terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pessimismo (de esquerda?) :o)

Se pensarmos que a cultura é o software que temos instalado (e que frequentemente é confundido com a capacidade do processador), o resultado destas eleições aparece no horizonte como uma coisa quase irrelevante para a maioria das pessoas. Claro que se ganhar a direita se acelera o processo em curso de empobrecimento da classe média, e com ela do país, sempre me nome da flexibilidade para contratar e despedir, e da diminuição das regras que se diz que complicam a vida aos empresários que querem competir com a China em termos dos salários e das “regalias” (adoro a expressão quando é utilizada neste contexto) dos trabalhadores.

E se ganhar a esquerda até pode ser que uma minoria particular – os homossexuais – deixe de ser segregada e brutalizada pelo estado.

Mas quando se lê o Eça percebe-se que as coisas não mudaram muito em 100 anos. Caiu a monarquia, instaurou-se a república, caiu a república, instaurou-se o estado novo, caiu o estado novo, instaurou-se a ditadura do proletariado, caiu a ditadura do proletariado, instaurou-se a democracia parlamentar semi-presidencialista... e as mesmas cinquenta famílias continuam a mandar. Vão-se aliando aos empresários que conseguem ter sucesso, casam as filhas com os filhos deles, ensinam-lhes a ordem natural das coisas, os sinais pelos quais a classe alta se reconhece, as camisas e as gravatas que se podem usar e quando, e a vida continua. Como dizia Visconti no Gattopardo, volta e meia algumas coisas têm que mudar para que tudo fique na mesma.

É assim o mundo mediterrânico. A comida é melhor do que na Europa do Norte, o sexo se calhar também, a paisagem às vezes, o clima definitivamente. Mas desde o advento do capitalismo e da revolução protestante a vida no Mediterrâneo tem sempre associada uma vertente miserável, injusta e mesquinha, quando se compara com a dos cidadãos dos países onde a liberdade e o mérito fazem parte do quotidiano. Até a corrupção, que se calhar é muito menor em Portugal e em Espanha do que na Holanda e na Alemanha, parece mais chocante.

Reli recentemente os livros do Portugal na Espanha Árabe, de A. Borges Coelho, e fiquei a pensar se haverá solução para Portugal.

Como na América Latina, em Portugal ninguém confia em ninguém e não está previsto ser-se honesto. Lembro-me de as pessoas gozarem com o Jorge Sampaio, quando ele entrou para a CML e começou a falar em moralizar o processo de atribuição de licenças de construção.

Neste contexto não há cola social, as pessoas partilham um território mas estão-se nas tintas para ele e umas para as outras, constroem nas falésias, cortam os sobreiros, não tratam os esgotos, ignoram os planos directores e as leis em geral, estacionam o carro nos passeios, deixam os cócós dos cães em frente da própria porta de casa. O Santana Lopes meteu os placards de publicidade perpendicularmente aos passeios na Baixa. E ninguém se queixou. Ninguém acredita que as coisas possam melhorar e em Lisboa a maioria das pessoas sonha com o totoloto e a lotaria, para poderem ir para “a terra”.

Mesmo supondo que a esquerda se tornava, de repente, num parceiro viável para o PS – eu passo a vida a sonhar com um país cheio de partidos pequenos, descomprometidos com o poder e com propostas positivas, mas as coligações acabam sempre por ser jogos de cadeiras onde se discutem, miseravelmente, as quotas de cada partido nas sinecuras do poder – o que é que um governo do P"S" pode fazer pelo país?

6 comentários :

Anónimo disse...

"e as mesmas cinquenta famílias continuam a mandar"

Problema das frases feitas em dez exemplos -

Américo Amorim 2,0 mil milhões de euros (herdeiro de uma empresa familiar)
2 Belmiro de Azevedo 1,43 mil milhões de euros (novo rico)
3 Família Guimarães de Mello 1,24 mil milhões de euros (velho rico)
4 Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva 731,8 milhões de euros (velho rico)
5 Luís Silva e Maria Perpétua Bordalo Silva 695 milhões de euros (novo rico)
6 Alexandre Soares dos Santos 665,11 milhões de euros (herdeiro de uma empresa familiar)
7 João Pereira Coutinho 645,8 milhões de euros (velho rico)
8 Salvador Caetano 637,4 milhões de euros (novo rico - empresário antes de 1974)
9 Joe Berardo 618,2 milhões de euros (novo rico)
10 Manuel Soares Violas e Silva e Rita Violas Oliveira Sá 610 milhões de euros (novo rico - empresário antes de 1974)

Na lista dos 10 mais ricos de Portugal só vai encontrar 3 "velhos ricos" . É verdade que destes todos os Mellos e os Espírito Santo talvez sejam mais poderosos do que os outros, porque têm dinheiro e poder há mais tempo.
Aquilo que se passa em Portugal com as maiores fortunas (e com os mais ricos) acontece um pouco por toda a Europa...Aparecem alguns "velhos ricos", o que é bom sinal porque significa que os filhos não gastaram tudo em caviar e aparecem uns "novos ricos", o que é bom sinal porque significa que é possível lá chegar.
Quanto aos casamentos, nos países do norte da europa (que eu admiro) é igual.

Anónimo disse...

visita www.unirlisboa.net e apoia antónio costa

Ricardo Alves disse...

Anónimo das 11:07,
se contarmos os «herdeiros de empresa familiar» como «velhos ricos», os «novos ricos» na sua lista são apenas 5. 50% não é impressionante.

Filipe Castro disse...

Mas há um mundo que não aparece nestas estatísticas e que é importantíssimo: os ricos sem dinheiro. As famílias antigas, que obviamente não podem casar os filhos todos com os filhos dos novos ricos, mas que mantém uma linha no poder (ou muito próximo) pelo charme que têm os antepassados. e esses são frequentemente o elo entre o dinheiro e a Igreja (lá vou eu!)

Há muitos anos um padre perguntou a um amigo meu se o tio dele ainda vivia no palácio de ... Ele respondeu que sim e o padre exclamou: "Que alegria! Saber que ainda há um aristocrata a viver num palácio!" :o) [isto dito com "g"s em vez de "r"s]

Chamem-me exagerado, mas acho que isto é uma imagem eloquente da conspiração (contra a meritocracia) que eu acredito que a aristocracia e o clero organizaram no século XVI e se têm batido por manter viva.

Filipe Castro disse...

Quando digo "uma linha", digo um ou dois filhos em cada geração. (Não há "novos ricos" para todos) :o)

dorean paxorales disse...

Boa análise (com alguns exageros mas não o vou aborrecer com isso), melhor post-scriptum.

Acrescento dois pontos, se me permite.

Não se passa só no Mediterrâneo e costa atalântica adjacente. Estende-se o conceito facilmente a certa Europa alpina.

Segundo, também o dinheiro novo de que fala sonha em casar com o dinheiro velho e fugir das suas origens.
Aproveitando a sua referência ao Leopardo: lembra-se quando o cacique Calogero Sedara se marimba no povo que o elegeu e quando é feito barão pelo novo regime (ou conde, não me lembro) corre a anunciar a boa nova a Salina?

E assim se lixa a meritocracia.