- «Aconteceu no Verão passado. Num dia de Agosto. Num hotel de luxo de Lisboa. Encontrei-me com Jorge Silva Carvalho. Só bebi uma água com gás. Mas ele pagou a conta. É possível que esteja tudo nas suas agendas, telemóveis e computadores. Incluindo a água.O encontro ocorreu a pedido de Silva Carvalho. (...) E de lá saí mais esclarecido: o antigo superespião tinha-se em alta consideração e todas as dúvidas que lhe manifestei sobre a empresa em que trabalhava, a Ongoing, geraram respostas que adensaram as minhas suspeitas. Por isso, se algo me surpreende em tudo o que temos vindo a saber, é o número de pessoas (incluindo muitos jornalistas) que tinha em alta consideração o antigo director do SIED.O que temos vindo a descobrir – sobretudo devido a uma investigação judicial ordenada por este Governo, é bom não esquecer – é tão grotesco como inquietante. Parece hoje claro que a Ongoing contratou Silva Carvalho para montar um centro de informações privado. Tal como parece claro que este utilizou as suas ligações não só para recrutar outros ex-espiões, como para continuar a tirar partido, em benefício próprio e da sua empresa, dos recursos dos serviços de informação do Estado. Mais: relatórios como o produzido sobre Francisco Pinto Balsemão – o grande inimigo de Nuno Vasconcellos, o patrão da Ongoing – mostram não só uma mentalidade inquisitória e pidesca, como revelam, ao misturarem factos públicos com boatos demenciais, uma mistura de preconceito, ignorância e incompetência que não se sabe se é exclusiva de quem os produziu na Ongoing, se é comum aos serviços de informações de onde aquela gente veio.Desde que, há quase um ano, começaram a ser conhecidas as ligações e actividades dos ex-espiões da Ongoing que tenho vindo a defender algumas medidas de profilaxia mínima. A primeira passa pela modificação das normas que hoje permitem aos agentes dos serviços de informações transferirem-se de armas e bagagens para empresas privadas, levando consigo ficheiros e dossiers. (...)Hoje começo a duvidar que chegue uma mudança de chefias: a cultura daqueles serviços, as suas eternas guerras intestinas e as muitas interferências políticas que tiveram no passado aconselham à sua refundação. E não ficarei muito preocupado se nos desprotegermos temporariamente: afinal, pelas amostras conhecidas, de clippings a relatórios tão abusivos como amadores, há boas razões para duvidar da real utilidade e eficácia de serviços como os que temos. Uma boa pesquisa no Google é mais eficaz e tem menos efeitos secundários na liberdade alheia. Mas há mais aspectos a exigir esclarecimentos ou mudanças. Um exemplo: o responsável máximo do sistema de informações, Júlio Pereira, veio a público garantir que o relatório sobre o director do Expresso, Ricardo Costa, não tinha sido produzido pelos serviços. É bom que seja verdade, pois nada pode justificar realizar relatórios sobre jornalistas. Porém, estamos a falar de serviços que encontraram forma de conhecer a lista de telefonemas feitos pelo antigo jornalista do PÚBLICO Nuno Simas, um episódio que não deixa esquecer que até hoje não foi esclarecido como é que, em vésperas das eleições legislativas de 2009, correspondência interna do PÚBLICO foi violada e os emails foram parar às mãos de gente ligada ao Governo de então. É bom ter memória. (...)» (José Manuel Fernandes)
Relatório e Contas. Resumo da Semana
Há 57 minutos
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