E no fim do dia, nunca me devo esquecer que estou aqui exilado, que os meus colegas do IPPAR/IGESPAR me expulsaram de Portugal, e que os americanos me acolheram sem perguntas e me tratam lindamente.
Mas os candidatos aqui do Tea Party deixam-me perplexo sempre que não consigo evitar as notícias. Acho que mais pela ignorância selvagem que demonstram do que pela cupidez e pelo egoísmo infantil e miserável que aqui se ostenta com orgulho.
A América é um país de cidades pequenas e rurais, onde a cultura dos colonos do século XVII cristalizou. A cola social ainda é tão importante para eles como era no tempo em que recebiam um navio por ano e metade morria no Inverno. O puritanismo e a ausência de solidariedade e de empatia pelos fracos são dois traços desta cultura que se mantiveram inalterados. Nas aldeias miseráveis da Virginia o adultério era um crime gravíssimo, com consequências horríveis para as pequenas comunidades de fundamentalistas religiosos que tinham fugido para cá para evitar os ventos do Renascimento, cercados por nativos e acossados pelos espanhóis. O mesmo se pode dizer da violência como primeira resposta para a maioria dos problemas.
Mas mesmo compreendendo porque é que os americanos são como são, nunca me consegui habituar ao tom dos discursos dos candidatos da direita, ao orgulho com que se declaram criacionistas e condenam a astronomia e a mecânica quântica por contradizerem a Bíblia. Rick Perry não está a mentir quando diz que acredita que o mundo tem seis mil anos.
Muitas vezes pergunto-me por que razão não me choca saber das iniquidades do Santana Lopes e do Durão Barroso, e me incomodo tanto quando os administradores aqui da universidade se declaram criacionistas e desatam a rezar nas reuniões oficiais, nas tintas para a lei que separa a religião e o estado. Ou quando dão milhares de dólares a organizações sionistas, para elas transportarem colonos para Israel e adiantar o Armagedão.
Acho que a diferença é que eu acredito que como os ratos, Tony Blair, Sarkozy, Santana Lopes, ou Durão Barroso, entram nos esgotos para se empanturrarem, e que os políticos americanos acreditam mesmo que os trogloditas e os dinossáurios viviam juntos antes do Dilúvio.
Mas isto não são diferenças substanciais. As coisas que unem o Durão Barroso e o Rick Perry são mais do que as que os separam. Hoje li o ensaio do Umberto Eco "Costruire il nemico" e estava a pensar que a direita - aqui e na Europa - está no caminho certo para a crise económica e a guerra, deliberadamente, como se anuncia no panfleto anónimo dos anos sessenta que Eco cita.
Para quem acredita que a morte não é o fim (quando alguém morre aqui, diz-se "he passed away"), a guerra é uma solução fantástica para muitos problemas políticos, económicos e demográficos. Além das oportunidades de negócio que proporciona (como dizia a brochura da Halliburton quando Bush foi eleito).
Na semana passada Rick Perry - o governador do Texas com quem eu tenho de viver - disse que estava disposto a usar armas e tecnologia de guerra nos mexicanos que atravessam a fronteira para trabalhar nos EUA. Este discurso de desumanização dos "outros" e incitamento ao ódio é calculado e garante resultados eleitorais. O mesmo se pode dizer da direita europeia, que fala de Portugal e da Grécia (e da Espanha) de forma muito diferente do que fala da Islândia ou da Irlanda.
As minhas embirrações são só isso: embirrações. Acreditando em bruxas e profetas, ou em físicos, químicos, geólogos e astrónomos, os políticos europeus e os americanos trabalham para um pequeno grupo de oligarcas que, pelo menos por enquanto, manda no mundo, está acima da lei e acredita que está protegido das contingências da guerra.
2 comentários :
Excelente texto, Filipe. Deverias escrever mais frequentemente.
Pois devia. Mas tenho tido tanto que fazer. Os fascistas que o Rick Perry nomeou para dirigir aqui a universidade fazem-nos a vida negra. :o) Se calhar vou escrever um texto sobre isso!
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