terça-feira, 22 de abril de 2008

Matar padres...

Sobre os comentários ao meu textozinho sobre Richard Dawkins gostava de clarificar uma coisa importante. Eu não acho que a religião seja a raiz das violências que se cometem em nome deste ou daquele Deus. Não tenho quaisquer ilusões: no dia em que acabassem as religiões as pessoas começavam-se a matar umas às outras por outros motivos quaisquer. As pessoas matam-se por causa do futebol.

Mas a religião é um veículo e as organizações religiosas não conseguem evitar problemas relacionados com poder e com dinheiro. Defender a ideia de que as organizações religiosas são grupos de pessoas preocupadas com questões etéreas, relacionadas com as coisas do espírito, é uma falácia. As organizações religiosas são burocracias com gestores e controladores de custos, cash-flows e contas nos bancos, interesses imobiliários e portfolios de accões.

As brutalidades entre republicanos e católicos são proverbiais e ambos os lados têm tentado justificar estas selvajarias injustificáveis aumentando as estatísticas das brutalidades do outro lado. Não quero começar aqui a discutir quantas igrejas é que se queimaram, mas quem esteve lá - George Seldes, por exemplo - dá números muito diferentes dos do franquismo.

Mas isto não é o importante para o meu argumento. O que interessa para a nossa discussão é que quando há guerras as pessoas fazem coisas horríveis umas às outras. Chamar vítimas aos padres e às freiras e criminosos aos republicanos é uma injustiça tremenda. Muitos padres incitaram à violência e defenderam a revolução franquista, muitos pegaram em armas. E a ICAR incitou os espanhóis à violência. Exactamente na mesma medida que os comunistas e os republicanos mais selvagens, muitos padres foram instigadores de uma populaça analfabeta, que fez as coisas mais horríveis aos vizinhos e aos amigos em nome dos interesses duma organização medieval como era a igreja espanhola dos anos 30 - que ainda ensinava o modelo aristotélico na universidade, com o Sol a orbitar em volta da Terra.

Sobre este assunto - das brutalidades cometidas nas guerras por pessoas que são meros actores sem ideologia - vale a pena ler a autobiografia de Gunter Grass, ou o livro de Italo Calvino Il sentiero dei nidi di ragno (só sei o título em inglês). Ou ver o filme La lengua de las mariposas.

Assim, ilibar um lado ou o outro de brutalidades, muitas vezes disparatadas, é uma grande asneira histórica, julgo eu. Sobretudo quando se fala de uma organização extremamente bem organizada como a ICAR, com mil anos de experiência em geopolítica e que nunca se coibiu de mentir, perseguir, queimar, assassinar ou organizar guerras e invasões quando os seus interesses estavam em jogo.

13 comentários :

Ricardo Alves disse...

Excelente texto.
A questão é mesmo essa: o ser humano é um animal tribal, que facilmente comete violências em nome da sua tribo/seita/partido/clube de bola, e isto não desaparecerá nunca. O que pode haver é formas melhores ou piores de condicionar socialmente o uso da violência (educando ou punindo). Mas que não haja ilusões: a violência e o conflito existirão sempre.

Marco Oliveira disse...

Filipe,
Conheces o Dilbert? O autor chama-se Scott Adams. Todas as suas piadas baseiam-se no princípio: "As pessoas quando se organizam em grupos têm comportamentos idiotas".
Acontece nas empresas, nos sindicatos, nos partidos, nos clubes de futebol, nas reuniões de condomínio...

Não creio que as comunidades religiosas estejam imunes a estas situações.

Ricardo,
A violência de cariz religioso é daquelas cujas feridas levam mais tempo a sarar. É o que dizem as Escrituras Baha'is (desculpa o proselitismo ;-) ).
Se pensassemos que a violência e o conflito sempre existirão, que adianta lutar pela paz? Se a violência é inerente à condição humana, quem pode acreditar no pacifismo?

Filipe Castro disse...

Ahah! Mas é aqui que importa citar o grande Gramsci: embora com a cabeça saibamos que isto não tem concerto, não nos podemos calar sob pena do mundo se tornar num sítio horrível.

Vou já ver o Dilbert (que não conheço)! Obrigado.

Ricardo Alves disse...

Marco,
vale a pena lutar contra o crime e a violência porque se pode reduzi-lo e controlá-lo. Mas não se devem ter ilusões quanto à possibilidade de eliminar absolutamente a violência ou o crime. Haverá sempre uma minoria de psicopatas na sociedade. E haverá sempre pessoas que sob pressão reagem com uma violência desmedida.

Francisco Múrias disse...

João 15,1-8.
«Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor.
Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para
que dê mais fruto ainda.
Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado.
Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar
fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá
convosco, se não permanecerdes em mim.
Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá
muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer.
Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses
são apanhados e lançados ao fogo, e ardem.
Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o
que quiserdes, e assim vos acontecerá.
Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos
comporteis como meus discípulos.»

Cristo é a videira e a Igreja os seus ramos. De vez em quando é preciso podar alguns ramos para os outros ramos darem fruto.

Muitos desses ramos já foram cortados e outros continuam a ser cortados pelo Pai.

Ricardo Alves disse...

«Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses
são apanhados e lançados ao fogo, e ardem.»

Este trecho poderia ter sido utilizado para justificar a Inquisição. Talvez tenha sido.

Francisco Múrias disse...

Talvez...

O Sr fala da Inquisição como se a Inquisição fosse uma instituição apenas religiosa.
O Sr esquece-se que não havia separação da Igreja e do Estado e portanto os crimes religiosos também eram civis. O que provocou que o Estado usasse a Inquisição para impôr políticas.

O Padre António Vieira por exemplo foi perseguido pela Inquisição por motivos políticos embora sob o pretexto de motivos religiosos.

Francisco Múrias disse...

«Chamar vítimas aos padres e às freiras e criminosos aos republicanos é uma injustiça tremenda»

Não é injustiça nenhuma, é a verdade.

É tão injusto como chamar criminosos aos nazis e vitimas aos judeus.

Anónimo disse...

Caro Sr. Filipe Castro, a verdade é que os religiosos em geral seriam perseguidos fosse como fosse e já antes da guerra civil se iniciar já tinham sido mortos várias dezenas de padres e freiras por indivíduos e grupelhos que o governo espanhol jamais prendeu. Chamar aos republicanos no seu todo de criminosos nao é certo, agora muitos mas mesmo muitos o foram.

De 1934 a 1936 grande parte dos clérigos estava era preocupada em esconder-se e nao ser vista. Agora nao foi surpresa para ninguém o ódio e as ameaças que sofreram pelos republicanos. que deveriam eles fazer? deixarem-se matar?

Como podemos achá-los (republicanos) combatentes pela liberdade quando vimos a confrontaçao e a animalidade da luta entre eles próprios como o foi o caso em Barcelona entre Anarcas e Comunistas? (Isto nao implica que o outro lado tenha sido inocente, mas nisso de certeza que concordamos)

Lembro igualmente que grande parte da força dos republicanos residiu no pce controlado à distância por Stalin.

Por último, recordo também que um dos primeiros países a quem a República solicitou auxílio foi à Alemanha (pedido que nao foi satisfeito mas que demonstra a "firmeza" moral do lado tricolor)

Filipe Castro disse...

Deixem-me só lembrar aqui um facto: os republicanos ganharam as eleições e a Igreja atacou o regime democraticamente estabelecido porque não aceitou os resultados.

Anónimo disse...

Mas exemplos nao faltam (como Hitler) de movimentos ou partidos que tendo ganho o poder o exerceram para acabar com os seus adversários. Veja por exemplo os debates nas cortes espanholas já em 36 e como a direita moderada ou desapareceu ou teve de se encostar a um movimento de descontentamento que era ao início muito mais amplo que Franco. De qualquer maneira o que escrevi atrás está errado?

Ricardo Alves disse...

O Múrias vai acabar por dizer que a Inquisição foi contra a vontade e os princípios da ICAR. ;)

Francisco Múrias disse...

Cada um lê a Bíblia da maneira que quer.

Só constatei que a sua maneira de interpretar a Biblia é a mesma do que a dos fanáticos religiosos.
O Sr leu isto:
«Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem.»

-Eh Eh Eh « isto é bom para queimar alguém» - pensou o Sr esfregando as mãos de contente. Já vou lixa-lo com esta. Eh Eh Eh sou muita esperto.

A mim nem me passou tal coisa pela cabeça.

Princípios diferentes sem dúvida