É recorrente a ideia, totalmente disparatada, de que a equipa da federação de colectividades dirigida por Gilberto Madaíl «representa Portugal». Recordo por isso aos mais distraídos que a Federação Portuguesa de Futebol não é uma instituição pública e muito menos um departamento do Estado. Conforme os seus estatutos reconhecem com meridiana clareza no seu Artigo 1º,
Portanto, a FPF «representa» tanto a República portuguesa como a Federação Portuguesa de Colectividades de Cultura e Recreio, a Aliança Evangélica Portuguesa, a Federação dos Sindicatos do Sector da Pesca ou qualquer outra organização privada tendencialmente monopolista na área de actividade dos seus associados.
Acrescente-se que a FPF conta entre os seus principais dirigentes personagens a quem nenhum português de bom senso compraria um carro em segunda mão, que foi frequentemente dirigida por personalidades da direita pouco ou nada democrática, e que o papel que os clubes de futebol desempenham na promoção de alguns dos piores autarcas é sobejamente conhecido.
E se mais razões não houvesse, não quero ser representado por uma estrutura que tem o seguinte artigo 55º nos seus estatutos:
11 comentários :
ricardo, representa na medida em que os destinatários do espectáculo, ou seja, os adeptos acreditam que representa.
o futebol como fenómeno de identidade nacional, e mesmo como expressão de nacionalismo tem uma força incrível. umas vezes esse fenómeno tem efeitos positivos, outras vezes, negativos.
no caso que eu acompanho de perto, ie, os balcãs, as claques organizadas dos principais clubes da jugoslávia forneceram os mais brutais elementos dos bandos de para-militares que cometeram terríveis crimes. neste ex-país, os estádios de futebol foram o primeiro local público de massas a ser palco de expressões nacionalistas.
já em 1934 o mussolini usou o futebol para promover a imagem da itália fascista como país vitorioso, apostando tudo na conquista do campeonato do Mundo.
os adeptos ingleses quando vão aos estádios não cantam apenas o hino nacional. cantam também o rule britania...
e por aí fora.
«representa na medida em que os destinatários do espectáculo, ou seja, os adeptos acreditam que representa»
Não, não representa porque não é determinada pelo Estado (em qualquer das suas encarnações). É escolhida por um grupo de amigos, e os media puseram-lhe a alcunha de «selecção de todos nós». O Estado nada teve com isso. Aliás, no torneio em que participa neste momento, a equipa de Scolari já jogou contra uma selecção que não representa um Estado, o que mostra que a FIFA também reconhece que as selecções não representam Estados.
E aliás, sendo verdade que o Estado reconhece a existência da FPF, como associação de direito privado, o mesmo pode ser dito da associação de chinquilho do meu bairro.
E se um belo dia a FPF decidir contratar apenas jogadores do Burkina Faso ou do reino do Butão, estará no pleno direito de o fazer, e o Estado não terá forma de intervir. E teremos uma «selecção de todos nós» exclusivamente com burquinenses ou butanenses. Que chatice.
Creio que a FPF é um organismo reconhecido pelo Estado Português com competências para definir quem deve representar o país nas diversas competições internacionais de futebol.
E é por esse motivo que tem um estatuto de utilidade pública.
Por outro lado, a FPF não é mais ou menos representatividade por ter pessoas de direita ou de esquerda. Seria isso o teu critério para discutir a representatividade do actual Presidente da Republica?
Além disso, existem organismos do Estado onde trabalham várias pessoas a quem eu nem sequer compraria uma esferográfica! E essas pessoas representam Portugal em encontros internacionais.
Portanto, o que VM levantou foi apenas uma questão juridica, que não se deve misturar com questões políticas (esquerda-direita) ou de credibilidade pessoal.
«Creio que a FPF é um organismo reconhecido pelo Estado Português com competências para definir quem deve representar o país nas diversas competições internacionais de futebol.
E é por esse motivo que tem um estatuto de utilidade pública.»
Marco,
qualquer associação de chinquilho está reconhecida pelo Estado a partir do momento em que tem os estatutos aprovados no cartório notarial. Quanto a decidir quem representa «o país» nas competições internacionais, isso resulta de ser tendencialmente monopolista. A Aliança Evangélica Portuguesa também «representa o país» num encontro evangélico internacional. As «Gerações Populares» também «representam o país» num encontro internacional de jovens conservadores ou democratas cristãos. Etc.
Quanto à utilidade pública, tocas num ponto importante. Mas não penso que seja motivada pela capacidade para escolher selecções. É justificada, isso sim, pela ideia de que o desporto deve ser promovido em Portugal. E a FPF, concretamente, faz pouco ou nada pela promoção do desporto em Portugal.
«Por outro lado, a FPF não é mais ou menos representatividade por ter pessoas de direita ou de esquerda.»
Isso foi uma graçola. Intencional, mas uma graçola. O Silva Resende, por exemplo, é um personagem sinistro, que tece elogios rasgados ao Le Pen regularmente.
Cumprimentos,
Marco,
quanto ao VM, ignorava o que ele tinha escrito até ler o post do JM no Blasfémias.
E ainda quanto à utilidade pública, o Portal do Cidadão esclarece a questão:
«Quem pode requerer?
Associações e fundações privadas que prossigam fins de interesse geral em cooperação com a Administração Pública, bem como cooperativas que não prossigam fins económicos lucrativos, todas elas no caso de não beneficiarem do regime de utilidade pública por virtude de legislação especial.»
http://www.portaldocidadao.pt/PORTAL/entidades/PCM/SGPCM/pt/SER_pedido+de+declaracao+de+utilidade+publica.htm
Também discordo, Ricardo.
Não representa a República Portuguesa, é um facto, mas representa Portugal, porque os portugueses se veêm nela representados.
Portugal não pode ser entendido stricto sensu como a República Portuguesa. É mais do que isso. É uma comunidade. E essa vê-se representada na selecção.
Um filho de um emigrante, por exemplo, pode não ter qualquer relação com a República Portuguesa, mas fazer parte da ideia do que é Portugal.
Milo Manara,
como membro da «comunidade portuguesa», não me sinto representado na equipa da FPF.
Certo, mas a esmagadora maioria sente.
O Comité Olimpico também não é uma pessoa colectiva pública. Os atletas só se representam a si próprios quando participam nos J.O. e ganham medalhas?
O Saramago também não representava a República Portuguesa, mas muitos portugueses sentiram que o prémio era também atribuído à sua língua.
Ou se um dia, por absurdo, o Manuel de Oliveira ganhasse um Oscar, eu também não me sentiria representado, mas não tenho dúvidas que rapidamente diriam que seria também em representação do cinema português.
A questão é subjectiva. Neste caso, não te sentes representado. Muito bem. Mas não é uma questão nem formal, nem jurídica.
É uma questão formal e jurídica na medida em que os símbolos nacionais são o hino e a bandeira, mas não a equipa da FPF. E os representantes são o Cavaco, o Gama e o Sócrates, não o Figo, o Ronaldo e o Scolari.
Quanto à «esmagadora maioria», tenho muitas dúvidas. Há mais gente na Avenida em qualquer 25 de Abril do que aquando da vitória contra a Inglaterra. E a «maioria» também se pode sentir representada pelo Roberto Leal ou pelo Benfica e não é por isso que eu me sinto representado por eles.
A "esmagadoria maioria" tem mais do que fazer do que ir para o Marquês tentar aparecer na televisão. Aliás, os poucos que vão só vão porque lá está a televisão e não o contrário. Basta ver que o fenómeno anual dos festejos na rua da equipa campeã nacional (será que, segundo a tua lógica, a poderemos denominar assim?) tem menos de 10 anos.
Pelo que percebo achas que Portugal é apenas e só o Estado Português. Entendes que não existe - ou não releva - o conceito de nação. Longe de mim querer parecer nacionalista, mas parece-me uma pobre ideia do que seja ser português.
a identidade colectiva, nacional neste caso, existe e tem expressão na nossa individualidade quer queiramos ou não. está-nos colada à pele.
por exemplo:estamos aqui a escrever em português, não é?
não devemos ter medo do facto de existirmos como comunidade, e não vejo o menor problema em admitir que, para uma parte substancial dos elementos dessa comunidade que se chama Portugal, o futebol é importante como fonte de identidade.
o povo apropria-se do futebol de formas que muitas vezes escapam a quem procura manipular para fins políticos a identidade colectiva.
assim, durante o salazarismo, o Benfica teve um papel muito importante para muita gente como forma de resistência à opressão. o facto de usar a cor encarnada não é casual. para os emigrantes, as vitórias do Benfica eram uma das poucas alegrias que tinham, talvez a sua única fonte de orgulho nacional e mesmo de auto-estima, dada a imagem internacional de Portugal na altura.
o elitismo ou os gostos pessoais não devem tornar-nos cegos a um fenómeno social que mexe com as massas.mesmo que isso nos incomode, a realidade é que vivemos numa sociedade massificada.
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