sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Discriminação no casamento

A Federação Portuguesa de Futebol emitiu um comunicado segundo o qual irá criar uma norma que proibirá os adeptos que assistam a um jogo do clube "Sport Lisboa e Benfica" no estádio de celebrar um golo desse clube de forma audível, bem como qualquer cântico de apoio aos jogadores desse clube.

Quando confrontados com a acusação de estarem a criar uma lei que discrimina os benfiquistas, os representantes da Federação responderam:

«Não existe qualquer discriminação. A regra será a mesma para todos os adeptos. Um benfiquista é tão livre de celebrar o golo do Sporting como o sportinguista; e este último está tão impossibilitado de celebrar o golo do Benfica como o benfiquista»


Este exemplo inventado é absurdo. Mas é precisamente isto que fazem aqueles que alegam que não existe discriminação contra homossexuais quando eles são impedidos de casar com alguém do mesmo sexo.
Serão obcecados com o formalismo? Será que para eles a letra da lei é assim tão mais importante que o seu espírito? A resposta é negativa.

Se fossem coerentes na sua defesa do formalismo, abstraindo-se da discriminação que ocorre «na prática», saberiam que a lei actual, em termos formais, discrimina. Não consoante a orientação sexual, mas sim consoante o sexo.

Discrimina formalmente homens e mulheres. Discrimina os homens pois não lhes permite aquilo que permite às mulheres (casar com homens); e discrimina as mulheres pois não lhes permite aquilo que permite aos homens (casar com mulheres). A lei, em termos formais, viola o princípio da igualdade de homens e mulheres perante a lei.

Claro que tudo isto é um absurdo. A verdadeira discriminação é contra os homossexuais. E é a vontade, consciente ou inconsciente, de os discriminar que motiva a alegação absurda e incoerente de que a lei actual não discrimina.

17 comentários :

F. Penim Redondo disse...

O caso apresentado não tem credibilidade pois é absurdo: pressupõe que os benfiquistas seriam proibidos de festejar os seus golos no seu próprio estádio, enquanto que os adversários seriam livres de o fazer.
Não há razão para supor que só os homossexuais podem ter interesse em casar com alguém do mesmo sexo. Dois amigos que partilhem a mesma casa e projectos, mesmo sendo hetero podem ter as mesmas razões para se casar.

reb disse...

discriminação.

Erros, não.

please.

João Vasco disse...

F. Penim Redondo

É suposto que o exemplo seja absurdo («Este exemplo inventado é absurdo.»). A ideia é mostrar como mesmo numa situação de óbvia discriminação o arumento da ausência de discriminação formal pode ser utilizado.

«Não há razão para supor que só os homossexuais podem ter interesse em casar com alguém do mesmo sexo.»

E também não há razão para supor que só os benfiquistas possam querer celebrar o golo do benfica.

Existem boas razões, em ambos os casos, para supor que essa razão vai afectar de forma diferente os diferentes grupos, diferença essa que vai - na prática - destruir a suposta igualdade perante a lei.

Reb:
Lapso. Vou corrigir. Obrigado pelo aviso.

Ricardo Alves disse...

F. Penim Redondo:
há homens (ou mulheres) que podem ter interesse em casar para regularizar heranças, ou para dar o «golpe do baú», etc. Há casos desses com heterossexuais, também haverá com homossexuais.
Mas não é a pensar nesses casos que se quer legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou é?

Anónimo disse...

Mas não é a pensar nesses casos que se quer legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou é?


R: Claro que sim!

Se fosse só para botar o cu na jogada, ninguém queira casar!

Nem totó acredidta que dois homos casam por amor.
E as razões que tem sido invocadas são mesmo essas.
Por dois estudnates de faculdade têm toda a vantagens em se casar rpa efeitos de bonus nos subsidios, e continuar sua vida normal com suas garotas.

João Vasco disse...

«Por dois estudnates de faculdade têm toda a vantagens em se casar rpa efeitos de bonus nos subsidios, e continuar sua vida normal com suas garotas.»

Não sei que "bonus nos subsidios" são esses, mas com a lei actual eles já podem "casar com as suas garotas" para obte-los, suponho, ou mesmo uma amiga qualquer. Não têm de esperar por uma lei que permita casar com o colega.

Enfim... o comentário é estranho.

JDC disse...

ahahha Esta de dois estudantes se casarem para obter benefícios fiscais é muito bem vista!

Agora mais a sério: nada tenho contra o casamento entre homossexuais. No entanto, há algo que me intriga: porque impedimos casamentos poligâmicos? Segundo a mesma lógica do casamento homossexual, nada deverá impedir um homem ou mulher de se casar com várias mulheres e homens.
Não que uma coisa afecte a outra, mas não consigo ver diferença!

João Vasco disse...

JDC:

É uma questão interessante.

Eu diria que o casamento torna, à luz dos efeitos legais, a pessoa escolhida como sendo o familiar mais próximo (para efeitos de heranças, visitas hospitalares, etc..). Uma linha de argumentação possível (mas manhosa) seria alegar que por definição não poderiam duas pessoas ocupar esse lugar. Ou seja, que os efeitos legais do casamento só fazem sentido na medida em que ele for entre duas pessoas.
Eu discordaria desta abordagem, mesmo que ela pudesse parecer mais persuasiva se fossem tidos em conta as consequências pragmáticas de permitir tanto a poligamia como a poliandria.

Outra abordagem possível faz sentido para aqueles que estão a favor do casamento homossexual, mas contra a adopção por parte de casais homossexuais: o interesse das crianças.

Esta abordagem não deixa de fazer sentido para aqueles que defendem a adopção por parte de casais homossexuais, desde que aleguem que estudos mostram que as crianças não são prejudicadas por serem criadas neste tipo de famílias, e não existem estudos que mostrem isso em relação a famílias "poligâmicas".

Imagino que possam existir outras linhas de argumentação possíveis que justifiquem a objecção à poligamia e poliandria, mas parece-me que o debate pareceria bastante interessante se estivesse em cima da mesa.
Não nego que um dia pudesse vir a defender essa liberdade, mas se calhar nunca o faria. Não sei. Actualmente ninguém manifesta a vontade de alterar isso, coisa que não acontece em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Uma diferença fundamental entre as duas questões é a da discriminação. Não existe um "tipo" de pessoa que seja prejudicado pelas leis que impedem a poligamia, da mesma forma que estas leis prejudicam e discriminam os homossexuais. Isso deve ser uma razão pela qual é manifestada a vontade de alterar a lei para permitir casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas não para permitir a poligamia e poliandria.

F. Penim Redondo disse...

Quando eu referi um exemplo, apenas um dos muitos possíveis, do potencial interesse de um par de homens(ou mulheres) hetero em se casarem foi para mostrar que a proibição não tem como alvo específico os homossexuais.
Por isso não há qualquer discriminação.
Seria muito estranho que depois de séculos de democracia e de tantos pensadores se debruçarem sobre os direitos humanos decobríssemos agora, há meia dúzia de anos, que se tinham esquecido do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Vivemos na barbárie até agora ?

João Vasco disse...

F Penim Redondo:

«mostrar que a proibição não tem como alvo específico os homossexuais.»

Não podia deixar de discordar.

Seguindo o exemplo que dei, seria como a Federação dizer que os exemplos de sportinguistas e portistas proibidos de celebrar os golos do SLB mostram que a proibição não visa os benfiquistas.

Claro que podemos imaginar situações em que um portista poderia querer celebrar um golo do SLB (se o SLB estivesse muito longe de ganhar o campeonato que o seu adversário nesse jogo e o Porto, por exemplo); mas ainda assim é evidente que uma medida deste tipo visaria antes de mais os benfiquistas.

O mesmo acontece com as limitações actuais ao casamento. Aliás, se nos países em que o casamento entre pessoa do mesmo sexo é permitido começarem a existir casos significativos de heterossexuais casados com outros heterossexuais, isso certamente será digno de estudos sociológicos, tão curioso será o fenómeno.



«Seria muito estranho que depois de séculos de democracia e de tantos pensadores se debruçarem sobre os direitos humanos decobríssemos agora, há meia dúzia de anos, que se tinham esquecido do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Vivemos na barbárie até agora ? »

Durante os últimos séculos tem havido muitas mudanças que têm feito muito pelos direitos humanos.

Desde o fim da escravatura, o fim do absolutismo numa parte importante dos países do mundo, o voto para as mulheres, o fim do aparteid, até uma cada vez menor descriminação no que diz respeito à orientação sexual.

Em cada um destes passos positivos que foram sendo dados, esse argumento poderia ter sido apresentado. E teria sido tão errado aceitá-lo na altura, como é errado aceitá-lo hoje.

Aliás, a parte dos "séculos de democracia" não se poderia aplicar ao fim da escravatura e absolutismo (mas a pergunta "vivemos na barbárie até agora ?" podia...); mas poderia aplicar ao voto para as mulheres, à permissão de divórcio, ao fim do aparteid, etc...

Filipe Castro disse...

O problema dos direitos dos homossexuais é um problema de direitos humanos. discriminar os homossexuais (e às vezes por razões religiosas!) é estúpido e mau.

E ridiculamente hipócrita. Andamos todos a fingir que não sabemos quem são os políticos que são homossexuais (mesmo nos partidos homofóbicos, como o PP), como se a homossexualidade fosse uma deficiência ou um crime.

João Vasco disse...

Filipe:

Eu também costumava dar por adquirido que o Paulo Portas era homossexual, até compreender que não tinha nenhuma razão melhor para isso senão a popularidade do rumor de que assim é, que, convenhamos, é uma razão fraca.

Na verdade esse é um assunto que não me interessa muito, mas de qualquer forma deixei de dar isso por adquirido, e deixarei enquanto não tiver melhor razão.

João Vasco disse...

Filipe:

Eu também costumava dar por adquirido que o Paulo Portas era homossexual, até compreender que não tinha nenhuma razão melhor para isso senão a popularidade do rumor de que assim é, que, convenhamos, é uma razão fraca.

Na verdade esse é um assunto que não me interessa muito, mas de qualquer forma deixei de dar isso por adquirido, e deixarei enquanto não tiver melhor razão.

F. Penim Redondo disse...

João Vasco,
se há vantagens nos arrendamentos e nos direitos sucessórios, por exemplo, para os homossexuais por que não hão-de os hetero beneficiar delas também ?
Uma grande amizade tem tanta dignidade como um grande amor. Ou não ?

João Vasco disse...

F. Penim Redondo:

Se o objectivo de impedir as pessoas de casar com alguém do mesmo sexo fosse impedir casamentos entre amigos em busca de alegados benefícios, o objectivo esbarraria no facto de que nem todos os amigos de uma dada pessoa são do mesmo sexo. Existem relações de amizade entre homens e mulheres. Aliás, existem uma série de relações entre homens e mulheres que não passam pelo amor, nem pela paixão, nem por qualquer forma de desejo.

Na verdade, se fosse expectável o casamento entre amigos ou conhecidos tendo em vista os alegados benefícios do casamento, isso deveria ser fenómeno social conhecido, já que nada impede que hoje pares de pessoas de sexo diferente o façam.

O problema é que os benefícios do casamento tendem apenas a sê-lo se as pessoas tiverem uma relação amorosa. Se não for esse o caso, se um homem e mulher querem usufruir desses benefícios (ou dois homens, ou duas mulheres) e cumprir os respectivos deveres, mesmo sem que exista uma relação amorosa, então ainda bem que a lei o permite (e no caso dos dois homens e mulheres deverá permitir). Mas sabemos que a realidade não é essa: sem relação afectiva, as pessoas dificilmente acreditam que os deveres do casamento (fidelidade, coabitação, apoio na doença, etc..) justificam seus benefícios.

F. Penim Redondo disse...

O João nunca ouviu falar de casamentos de conveniência ?
Eu até apostava que a maioria dos casamentos entre heteros pouco tem a ver com amor.

João Vasco disse...

F Penim Redondo:

Mas então, se a generalidade dos casamentos hoje têm pouco a ver com amor, se grande parte é por conveniência, qual o sentido de evitar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo alegando que impede casamentos por conveniência entre amigos?