Alguém quer parar para pensar como seria Portugal se as escolas fossem todas privadas e religiosas (ou parecidas com isso)? Num excelente texto na Jugular, Isabel Moreira explica como foi a sua experiência no colégio Opus Dei exclusivamente feminino que ficou em primeiro lugar no «ranking» das notas escolares.
- «(...) Lembro-me da provocação do C. Hitchens ao perguntar se a religião é abuso de menores. Às vezes é. No Mira Rio onde cresci, nunca ouvi falar de um deus misericordioso, de um deus pai, nunca ouvi falar de amor. A religião foi-me essencialmente incutida por duas vias: a via dogmática, que se traduzia em muito cedo já saber declamar as provas extra-bíblicas da existência de cristo; e a via do medo, esta muito eficaz, porque o pecado, venial e mortal, nas suas consequências, se não sanados, eram ilustrados até à náusea. Insistia-se bastante no limbo, mas, sobretudo, e este é o aspecto fulcral do meu Mira Rio, havia uma atenção doentia, por parte do colégio e do preceptorado, aos pecados da carne. De resto, os sacerdotes do opus dei ajudavam no terror. A primeira aproximação que tive às consequências do fenómeno do desenvolvimento (futuro) do meu corpo e da minha cabeça pecadora foi a explicação de que o dito corpo era o templo do espírito santo. Ora, o templo não pode sentir o que quer que seja. (...) O sacerdote fez-me perguntas de uma minúcia que nunca vi, como advogada, serem feitas em tribunal. O meu corpo, o corpo de uma criança, foi escrutinado atrás de uns quadradinhos de madeira, o confessionário. Havia também a professora sofia, que depois de uma asneira grande que fiz com 9 anos, vendo-me comungar, me levou para uma sala fechada e explicou-me que eu recebera do corpo de cristo em pecado mortal. Convenceu-me, sem apelo nem agravo, de que estava condenada ao inferno. Passei muitas noites da minha quarta classe a adormecer com medo, com uma ideia da esperança de vida, tendo a minha por inútil, já que fatalmente condenada ao inferno. A professora sofia torturou-me de muitas outras maneiras. O ensino era bom? Sim. Havia professoras boas? Sim. Havia boas pessoas? Sim. Fiz amigas e apesar de tudo, com elas, recordações felizes? Claro. Mas às vezes a religião é abuso de menores. (...)» (Ler na íntegra.)
5 comentários :
Se calhar seria vagamente parecido com o que acontece nos paises islamicos...Mas achamos bem, não é? Afinal o multiculturalismo fica-nos tão bem.
Por aqui nem por isso...
A questão do cheque-ensino não é se o Ricardo concorda ou não com o método do colégio da Opus Dei. O cheque-ensino parte de dois pressupostos:
1º- o Estado é o primeiro interessado que os seus cidadãos tenham uma formação académica para que, enquanto adultos, possam ser independentes financeira/economicamente.
2º- a educação dos próprios filhos, neste caso a escola e o plano educativo desta, são da responsabilidade e sobretudo direito dos pais. Isto é, os pais são soberanos na educação que querem dar aos filhos. Evidentemente que nem todos os programas educativos podem ser reconhecidos pelo Estado, todavia isso já são questões laterais do princípio.
Como tal, mesmo que o Ricardo ou eu discordemos do método deste colégio em questão, será uma prerrogativa dos pais a escolha (ou não) de por os filhos na escolha que entender ser a melhor para eles.
E já agora, não é preciso andar no colégio Opus Dei para se ser vítima de violência psicológica...
«Isto é, os pais são soberanos na educação que querem dar aos filhos. Evidentemente que nem todos os programas educativos podem ser reconhecidos pelo Estado, todavia isso já são questões laterais do princípio.»
Não, não são.
Se nem todos os programas podem ser reconhecidos, então há limites a esse princípio. E deve haver.
Se um pai queiser que o filho não aprenda a ler, não tem o direito de ver essa vontade satisfeita. Por isso a sua "soberania" (não é a melhor palavra, convenhamos) é - e deve ser - limitada.
João Vasco,
Completamente de acordo, mas não consta que no colégio Opus Dei não ensinassem a ler.
Ou seja, havendo limites a essa "soberania" (ajude-me a encontrar outra palavra!), isso não implica que o cheque-ensino seja mau porque há pessoas que escolheriam pôr os seus filhos em escolas cuja linha educativa você não concorda por razões morais... Neste caso, o Estado tem apenas o deveria zelar pela qualidade científica dos programas escolares, deixando as questões morais (lá está) na esfera do pessoal.
P.S.: evidentemente, porém, que há limites a esta liberdade moral da linha educativa dos colégios privados (uma escola a implementar a sharia?). Com estes comentários quero apenas apontar a fragilidade e falhanço da última frase do post.
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