Depois do (estimulante) debate de sexta-feira, continua a discussão (inesgotável?) sobre a despenalização da IVG. O Ludwig Krippahl interpelou-me sobre o «critério da autonomia».
Convém que se diga que não acredito em «direitos naturais» (direitos sem Estado?), nem em «tribunais naturais» (tribunais sem Estado nem Direito?) mas que acredito em «prisões naturais»: o útero é uma prisão natural. O Estado não pode retirar um embrião de oito semanas do útero sem o matar (e o mesmo acontece dez ou doze semanas depois da concepção). Portanto, quer queiramos quer não, em qualquer gravidez o poder coercivo do Estado está limitado por um facto da natureza: o poder da mulher sobre si própria e sobre o seu útero.
Em qualquer debate político ou jurídico, é conveniente começarmos mesmo por aqui: por verificarmos se estamos a falar de algo que a cultura ou a tecnologia criadas pela humanidade permitam controlar. No caso de uma mulher grávida de dez semanas, estamos a falar de algo que a sociedade ainda não controla. Legislar impondo que a mulher prolongue a sua gravidez mesmo que o não queira é mais um caso em que a cultura se vira contra a natureza. Há casos em que isso é legítimo, neste parece-me que não é.
3 comentários :
É notável a forma como os Espanhóis, com uma lei mais limitada do que a nossa e uma sociedade muito mais católica, conseguiram resolver o problema do aborto. Bastou assumir que qualquer gravidez indesejada provoca danos à saúde (psicológica) da mulher grávida. Se os Portugueses fossem mais práticos não seriam necessários referendos nem alterações à lei parea resolver o problema que os franceses resolveram, salvo erro, há quarenta anos.
Convém que se diga que não acredito em «direitos naturais» (direitos sem Estado?)
Numa situação sem estado, não há portanto direitos. Digamos que ficam duas pessoas numa ilha. O mais forte tem o direito de matar o mais fraco?
Sem Deus nem "direito natural" é difícil responder Não a esta pergunta. Qualquer resposta de base humanista é, afinal, direito natural.
«Numa situação sem estado, não há portanto direitos.»
Exacto. Por impossibilidade de os fazer cumprir.
«Digamos que ficam duas pessoas numa ilha. O mais forte tem o direito de matar o mais fraco?»
Não tem «direito», tem essa possibilidade. E é isso que tem acontecido em todas as circunstâncias desse género, aliás: o desprezo imediato ou mais retardado pelas regras da sociedade de origem, e o abandono à «lei do mais forte».
Os «direitos» são sempre uma construção social (ou «grupal», para não ofender os mais sensíveis à «coisa» social). Claro que há construções melhores e piores, mas são sempre construções...
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