder, é verdade. Congratulo-me com a revolução francesa e americana que vieram tirar esse poder à nobreza e ao estado."
Bem, o conflito entre nobreza e Estado talvez tenha sido responsável pelo estado de liberdade que no ocidente conseguimos atingir. Isso, e o conflito entre Estado e Igreja. Não há nada melhor para quem é subjugado pelo poder, ver as tiranias em guerra, aniquilando-se mutuamente. Por isso é que o protestantismo, apesar de um movimento muito, mas mesmo muito reaccionário no início (eram, literalmente, mais papistas que o papa!!), contribuiu decisivamente para a liberdade na Europa!!!

"É que as pessoas não pensam só em dinheiro, e às vezes um importante homem de negócios pode preferir impôr os seus valores a ganhar mais dinheiro."
Pois, um homem de negócios pode tentar impor os seus valores, mas quando um homem de Estado o faz, quase sempre consegue. Esse é que é o problema. Tenho mais receia do democracia em regime de Soberania (em contraste com o mais saudável regime de Equilíbrio), do que de homens de negócios que se têm que mexer num mundo complexo e repleto de concorrência e "perigos". Aliás, os piores estragos feitos por homens de negócios acontecem normalmente quando chegam ao Poder (vide Itália, e as descaradas tentativas de "moldar" os tribunais!)

9) "Olhe para a realidade. Existem carteis, não existem?"
Eu não me sinto afectado por nenhum cartel, excepto os do Estado!

Anónimo disse...

Vejo agora que a minha resposta 9) não tem conteúdo nenhum. Ver a 6), penso que está relacionada.

Deixa-me só acrescentar uma coisa: como disse atrás, estás a classificar os actos como utilitaristas e não-utilitaristas, avaliando as consequências (ou seja, a posteriori). Ora nesse caso, podes desclassificar qualquer acto cuja consequência não te tenha agradado, mantendo assim a aura benigna do utilitarismo. Não me parece correcto!

(Depois falas de erros de avaliação! Eu não me sinto muito à vontade estando à mercê dos erros de avaliação do estadista/utilitarista! Já agora, Salazar era ou não um utilitarista?)

João Vasco disse...

1) Prefere boas ou más intenções? É-lhe indiferente?

Eu acho que boas intenções não dão nenhuma garantia, mas creio (e pensava que não era polémico) que as boas intenções são melhores que as más.


2) Aquilo que disse não contraria o que está acima. (Mas eu não concordo com o que disse no que respeita ao "não hesita" - não sei onde foi buscar essa ideia)


3) "Acredita que muita gente se recusaria a violar uma mulher mesmo sabendo que essa recusa lhe custaria a vida." Isso vem a propósito de quê?

O que eu perguntei foi o seguinte: sabendo que a sua recusa em violar uma mulher europeia implicaria a morte de todos os europeus, recusar-se-ia a fazê-lo?


4) «Um utilitarista não tem necessariamente que procurar o bem de toda a humanidade.»

Wow!!
Onde foi buscar esta??
Isso é absolutamente FALSO!

Na verdade um utilitarista tem de procurar o bem de toda a humanidade e ainda de outros seres conscientes, se bem que estes sejam menos valorizados que o ser humano (pelo facto da sua consciência ser menos desenvolvida).

5) Ups! Aqui fui eu que li "mais OU menos" racionais onde tinha escrito "mais E menos". Erro meu.

6) Há monopólios naturais. Tal como está descrito nos manuais de economia. (Acontece quando o custo marginal desce indefinidamente)

Acha que os carteis deviam ser criminalizados ou não?


7) «Teriam a perder a paz, a arriscar lidar com a traição»

Teriam a perder a paz? Então se não houvesse esse risco, eles poderiam escravizar a aldeia?

Nesse caso, a existêmcia desse risco seria uma coisa boa, o que prova o meu ponto.

Quanto ao risco de lidar com a traição, a realidade mostra que às vezes os elementos de um oligopólio preferem correr esse risco, tendo em conta as vantagens da cooperação (e basta atentar que grandes vencedores do jogo do prisioneiro são bastante cooperativos)


8) «Não há nada melhor para quem é subjugado pelo poder, ver as tiranias em guerra, aniquilando-se mutuamente.»

Por isso é que o eleitor sensato não vai querer dar muito poder ao estado nem ao mercado. Quer um equilíbrio de poderes que maximize a sua liberdade individual, o seu bem-estar material, etc...

9) Há pouco tempo atrás, a autoridade para a concorrência aplicou pesadas multas aos fornecedores de farinha de trigo.
O pão estava carito, mas não era culpa do estado.
E, quem diria? O estado agiu no interesse dos consumidores e da sociedade impedindo o cartel.
Apesar de tudo, não é impossível!

João Vasco disse...

cmf:

Em relação à última pergunta, eu creio que existem dois critérios possíveis, um restrito e outro geral:

Restrito- Um indivíduo que se auto-intitule utilitarista, em primeira análise, é utilitarista.
Saber se age como tal é outra questão que merece ser abordada.

Segundo este criitério, Jonh Stuart Mill era utilitarista, eu também, mas não conheço mais nenhum estadista que o fosse.


Geral- Quando alguém advoga algo, quem é que ele pretende beneficiar?

a) A ele próprio, não lhe interessam os outros - É egoísta

b) A um determinado grupo, mesmo que a humanidade fique prejudicada - Chamo a isto "egoísmo agragado"

c) A humanidade - Chamo a isto "utilitarista", mesmo que possa discordar com a forma de avaliação dele

d) Outras hipóteses - Dependendo da natureza dessas hipóteses, dependerá o nome que eu dou.

----

O utilitarismo basicamente advoga que todas as acções deverão beneficiar a humanidade, e que aquelas que mais beneficiam deverão ser as que devem ser tomadas.

João Vasco disse...

Ups!

Onde está "agragado" deveria estar "agregado"

CMF disse...

1) Tenho mesmo que escolher, João Vasco? É que eu prefiro mesmo que fiquem quietos!

2) Perdi-me. O que queres dizer com o "não hesita"?

3) Pensei que tivesse ficado claro. A minha resposta é: não sei! Só colocado perante a situação poderia responder. Estamos perante um problema toca o instinto de sobrevivência, a ética, e a interiorização de normas. Se dissesse que faria isto ou aquilo, estaria a ser desonesto. Mesmo que neste momento tenha tendência a dizer que não o conseguiria fazer!

5)”Na verdade um utilitarista tem de procurar o bem de toda a humanidade e ainda de outros seres conscientes, se bem que estes sejam menos valorizados que o ser humano (pelo facto da sua consciência ser menos desenvolvida).”
Então entramos no campo da utopia (se é que já não estávamos lá). Não se pede a um estadista que se preocupe com o mundo. Um estadista está ao serviço dos cidadãos do Estado que lidera. Muitas vezes os interesses dos seus cidadãos são contrários aos interesses dos cidadãos do Estado vizinho. E nessa altura não há lugar para dúvidas.

6) “Acha que os carteis deviam ser criminalizados ou não?”
Acho que devem ser criadas (libertadas) condições para que a emergência de cartéis seja muito difícil.

7) “Teriam a perder a paz? Então se não houvesse esse risco, eles poderiam escravizar a aldeia?”
Mas há esse risco, e outros. Só nas colónias de formigas é que não existe!!

“Quanto ao risco de lidar com a traição, a realidade mostra que às vezes os elementos de um oligopólio preferem correr esse risco, tendo em conta as vantagens da cooperação (e basta atentar que grandes vencedores do jogo do prisioneiro são bastante cooperativos)”
Bem, o tit-for-tat continua a ser uma das melhores estratégias no Dilema do Prisioneiro. Ou seja, prefere a estabilidade da cooperação, mas está preparado para a traição. Uma estratégia naif não vai a lado nenhum! Qualquer boa estratégia deve estar preparada para a ferroada iminente. Porque ela pode acontecer a qualquer momento, e vai acontecer. E num sistema com muitos agentes, a probabilidade de traição aumenta.

8) “Por isso é que o eleitor sensato não vai querer dar muito poder ao estado nem ao mercado. Quer um equilíbrio de poderes que maximize a sua liberdade individual, o seu bem-estar material, etc...”
Claro. Mas eu desejo um Estado forte e eficaz nas suas tarefas básicas. E um mercado livre.

9) “Há pouco tempo atrás, a autoridade para a concorrência aplicou pesadas multas aos fornecedores de farinha de trigo.
O pão estava carito, mas não era culpa do estado.
E, quem diria? O estado agiu no interesse dos consumidores e da sociedade impedindo o cartel.
Apesar de tudo, não é impossível!”
Por acaso não senti o preço a diminuir! Mas resta saber que mecanismo permitiram a emergência desse cartel. Eu posso abrir uma padaria à vontade? (não estou a brincar, é uma questão à qual não sei responder; existem tantas restrições me Portugal ao comércio, que já nada me admira!) A farinha não podia vir de Espanha? (será que os custos de transporte seriam assim tão impeditivos?) Será que a regulamentação excessiva do nosso mercado não afasta potenciais empresários, reduzindo assim o leque de ofertas ao consumidor? Há muitas questões! Como já disse, muitas vezes o Estado resolve os problemas que ele próprio criou! E muitas vezes resolve mal. (Ver o problema das rendas.)

CMF disse...

"O utilitarismo basicamente advoga que todas as acções deverão beneficiar a humanidade, e que aquelas que mais beneficiam deverão ser as que devem ser tomadas."
E o individualismo, o meu, advoga que devo respeitar o próximo, e fazer-lhe o mesmo que desejava que me fizesse. E eu considero que isso é o Bem (apesar de eu ignorar o bem comum).

Os problemas, na minha opinão, com o utilitarismo são muitos. O primeiro está logo na noção de bem comum. Quais são então as acções que mais beneficiam a humanidade? Quem pode saber isso? Ninguém! (Lembras-te quando referi Dennett e o seu ataque ao utilitarismo baseado no acidente de Three Mile Island? Se o acidente, por qualquer razão revelar benefícios no futuro, isso dá-lhe algum carácter benigno, sabendo-se que prejudicou a vida de milhares de pessoas?)

Depois, tens o sacrifício individual. É o tal problema de quem defende que se justificar matar uma pessoa se isso significar que se salvam pelo menos duas de morrer! (Já agora, qual é a tua opinião em relação a este caso?)

João Vasco disse...

1) Quem fique quieto? Eu estou a falar de toda a acção humana.

Prefere que ninguém faça NADA?


2) O que eu aqui queria dizer é a citação que fez e o comentário que fez a seguir não são mutuamente exclusivos, pelo que o "não" não se justifica.


3) A minha pergunta passa então a ser: o que gostaria de ser capaz de escolher? Que opção gostaria de tomar, se fosse capaz?


4) «Não se pede a um estadista que se preocupe com o mundo.» Mas quem é que falou em estadista? Isso é preconceito seu.
Um utilitarista acha correcto aquilo que é melhor para a humanidade. Assim se um estadista decidir invadir outro país, se isso for vantajoso para o seu país, mas mau para a humanidade, então a sua acção é condenável de um ponto de vista utilitarista. E com toda a razão!

Mas se o cmf assume que o utilitarismo inclui estadistas, então assume que a existência destes beneficia a humanidade. É isso?

6) «Acho que devem ser criadas (libertadas) condições para que a emergência de cartéis seja muito difícil. » Criminalizá-los? Ou desejar com muita força que os proprietários dos oligopólios não queiram cooperar?

7) "Bem, o tit-for-tat continua a ser uma das melhores estratégias no Dilema do Prisioneiro." Exacto! Essa é uma estratégia bastante cooperativa.
Se os concorrentes todos seguirem essa estratégia, teremos cartel.

9) Mas já ouviu falar de monopólios naturais, certo?
Nem todos estes problemas são causados pelos estado.
Pensando bem, o meu próximo artigo vai ser sobre isso. Mantenha-se sintonizado ;)

João Vasco disse...

Agora estou sem tempo, mais tarde responderei à última questão

João Vasco disse...

Quando se coloca a questão de matar uma pessoa para salvar a vida de duas, existem várias coisas que devem ser ponderadas.

Quais as consequências prováveis da vida dessas pessoas? E da que se pretende que se mate?
As três pessoas foram escolhidas ao acaso? Sei alguma coisa sobre elas?


Depois, a consequência de assassinar uma pessoa não se limita à sua morte, a qual causa obviamente sofrimento aos seus amigos e familiares, e priva a própria de potencial felicidade ao longo da vida.
Mas uma outra causa de consequências graves do assissínio é o medo que a sua ocorrência causa em toda a comunidade que dele toma conhecimento: as pessoas sentem-se mais inseguras, com medo de serem assassinadas, e isso causa amplo sofrimento em muita gente.

Por fim, teria de ter em conta os objectivos de quem me pudesse perante essa escolha. Eles poderiam ser tais que cooperar fosse mais prejudicial para a humanidade do que aceder.


Dependendo de uma série de factores dependeria a minha resposta.


Mas agora imaginemos o seguinte: surgia um génio maligno numa lâmpada e dizia assim:

«Se tu não matares uma pessoa que eu vou determinar ao acaso, então vou enviar dois assassinos que assassinarão duas pessoas escolhidas ao acaso»

Assumindo que não haveria razão para duvidar da honestidade do génio, creio que a atitude ética deveria ser assassinar a pessoa que ele determinasse ao acaso.

E o cmf? O que escolheria?

João Vasco disse...

ups, limitaM

é o que dá escrever depressa

CMF disse...

1) Bem, eu estou sempre a falar do utilitarista-estadista. O cidadão-utilitarista é inofensivo. O João Vasco é utilitarista, eu discordo dele, mas o João Vasco não me assusta porque não tem o Poder. E claro que prefiro lidar com pessoas que tenham boas intenções. Mas eu estou protegido contra as más intenções do próximo! Só não estou protegido contra as más intenções do estadista, nem contra as boas! E isso que eu pretendo: limitação de poderes, que impeçam que o estadista faça estragos, com as suas boas ou más intenções.

2) Mas o utilitarista aceita que se sacrifiquem as liberdades individuais em nome do bem comum ou não?

3) Não percebo. Eu queria mesmo não passar por tal dilema.
E uma distância tão grande nunca conseguirei dar uma resposta honesta.

4) Ver 1). Eu falo do estadista-utilitarista porque é isso que interessa. O resto é irrelevante, o cidadão não tem poder para fazer estragos.

"Mas se o cmf assume que o utilitarismo inclui estadistas, então assume que a existência destes beneficia a humanidade. É isso?"
Quem, os estadistas? O Estado é um mal necessário, e para haver Estado tem que haver estadistas. Não faço juízos de valor. Não estou a ver a relação com o utilitarismo. Pode-se governar um Estado sem devaneios utilitaristas (constitucionalismo liberal, uma democracia de Equilíbrio, ajudam muito).

6) Um sistema livre e aberto (globalizado?). A probabilidade de traição e de aparecimento de novos actores é muito maior.

7) Ver 6).
E pode aparecer sempre um traidor. A probabilidade disso acontecer está directamente relacionado com a abertura do sistema (teremos uma correlação positiva?).

9) Ficarei atento!

CMF disse...

"«Se tu não matares uma pessoa que eu vou determinar ao acaso, então vou enviar dois assassinos que assassinarão duas pessoas escolhidas ao acaso»

Assumindo que não haveria razão para duvidar da honestidade do génio, creio que a atitude ética deveria ser assassinar a pessoa que ele determinasse ao acaso.

E o cmf? O que escolheria?"
Nunca! Nunca escolheria essa via!

Voltemos ao ponto anterior.
O condenado é um assassino confesso sem família nem amigos que possam chorar a sua morte.

Ricardo Alves disse...

«as tiranias que referes (andar de branco, ou ser obrigar a seguir a fé cristã), estão muito mais associadas ao poder do Estado do que ao das empresas. Só ao Estado pode interessar cidadãos agrilhoados. O mercado não sobrevive dessa forma.»

cmf,
um dos problemas do neoliberalismo é a «angelização» das empresas e, mais geralmente, da «sociedade civil». Que vai a par da «diabolização» do Estado.

É evidente que não é «só» ao Estado (nem principalmente ao Estado) que interessam «cidadãos agrilhoados». Aliás, um Estado democrático até sobrevive melhor se os cidadãos souberem o que se passa e puderem actuar para corrigirem problemas. As empresas, pelo contrário, têm tudo a ganhar com cidadãos desinformados (que não saibam as consequências a longo prazo dos actos de consumo, por exemplo) e com trabalhadores «agrilhoados» (que não possam fazer greve, que possam ser obrigados a trabalhar 94 horas por semana, etc). Até parece que a escravatura foi uma acção exclusivamente estatal a que as empresas se teriam oposto ferozmente...

João Vasco disse...

1) Ok, então afinal as boas intenções já são algo bom. Uff!

2) Qualquer pessoa aceita que matar seja proibido. É uma violação à nossa liberdade em nome do bem comum. Perfeitamente defensável.
E quanto a liberdades negativas, temos o exemplo deste artigo: se para evitar a escravatura o povo se unisse limitando a liberdade negativa dos agricultores de concertar preços, eu também acharia tal sacrifício defensável.
E agora pergunto: e o cmf?

3) Pode não ter notado, mas eu reformulei a pergunta para me poder responder.
Porque uma coisa é perguntar "o que faria?", e outra é perguntar "o que gostaria de fazer?".
Para a primeira a resposta "não sei" é legítima, mas para a segunda basta pensar.
Vai responder à pergunta reformulada?

4) Eu acho que o cmf deveria ler sobre o utilitarismo. Já vi que cometeu um erro que resulta de não conhecer o cerne do utilitarismo. Se calhar vai ter grandes surpresas!

5) Mas nem todos os sistemas são globalizados, e não precisamos do estado para o explicar. Imagine uma escola numa aldeia. Ou o sistema de canalizações numa cidade. Há uma série de sistemas que "por natureza" não suportam um número ilimitado de concorrentes. Há alguns que só suportam um "os monopólios naturais", que algo estudado em ecnomia.
O mercado livre serve para petroleo e batatas, mas não serve para aviões (o mercado mundial não tem dimensão suficiente para suportar mais que um oligopólio). O mercado livre serve para petroleo e batatas, que se podem transportar com facilidade, mas não para escolas, sistemas de canalização, ou outras coisas muito dependentes do local em que estão.
O mundo globalizado está aí para custos de transportação baixos e porodutos fáceis de transportar. Mas não está aí para produtos e serviços que não se transportem com a mesma facilidade.
O mercado livre também não serve para empresas com um grande custo de entrada no mercado - em Portugal não haverá, e não tem a ver com a presença do estado, 7 ou 8 operadores de telemóveis. A coisa anda pelos 2, 3, e seria fácilimo concertar preços se tal fosse legal.

O mercado livre é uma abstracção, um modelo muito interessante, do qual se deduzem muitas coisas. Mas esse modelo é uma aproximação que nuns casos é válido e noutros não. E muitas das coisas que o podem tornar menos válido não têm nada a ver com o estado - são causas concretas que se estudam em ecnomia.

Não pode querer deliniar as leis de uma sociedade como se pudesse ser válido sempre, quando os economias sabem que isso não poderia ser assim, com estado ou sem estado.


7) Ver 6. Claro que está relacionado com a abertura do sistema - não sei como correlacionaria algo tão vago, mas certamente que existe relação.
O seu erro é pensar que a abertura do sistema tem a ver com o estado. Mas há inúmeros outros facvtores.

Se o petroleo sobe todos os sistemas ficam mais fechados, por exemplo. Se uma aldeia é isolada, a culpa pode não ser do estado. Se um negócio tem um custo de entrada elevadíssimo, a culpa pode não ser do estado. Se o mercado tem uma dimensão reduzida, a culpa pode não ser do estado, etc...
Se uma indústria é de natureza tal que os custos marginais vão diminuindo indefinidamente com o número de clientes, a culpa pode não ser do estado.

Anónimo disse...

"cmf,
um dos problemas do neoliberalismo é a «angelização» das empresas e, mais geralmente, da «sociedade civil». Que vai a par da «diabolização» do Estado."
Na minha opinião, e se queremos ver as coisas dessa forma, o melhor é diabolizar os dois, e esperar que, tal como no passado nos conflitos Estado-Igreja e Estado-Nobreza, ambos se esvaziem de Poder com as suas querelas.

"É evidente que não é «só» ao Estado (nem principalmente ao Estado) que interessam «cidadãos agrilhoados». Aliás, um Estado democrático até sobrevive melhor se os cidadãos souberem o que se passa e puderem actuar para corrigirem problemas."
É verdade que a sobrevivência de um Estado depende, entre outras coisas, de um certo nível de educação e de espírito crítico dos cidadãos. Caso contrário, pode tornar-se num Estado falhado. Por outro lado, precisa de manter os seus cidadãos agarrados a sentido de pertença. Para isso, domina muitas vezes a Educação, tentando anular os sentimentos individualistas e de pertença a grupos mais pequenos. Senão, como conseguiria convencê-los a ir para uma fronteira dar uns tiros?

"As empresas, pelo contrário, têm tudo a ganhar com cidadãos desinformados (que não saibam as consequências a longo prazo dos actos de consumo, por exemplo) e com trabalhadores «agrilhoados» (que não possam fazer greve, que possam ser obrigados a trabalhar 94 horas por semana, etc)."
Mas tem tudo a ganhar com cidadãos prósperos, não tem? E a prosperidade não se dá muito bem com a desinformação. (Ninguém é obrigado a trabalhar 94 horas por semana! Mas não vamos por aí, senão os ânimos exaltam-se, já sei como é...)

"que não saibam as consequências a longo prazo dos actos de consumo, por exemplo"
Mas como é que tu avalias se eles sabem ou não os actos do consumo? E o Estado, sabe avaliar? Porquê? Sabe mais do que eu? E porque não estender isso ao voto? E não haverá empresas que só têm a ganhar com cidadãos "informados", empresas cujos produtos e estratégias estejam direcionados nesse sentido?

"Até parece que a escravatura foi uma acção exclusivamente estatal a que as empresas se teriam oposto ferozmente..."
Parece que a discriminação nos autocarros do sul dos EUA foi muito mais da responsabilidade do Poder (local) do que das empresas, por exemplo! (A escravatura é um crime, e uma das principais funções do Estado é evitar os crimes, ou castigar os prevaricadores. Não se pode esperar a virtude dos agentes económicos. Caso contrário, não precisávamos de Estado. Mas também não podemos esperar pela virtude dos homens de Estado. Por isso é que devemos construir um sistema imune à incompetência e corrupção do homem de Estado. Se ficamos à espera de virtuosos e "defensores do bem comum" estamos lixados! Ou acreditas em duas sub-espécies humanas: os empresários e os políticos, o demónio e o virtuoso?)

Anónimo disse...

2) Para evitar a escravatura? Posto dessa forma claro! (Resta saber se conduz mesmo à escravatura.)

3) Continuo a não perceber! O que "gostaria de fazer" como? Não percebo mesmo João Vasco!

4) "Se calhar vai ter grandes surpresas!"
Olha que não, olha que não. ;)

5) "Mas nem todos os sistemas são globalizados, e não precisamos do estado para o explicar."
Pois não. Por isso é que todos temos a ganhar com isso.

"O mercado livre serve para petroleo e batatas, que se podem transportar com facilidade, mas não para escolas,..."
Não serve para escolas. Que digas que o Estado deve suprir deficiências de oferte desse produto em lugares onde não existe rentabilidade que atria investimento privado é uma coisa. Agora dizer que o mercado livre não funciona para as escolas para muito exagerado!

"em Portugal não haverá, e não tem a ver com a presença do estado, 7 ou 8 operadores de telemóveis. A coisa anda pelos 2, 3, e seria fácilimo concertar preços se tal fosse legal."
Eu não uso telemóvel! A recusa é muitas vezes uma opção (não digo que seja sempre).

7) "O seu erro é pensar que a abertura do sistema tem a ver com o estado. Mas há inúmeros outros facvtores."
Se o Estado não quiser, não há mais factores relevantes.

"Se o petroleo sobe todos os sistemas ficam mais fechados, por exemplo."
Se o petróleo sobe o incentivo para investigar e desenvolver novas tecnologias aumentará, e transformará, a médio prazo, o mundo!

(Estou com alguma pressa, e não posso continuar a conversar! Sexta-feira, Técnico, reuniões, outra vez. Até logo.)

Ricardo Alves disse...

cmf,
a empresa X que trabalha no sector B não necessita imprescindivelmente de cidadãos prósperos. Pode ser suficiente que tenham dinheiro para gastar na necessidade a que corresponde o sector B. (E até pode estar numa situação de monopólio, «natural» ou não.)

E podem ter a ganhar, a curto prazo, em manter os consumidores enganados sobre o produto que vendem. Não estou a afirmar que em todas as situações o Estado saberá melhor o que se deve fazer. Só estou a afirmar que uma empresa pode ter ganhos de curto prazo se enganar o consumidor. Por isso, não basta dizer que não se pode presumir a virtude dos agentes económicos.

Aliás, um bom exemplo é a discriminação no arrendamento de quartos numa dada cidade universitária. Conheço casos em que quem arrenda não se importa de ficar com um quarto vago (em dez, por exemplo) ou de demorar mais a arrendar, desde que possa manter pessoas da cor de pele Y de fora. Na utopia liberal, esta situação tem que tipo de solução? As pessoas de cor de pele Y vão dormir para a rua?

Anónimo disse...

"Conheço casos em que quem arrenda não se importa de ficar com um quarto vago (em dez, por exemplo) ou de demorar mais a arrendar, desde que possa manter pessoas da cor de pele Y de fora. Na utopia liberal, esta situação tem que tipo de solução? As pessoas de cor de pele Y vão dormir para a rua?"
Ricardo, a discriminação étnica é proibida pela Constituição (a lei fundamental). Quando alguém arrenda quartos ou vende bicas está a estabalecer um contrato com o público em geral. Se desrespeitar a lei (e o contrato, que é estabelecido dentro de um regime constitucional), e for apanhado, terá que sofrer as consequências. (Claro que é complicado detectar todas as violações, mas só com um Estado policial se conseguiria isso.)
Mas o facto de estar sujeito a certas leis básicas não pode significar que o proprietário fica impedido de ditar as regras: um dono de um restaurante tem (tem? em Portugal não tem...) o direito de proibir o fumo (ou permitir), proibir a entrada de crianças ou não, decidir se aceita cães ou não, etc... (alguns contratos, no entanto, podem ter que abranger certo tipo de discriminações; um clube privado tem o direito de admitir quem quiser. Aí, escondida, pode surgir a discriminação étnica. Mas julgo que nada há a fazer nesse caso.)

João Vasco disse...

cmf:

«Ricardo, a discriminação étnica é proibida pela Constituição (a lei fundamental).»

Sim, mas a constituição vai contra vários princípios advogados pelos neo-liberais, e este é um desses casos.

Para si o que é que vale mais, a constituição ou os princípios referidos?

João Vasco disse...

Repare que se aceita a constituição nesse caso, então está disposto a sacrificar liberdades negativas (arrendar a casa a quem se quiser, independentemente do critério) em nome de algo considerado "bom". Não é sacrilégio?

João Vasco disse...

2) Então QED, o cmf também admite limitações às liberdades negativas em nome de algo maior (neste caso, evitar a situação descrita na história do exemplo)

3) A história é: "Os terroristas da Antártida conseguiram introduzir bombas nucleares por toda a Europa, e podem reventá-las a qualquer instante, matando todas as pessoas que se encontrem na Europa. Mas o líder destes terroristas é caprichoso, e quer ver o cmf a violar uma mulher. Então ele garante ao cmf que, se violar uma mulher, qualquer que ela seja, ele não activa as bombas. Vamos assumir, para simplificar a questão, que o CMF tem a CERTEZA ABSOLUTA que o líder não está a mentir"

Eu agora poderia perguntar "O que é que o cmf faria?", mas o CMF já respondeu que não sabe como reagiria à situação.

Então eu faço outra pergunta: "O que é que o cmf gostaria de fazer?", ou seja, que escolha entre as que pudesse fazer, é que lhe parece a mais correcta? Que escolha é que gostaria de ter a coragem de tomar quando chegasse a altura?

4) Já teve uma grande surpresa quando descobriu que o utilitarismo só se aplica à humanidade (e outros seres conscientes) e NUNCA a um grupo menor. Como está tão certo que não terá mais, à medida que for tomando contacto com o utilitarismo?

5)
a)Não serve para escolas porque os alunos não se podem deslocar diariamente mais do que uma certa distância (vamos supor 3h-5h diárias em caminho), pelo que nunca poderia existir um mercado livre globalizado de escolas. Basta pensar que existem uma série de comunidades que a este respeito estão isoladas (ou seja, escolas numa comunidade não podem servir outra que esteja a mais de determinada distância) e portanto não pode haver concorrência sem limites entre elas.
Ou seja: uma boa aproximação de mercado livre para escolas poderia acontecer nas grandes cidades, mas não nas comunidades mais pequenas.

b) Mas o facto de se poder usar telemóvel não implica que um determinado mercado seja demasiado pequeno para suportar mais do que um número limitado de concorrentes e que portanto não possa existir mercado livre.
Até digo mais: o facto da recusa ser uma opção reduz a dimensão do mercado, afastando-o ainda mais da aproximação "mercado livre".

7) «se o Estado não quiser, não há mais factores relevantes.» ???
Todos os exemplos que eu estive a dar não têm nada a ver com estado.
Grande parte dos mercados não correspondem ao mercado livre por uma série de razões que não tem nada a ver com estado.

Vou dar-lhe um exemplo simples: numa aldeia com 50 pessoas, não faz sentido haver mais que duas sapatarias (se tanto!!!). Assim sendo, nunca existirá aquilo a que se chama "mercado livre" e sim aquilo a que se chama "oligopólio".
A culpa não será do estado: é mesmo da dimensão do mercado.


«Se o petróleo sobe o incentivo para investigar e desenvolver novas tecnologias aumentará, e transformará, a médio prazo, o mundo!»
Sim, eu também acho isso óptimo!
Ms em que é que essa consideração está relacionada com o assunto em discussão?
A verdade é que o petroleo mais caro, pelo menos a curto prazo, torna o mercado menos globalizado, seja isso bom ou mau (tem coisas más e coisas boas pelo menos)

Anónimo disse...

"Sim, mas a constituição vai contra vários princípios advogados pelos neo-liberais, e este é um desses casos."
Estava a falar de uma constituição no sentido lato. Não da portuguesa, que é apenas lixo. E sim, uma Constituição que garanta a igualdade perante a lei, que garanta que ninguém é discriminado por raça ou credo, que garanta que a tomada de poder por um tirano seja quase impossível (mesmo quando esse tirano foi eleito) é fundamental para uma Democracia saudável. Democracia só com votos não vale nada. É um desastre à espera de acontecer.
Acho que o João Vasco não sabe o que é o constitucionalismo liberal (mas não quero tirar conclusões precipitadas). Um anti-(utilitarista/colectivista/socialista) não é necessariamente um anarco-capitalista!


2) João Vasco, a escravatura é algo inaceitável. Em qualquer situação. Eu não sou o Pedro Arroja. (de qualquer forma, já nem sei porque estamos a falar de escravatura!!)

3) "Então eu faço outra pergunta: "O que é que o cmf gostaria de fazer?", ou seja, que escolha entre as que pudesse fazer, é que lhe parece a mais correcta? Que escolha é que gostaria de ter a coragem de tomar quando chegasse a altura?"
A sua, violar, não me parece a mais correcta. É só isso que posso dizer.


4) "Já teve uma grande surpresa quando descobriu que o utilitarismo só se aplica à humanidade (e outros seres conscientes) e NUNCA a um grupo menor."
Não tive surpresa nenhuma. As coisas não são tão simples como isso. Há várias visões do utilitarismo, e essa que professas é a mais utópica e até, atrevo-me a dizer, a mais perversa!

"Como está tão certo que não terá mais, à medida que for tomando contacto com o utilitarismo?"
Porque já por lá andei João Vasco, nos delírios socialistas. Foram as leituras que me afastaram definitivamente de qualquer tentação colectivista, muito dificilmente as leituras me levarão a voltar atrás.

5)
”a)Não serve para escolas porque os alunos não se podem deslocar diariamente mais do que uma certa distância (vamos supor 3h-5h diárias em caminho), pelo que nunca poderia existir um mercado livre globalizado de escolas. Basta pensar que existem uma série de comunidades que a este respeito estão isoladas (ou seja, escolas numa comunidade não podem servir outra que esteja a mais de determinada distância) e portanto não pode haver concorrência sem limites entre elas.”
Então eu não referi isso!? Eu escrevi “Que digas que o Estado deve suprir deficiências de oferte desse produto em lugares onde não existe rentabilidade que atraia investimento privado é uma coisa.” Ou seja, nos casos extremos que referes o Estado terá necessariamente que intervir, pois não existem incentivos para o investimento privado. Pensei que tivesse ficado claro. (Naturalmente, mesmo com a intervenção do Estado, tais estabelecimentos deveriam ter uma total autonomia.)

b) “Até digo mais: o facto da recusa ser uma opção reduz a dimensão do mercado, afastando-o ainda mais da aproximação "mercado livre".”
Não percebo porquê. Eu também sou um agente do mercado, e gosto de ter a opção de recusar. É uma questão de liberdade.

7) “Vou dar-lhe um exemplo simples: numa aldeia com 50 pessoas, não faz sentido haver mais que duas sapatarias (se tanto!!!). Assim sendo, nunca existirá aquilo a que se chama "mercado livre" e sim aquilo a que se chama "oligopólio".”
Pode sempre aparecer alguém com sapatos mais baratos.

8) “A verdade é que o petróleo mais caro, pelo menos a curto prazo, torna o mercado menos globalizado, seja isso bom ou mau (tem coisas más e coisas boas pelo menos)”
Não vejo onde está essa redução da globalização, a não ser que seja pelo aumento dos custos de transporte. Mas existe sempre capacidade de adaptação do mercado. Os aviões e o camiões ainda aguentam muitos aumentos do preço do petróleo até pararem.
Esta última questão leva-me a um paradoxo que encontro em muito opositores da globalização. O petróleo aumenta: é mau. O comércio livre internacional e a deslocalização aumenta: é mau. Mas se o petróleo aumenta, os custo de transporte aumentam, as trocas comerciais internacionais tornam-se mais complicadas, e as deslocalizações vão rarear. Ora, um verdadeiro lutador anti-globalização, com um toque ambientalista, deveria rezar para que o preço do petróleo aumentasse exponencialmente: os aviões paravam, as economias passavam a funcionar novamente ao nível interno (ou com trocas limitadas ao tráfego marítimo), os estudos sobre energias renováveis eram reforçados e incentivados como nunca, e até essa coisa do “aquecimento global” era amansado. Um verdadeiro mundo novo!

Ricardo Alves disse...

1) «a discriminação étnica é proibida pela Constituição (a lei fundamental)»
2) «Estava a falar de uma constituição no sentido lato. Não da portuguesa, que é apenas lixo (...) uma Constituição que garanta a igualdade perante a lei, que garanta que ninguém é discriminado por raça ou credo»

Bom, que conclusão devo tirar? Que a CRP é «lixo» porque proíbe a discriminação «étnica»? Ou que é «lixo» apesar de proibir a discriminação? E qual é a alternativa? Fazer um golpe de Estado e impôr uma Constituição autoritariamente?

Ricardo Alves disse...

E já agora, a Constituição portuguesa é «apenas lixo» porquê?

A liberdade de consciência é «lixo»?

A liberdade de expressão é «lixo»?

A liberdade de reunião é «lixo»?

A liberdade de associação é «lixo»?

A igualdade perante a lei é «lixo»?

A não discriminação é «lixo»?

A privacidade em matéria religiosa é «lixo»?

A separação entre o Estado e as igrejas é «lixo»?

A não confessionalidade do ensino é «lixo»?

A existência de partidos políticos é «lixo»?

A existência de sindicatos é «lixo»?

O direito à greve é «lixo»?

A forma republicana do Estado é «lixo»?

A forma democrática de Governo é «lixo»?

Realmente. Aparece aqui com cada um...

Anónimo disse...

"Que a CRP é «lixo» porque proíbe a discriminação «étnica»? Ou que é «lixo» apesar de proibir a discriminação?"
A segunda hipótese.

"A liberdade de consciência é «lixo»?

A liberdade de expressão é «lixo»?

A liberdade de reunião é «lixo»?
..."
Ricardo, e o resto? E realmente, depois desse "Aparece aqui com cada um..." o melhor é mesmo não aparecer mais por aqui. Fica bem, com as tuas certezas...

Ricardo Alves disse...

Ó meu amigo, quem está a pôr em causa a ordem constitucional és tu...

Francamente, a CRP pode ter os seus defeitos, mas é a Constituição mais equilibrada que já tivemos, e a que mais respeitada tem sido durante o seu período de vigência.

E tu dizes que é «apenas lixo»? «Apenas lixo»?!

É que se realmente pensas isso, não há muito mais a discutir...

João Vasco disse...

cmf:

1) Se não é anarco-capitalista, então admite abdicar da algumas liberdades negativas em prol de algo que considera mais valioso. Isso não é sacrilégio?


2) Ver 1)


3) Então, a de não violar e deixar que toda a população europeia morra é que era. Enfim, realmente aqui os nossos valores são certamente diferentes...


4) «Há várias visões do utilitarismo, e essa que professas é a mais utópica»
Isso é falso. Não existe utilitarismo nacionalista, nem nada que se pareça. É característica fundamental do utilitarismo ser universalista.

«Porque já por lá andei João Vasco, nos delírios socialistas.»
O CMF não faz ideia do que é que é o utilitarismo, e depois diz barbaridades destas.
Num texto que escrevi a defender o utilitarismo, um comentador chamou-me todos os nomes, e fez inúmeros insultos, pois tomava-me por "neoliberal".

Obviamente acho que a confusão dele era lamentável, pois como cmf bem sabe, não o sou. Mas a confusão dele tinha mais razão de ser que a sua, de confundir utilitarismo com socialismo (O Jonh Stuart Mill costuma ser citado como "liberal" tal como "Adam Smith", a meu ver, erradamente - ele ainda evoluiu desde o "On Liberty").

O cmf fala sobre o utilitarismo, e, descobri agora, não faz mesmo ideia daquilo que é. Não o digo por mal, mas realmente não faz ideia.
Por isso é que eu digo, por favor descubra. Quanto mais justifica que não terá surpresas, mais argumentos me dá para ter a certeza que as terá.


5 e 7)
O problema do cmf é que não sabe o que é o mercado livre. Eu pensei que soubesse.

Quando se fala em mercado livre no contexto dos preços tenderem para o óptimo social, não se está a falar de um mercado sem intervenção do estado.

Nada disso. O "mercado livre" é uma abstracção económica que acontece quando o número de compradores e fornecedores tende para infinito (nenhum tem "poder de mercado"), quando o custo de entrada no mercado tende para zero, quando a função dos custos marginais tem um mínimo para determinada quantidade, etc...

Há muitas sistuações em que os estado não intervém, e em que não pode existir mercado livre. Por razões ecnonómicas. Isto dá-se em economia: simplesmente as condições referidas não se verificam.

Eu dei uma série de exemplos, mas as respostas que o cmf deu mostram uma grande confusão de conceitos.

O problema é que, mesmo sem estado existe sempre uma série de mercados em que existirá naturalmente um oligopólio. E nesses o cartel será simples.

No caso dos telemóveis, quanto menos concorrentes, mais simples será. E quanto menor o mercado (o qual se reduz se alguém não usa telemóvel) menor o número máximo de concorrentes.
Claro que os carteis perdem clientes - é da sua natureza - mas maximizam os lucros à mesma. Isto estuda-se em economia.

8) "Não vejo onde está essa redução da globalização, a não ser que seja pelo aumento dos custos de transporte."
É aí mesmo, obviamente.

Tudo isso que diz a seguir sobre o paradoxo é certo.
Quer saber o que eu penso sobre isso? Ambientalmente é óptimo que o petroleo suba. Aliás, se forem buscar impostos, prefiro que vão primeiro ao petroleo e depois a outros lados, como se tem feito na Europa e bem.

Se eu fosse todo anti-globalização, estaria 100% a favor de que aumentasse ao máximo. Mas como (dados alguns preconceitos, isto pode ser um grande choque!) eu até vejo vantagens (não é que não veja defeitos) na globalização e no comércio internacional, eu não fico tão "desejoso" que suba. Na verdade fico um tanto dividido, enquanto vou investigando uma alternativa barata (a fusão).