«Veja – Qual o significado da nova ofensiva israelense contra o Líbano?
Hitchens – Quando se discutia a criação de um Estado judeu no Oriente Médio, uma das vozes contrárias vinha de dentro do próprio judaísmo. Esses radicais consideravam que um Estado desse tipo na Palestina implicaria uma injustiça com as populações árabes. Em linhas gerais, é o meu ponto de vista: Israel foi, do começo, um erro. Não acredito que Jerusalém possa redimir o sofrimento histórico dos judeus. Para mim, Israel não é o fim da diáspora – é parte dela. Não tenho nada em comum, no entanto, com aqueles que consideram os judeus uma praga, uma raça de conspiradores que planeja governar o mundo. Se for forçado a escolher entre Israel e os terroristas libaneses do Hezbollah, é claro que fico do lado de Israel. O Hezbollah é um inimigo da civilização. Não posso ficar neutro. Mas tomo partido com relutância, e com um sentimento trágico de que essa situação poderia ter sido evitada.
###
(...)
Veja – O senhor já afirmou que não acredita mais no socialismo. Mas então o que restou para os contestadores defenderem?
Hitchens – É uma boa pergunta, e eu creio que muitas pessoas se aferram hoje a posições antigas porque não querem responder a ela. Não entendem como podem continuar na oposição se não há mais o socialismo para defender. E devo admitir que tampouco foi fácil para mim abandonar essa idéia. Mas isso não significa, de modo algum, que a vida dos radicais chegou ao fim. Ainda temos muitas tarefas importantes, e a maior de todas é derrotar a nova forma do totalitarismo: a teocracia. Aqueles que se intitulam como radicais, contestadores, precisam redefinir o debate em torno de uma sociedade secular, que é uma aspiração iluminista, e devem combater as ditaduras teocráticas. O fato de eu estar afastado da esquerda tradicional nunca significou uma abstenção da solidariedade política – nem mesmo da solidariedade revolucionária. Não estamos em um beco sem saída.
Veja – Então o seu ideal ou utopia hoje é uma sociedade plenamente secular?
Hitchens – Sim. Meu próximo livro, que já concluí mas ainda não foi editado, vai se chamar God Is Not Great (Deus Não É Grande). O título contraria abertamente um princípio conhecido da fé muçulmana, mas o livro não é apenas uma crítica ao Islã. É contra a crença em Deus.
(...)
Veja – Há quem argumente que a humanidade não pode viver sem algum tipo de fé – que a educação moral das pessoas não se sustenta em uma base puramente secular.
Hitchens – A utilidade de uma ilusão é irrelevante para avaliar seu conteúdo moral. E há milhões de pessoas em todo o mundo que conduzem sua vida de forma ética sem acreditar em Deus. De outro lado, não creio que alguém possa indicar um só país em que as pessoas se comportem melhor por acreditar em Deus. Podemos, ao contrário, apontar países em que as pessoas se comportam de forma pior por causa da fé.
Veja – E o senhor incluiria os Estados Unidos entre os países onde a religião piora o comportamento das pessoas?
Hitchens – Sem dúvida. Posso dar exemplos. As pessoas que hoje desejam impedir as crianças de aprender sobre as novas descobertas da biologia evolutiva – o que tornará essas crianças incapazes de funcionar no mundo moderno – são cristãs. E em todas as igrejas encontramos quem afirme que a aids é ruim, mas não tão ruim quanto os métodos contraceptivos. Os programas americanos contra a aids na África são baseados nessas idéias – e vão levar milhões de pessoas a uma morte horrível.
Veja – No livro Cartas a um Jovem Contestador, o senhor mostra algum ressentimento por ser considerado apenas como o sujeito que atacou Madre Teresa de Calcutá. Por quê?
Hitchens – O que me irrita é quando me descrevem como um sujeito que está sempre em busca de alguém para atacar. Meus livros sobre George Orwell, Thomas Jefferson e Thomas Paine provam que sou, sim, capaz de escrever sobre figuras que admiro. Mas ainda tenho orgulho de ter exposto Madre Teresa como uma fraude e uma fundamentalista fanática. A Igreja, depois disso, decidiu aceitar como verdadeiro um milagre fajuto na Índia: uma mulher teria se recuperado de um tumor usando uma medalha de Madre Teresa. Não é assim que se curam tumores. Temos os testemunhos de médicos e até do marido dessa mulher para documentar o tratamento que a fez melhorar. A Igreja, no entanto, considera que houve uma cura milagrosa promovida por ela. É uma mentira irresponsável que encoraja os indianos a procurar charlatões no lugar de médicos de verdade.»
(Christopher Hitchens em entrevista à Veja. Recebido por e-mail.)
Hitchens – Quando se discutia a criação de um Estado judeu no Oriente Médio, uma das vozes contrárias vinha de dentro do próprio judaísmo. Esses radicais consideravam que um Estado desse tipo na Palestina implicaria uma injustiça com as populações árabes. Em linhas gerais, é o meu ponto de vista: Israel foi, do começo, um erro. Não acredito que Jerusalém possa redimir o sofrimento histórico dos judeus. Para mim, Israel não é o fim da diáspora – é parte dela. Não tenho nada em comum, no entanto, com aqueles que consideram os judeus uma praga, uma raça de conspiradores que planeja governar o mundo. Se for forçado a escolher entre Israel e os terroristas libaneses do Hezbollah, é claro que fico do lado de Israel. O Hezbollah é um inimigo da civilização. Não posso ficar neutro. Mas tomo partido com relutância, e com um sentimento trágico de que essa situação poderia ter sido evitada.
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Veja – O senhor já afirmou que não acredita mais no socialismo. Mas então o que restou para os contestadores defenderem?
Hitchens – É uma boa pergunta, e eu creio que muitas pessoas se aferram hoje a posições antigas porque não querem responder a ela. Não entendem como podem continuar na oposição se não há mais o socialismo para defender. E devo admitir que tampouco foi fácil para mim abandonar essa idéia. Mas isso não significa, de modo algum, que a vida dos radicais chegou ao fim. Ainda temos muitas tarefas importantes, e a maior de todas é derrotar a nova forma do totalitarismo: a teocracia. Aqueles que se intitulam como radicais, contestadores, precisam redefinir o debate em torno de uma sociedade secular, que é uma aspiração iluminista, e devem combater as ditaduras teocráticas. O fato de eu estar afastado da esquerda tradicional nunca significou uma abstenção da solidariedade política – nem mesmo da solidariedade revolucionária. Não estamos em um beco sem saída.
Veja – Então o seu ideal ou utopia hoje é uma sociedade plenamente secular?
Hitchens – Sim. Meu próximo livro, que já concluí mas ainda não foi editado, vai se chamar God Is Not Great (Deus Não É Grande). O título contraria abertamente um princípio conhecido da fé muçulmana, mas o livro não é apenas uma crítica ao Islã. É contra a crença em Deus.
(...)
Veja – Há quem argumente que a humanidade não pode viver sem algum tipo de fé – que a educação moral das pessoas não se sustenta em uma base puramente secular.
Hitchens – A utilidade de uma ilusão é irrelevante para avaliar seu conteúdo moral. E há milhões de pessoas em todo o mundo que conduzem sua vida de forma ética sem acreditar em Deus. De outro lado, não creio que alguém possa indicar um só país em que as pessoas se comportem melhor por acreditar em Deus. Podemos, ao contrário, apontar países em que as pessoas se comportam de forma pior por causa da fé.
Veja – E o senhor incluiria os Estados Unidos entre os países onde a religião piora o comportamento das pessoas?
Hitchens – Sem dúvida. Posso dar exemplos. As pessoas que hoje desejam impedir as crianças de aprender sobre as novas descobertas da biologia evolutiva – o que tornará essas crianças incapazes de funcionar no mundo moderno – são cristãs. E em todas as igrejas encontramos quem afirme que a aids é ruim, mas não tão ruim quanto os métodos contraceptivos. Os programas americanos contra a aids na África são baseados nessas idéias – e vão levar milhões de pessoas a uma morte horrível.
Veja – No livro Cartas a um Jovem Contestador, o senhor mostra algum ressentimento por ser considerado apenas como o sujeito que atacou Madre Teresa de Calcutá. Por quê?
Hitchens – O que me irrita é quando me descrevem como um sujeito que está sempre em busca de alguém para atacar. Meus livros sobre George Orwell, Thomas Jefferson e Thomas Paine provam que sou, sim, capaz de escrever sobre figuras que admiro. Mas ainda tenho orgulho de ter exposto Madre Teresa como uma fraude e uma fundamentalista fanática. A Igreja, depois disso, decidiu aceitar como verdadeiro um milagre fajuto na Índia: uma mulher teria se recuperado de um tumor usando uma medalha de Madre Teresa. Não é assim que se curam tumores. Temos os testemunhos de médicos e até do marido dessa mulher para documentar o tratamento que a fez melhorar. A Igreja, no entanto, considera que houve uma cura milagrosa promovida por ela. É uma mentira irresponsável que encoraja os indianos a procurar charlatões no lugar de médicos de verdade.»
(Christopher Hitchens em entrevista à Veja. Recebido por e-mail.)
5 comentários :
Interessante. A propósito da impossibilidade de crenças, uma livro escrito por quem percebe do assunto:
"Six Impossible Things Before Breakfast: The Evolutionary Origins of Belief ", L. Wolpert
Quem é esse?
Antes de se dedicar a defender a invasao do Iraque (durante os ultimos seis anos nao fez outra coisa) Christopher Hitchens costumava ser de esquerda e escrevia para a "Nation".
Fico contente por saber que alem de defender fanaticamente os neo-cons que decidiram invadir o Iraque (por acaso em nome do petroleo, mas tambem em nome de Deus) C. Hitchens aproveitou algum tempo livre para escrever um livro contra as ilusoes das religioes.
Se calhar nao vou ler. Como o Durao Barroso e o Pacheco Pereira, C. Hitchens virou 180 graus sem avisar e nao nos explica como e que foi a epifania que teve... :-)
E o estilo dele irrita-me um bocado, mesmo quando tem razao.
O Hitchens não parece mau tipo. Afinal, um gajo que escreveu um livro sobre a Madre Teresa de Calcutá e outro sobre o Kissinger, nenhum deles muito favorável a cada uma dessas personagens, não pode ser mau de todo. Mas tem um grande defeito: é totalmente british upper class...
Verdade. E parece que os livros dele sobre o Thomas Piane e o Jefferson tambem sao bons.
Mas a violencia com que ele tem defendido a invasao do Iraque na televisao, radio e imprensa escrita bradam aos ceus.
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