segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sobre a "taxa das dormidas"

Este governo aumenta a taxa de IVA para a restauração para o máximo, uma medida que, essa sim, afeta o turismo (comer em Espanha é mais barato), mas também o consumo interno (ir comer fora não é um luxo). Introduz a taxa sobre os sacos plástico, uma medida de que nem discordo mas que vai dar origem a situações muito mais confusas (nomeadamente na entrega ao domicílio). E agora não se calam com a taxa das dormidas em Lisboa. Pelos vistos a palhaçada protagonizada por um ministro a que se assistiu no Parlamento a semana passada (só para desviar as atenções) surtiu efeito.

11 comentários :

João Vasco disse...

Este Governo é perito nisso. Domina o enquadramento ("framing") do debate público, e só isso permitiu chegarem tão longe no ataque à população. Armam uns "escandalozecos" e depois é ver as pessoas falar naquilo que eles querem que se fale, mesmo as que mais os querem atacar caiem na armadilha.

Posto isto, se ir comer fora não é um luxo, certamente não é uma necessidade. O Governo subiu o IVA dos restaurantes na pior altura possível, levando à falência escusada de inúmeros estabelecimentos. Mas o IVA do sector da restauração a meu ver não podia deixar de ser a taxa máxima. A mudança devia ter sido feita em melhor altura, mas agora que foi feita não devia voltar atrás. Baixar o IVA dos restaurantes, só se for para baixar o IVA de tudo.

Miguel Madeira disse...

Duvido que a taxa sobre os sacos vá criar situações confusas, por uma razão - acho que essa taxa já existe há anos, o governo limitou-se a aumentá-la; ora, se fosse para provocar situações confusas, já o teria provocado (penso que o mecanismo seja o mesmo quer a taxa seja de dois ou de oito centimos)

João Vasco disse...

Pois. Creio que o Governo não esteve mal na questão dos sacos (e da fiscalidade verde em geral).

De qualquer forma, não deixa de ser engraçado que o Governo que aumentada da forma que aumentou a carga fiscal (IRS, IVA, etc.) consiga agora centrar os holofotes nesta medidinha do António Costa. Não gosto da medida, mas sinceramente, nada justifica a atenção que teve quando comparamos com tantas outras questões que passaram por baixo do radar.

Filipe Moura disse...

Ó João Vasco, fala por ti. Nem todos os empregos dispõem de cantinas. E não concordo que se obrigue os trabalhadores a andarem de marmita.

João Vasco disse...

Filipe, é verdade que o meu trabalho agora é numa universidade e eu tenho acesso acesso a uma cantina. Mas ainda recentemente estive a trabalhar numa empresa e não comia no restaurante porque é muito caro e não tinha dinheiro, fosse o IVA 23% ou 12%. Mesmo que fosse 0%.
A minha namorada trabalha numa empresa e come diariamente com marmita. Não porque o IVA seja 23%, mas porque restaurante é um serviço muito caro, principalmente se for usado rotineiramente.

Aliás, tendo em conta que o salário médio em Portugal é relativamente baixo, e o mediano ainda menos, creio que muita gente come com marmita, não porque o IVA é de 23%, mas sim porque não ganhariam o suficiente para comer no restaurante todos os dias úteis, nem que o imposto fosse de 0%.


Na verdade, se as receitas do estado diminuírem no valor dessa diferença, podem obrigar as pessoas a fazer coisas bem mais graves do que comer de marmita: basta ver a redução nas pensões, inconstitucional, para pensar naquilo que certas pessoas têm sido "obrigadas" a suportar.
Ou na ausência de bolsas e apoios sociais que têm efectivamente obrigado certas famílias a escolher que os filhos não frequentem o ensino superior. E por aí fora.

Se existisse margem para diminuir impostos ou aumentar despesas, imagino mil e uma coisas que seriam mais importante deixar de "obrigar" as pessoas, do que evitar que fossem "obrigados" a comer de marmita. Porque comer de marmita não é vergonha nenhuma. Não é indigno nem revoltante. Existem realmente indignas nos salários de miséria que as pessoas têm tido, e na subida dos custos de vida e salários reais. Essa não é uma delas.

João Vasco disse...

escaparam palavras na última frase:

«Existem coisas realmente indignas nos salários de miséria que as pessoas têm tido, e na subida dos custos de vida e descida dos salários reais. Essa não é uma delas.»

Filipe Moura disse...

Miguel, o Continente tem entrega ao domicílio que os meus pais (que moram num terceiro andar sem elevador) usam. E não cobra(va) pelos sacos. Será que eles aceitam entregar em sacos do cliente? Será que eles entregam se o cliente não comprar sacos (ou comprar poucos sacos), por exemplo?

Filipe Moura disse...

João Vasco, comer de marmita não é revoltante nem vergonha nenhuma, pois não. Mas ninguém deveria ser obrigado a comer de marmita. De resto se na zona onde a tua namorada trabalha não há restaurantes baratos, isso é preocupante. Sei que há zonas assim em Lisboa (muito turísticas). Mas na maior parte dos locais há restaurantes que deveriam permitir a alguém lá almoçar quotidianamente sem ter que ser rico. (Muita gente não pode, é claro, mas isso é outro problema. Não podemos é considerar que gastar seis euros num almoço (em Braga consegues almoçar por menos) é um luxo.
Almoçar fora é a única opção para muita gente, que não sabe cozinhar ou simplesmente não tem tempo para preparar as suas refeições todas.
Admito que há bons argumentos para a restauração não ter o IVA mínimo. Mas também os há muito bons para não ter o máximo. Soluções salomónicas nem sempre são exequíveis, mas neste caso a solução salomónica do IVA intermédio é-o perfeitamente, e parece-me ser a melhor.

João Vasco disse...

Filipe, tu consideras que gastar 6e num almoço não é muito. Mas se multiplicares 6e por 22 dias úteis, tens uma conta de 132e.

Se alguém tem muito dinheiro, então bem pode pagar os 23% de IVA correspondentes (neste caso, 25e dos tais 132).

Mas se alguém tem pouco dinheiro, vai preferir poupar grande parte desses 132e (com marmita consegues os mesmos almoços por menos de 50e), seja o IVA de 23% ou 0%. Porque continuam umas boas dezenas de euros em jogo (cerca de 60e), e quem tem pouco dinheiro, vai considerar muito importantes esses 60e.

As pessoas são "obrigadas" a abdicar de várias coisas quando 60e fazem muita falta ao fim do mês. Almoçar num restaurante está muito longe de me parecer das mais graves. E o estado abdicar de receber receitas com o objectivo de diminuir o custo de almoçar no restaurante - que é algo que tem pouco dinheiro geralmente não quer à mesma - quando faz falta dinheiro para coisas muito mais importantes (logo para começar, não roubar pensionistas e funcionários públicos), é algo que me parece uma péssima decisão.

Filipe Moura disse...

João Vasco, se 60 euros para comer fazem falta no fim do mês a muita gente, isso é a prova de que a classe média está a acabar. E a taxa máxima do IVA na restauração vem agravar isso ainda mais. Sim porque, fique claro, eu não acho que quem gasta seis euros por dia (em Braga gasta-se quatro) numa refeição completa seja rico. Quem não o pode fazer é que é pobre.

João Vasco disse...

«João Vasco, se 60 euros para comer fazem falta no fim do mês a muita gente, isso é a prova de que a classe média está a acabar.»
Para comer ou seja para o que for, que cada um tem as suas prioridades.
Mas concordo que a classe média está a acabar nos países ricos. Aliás, o trabalho do Piketty mostra isso com enorme clareza.

«E a taxa máxima do IVA na restauração vem agravar isso ainda mais.»
Isso é confundir o sintoma com a causa.
Se o estado usar algumas das insuficientes receitas de que dispõe a aliviar a carga fiscal aos restaurantes contribui muito menos para atenuar a erosão da classe média do contribuiria se usasse essas receitas para baixar as propinas no ensino superior, ou melhorar a qualidade das escolas, ou evitasse roubar aos pensionistas as pensões a que têm direito de acordo com o TC. E se existisse dinheiro para tudo isto, e para baixar as taxas moderadoras no SNS, e para tudo aquilo que faz falta, nesse caso seria sempre preferível diminuir o IRS das classes mais baixas, do que o IVA dos restaurantes.
Porque nesse caso o dinheiro não iria para todos os que comem em restaurantes (que serão em menor proporção das classes mais baixas) e sim para as classes de menores rendimentos, que ainda por cima poderiam escolher o que fazer com o dinheiro: se comer em restaurante ou se usar marmita à mesma e ter uns extras para ir ao cinema/teatro.