quinta-feira, 8 de março de 2007

Salazar e o sindroma de Estocolmo

Sempre achei interessantíssimo ver as pessoas mais desgraçadas acabarem amigas de quem lhes fez as piores coisas. É um fenómeno humano, quase terno, que Eça de Queiroz retratou tão bem em vários romances, mas sobretudo em Alves & Cia.

E agora é divertido ver os portugueses almejar outra vez uma ditadura, um ditador paternal que os proteja e lhes diga o que é melhor para eles. Um pai que os ampare e que puna implacavelmente os que rejeitam o seu amor paternal (como diz Deus: sofrimento eterno para os que duvidarem do Meu amor infinito!).

Acredito que o salazarismo tem duas raízes fundamentais: o medo da liberdade, da confusão e da criatividade (relacionado com a falta de auto-estima dos oprimidos), e a inveja dos vizinhos.

O medo: Portugal tem vivido sob regimes políticos opressivos há quase 500 anos e é natural que os portugueses lidem mal com as responsabilidades e a iniciativa, o pensamento crítico e a independência de espírito.

Quando os americanos disseram ao rei George III que apertavam o cinto mas só se fosse à volta do pescoço dele e da escumalha de ladrões e de inúteis que entulhava a Casa dos Lordes, os portugueses andavam a escrever coisas sobre Deus e o rei e a autoridade e o clero, a tentarem recuperar das constipações que apanharam quando o Marquês de Pombal abriu a janela e deixou entrar um bocadinho do ar fresco do iluminismo nesta sacristia miserável que (ainda) é Portugal.

Desde sempre que este país puniu os mais espertos e os mais ambiciosos (em Portugal a ambição é um crime: chama-se arrivismo), os que gostavam de melhorar a vida à custa do trabalho próprio. Não é bom ser-se muito esperto em Portugal. Vale mais ter amigos poderosos.

Por isso, quando há um problema os portugueses olham para cima! “Eles” haviam de fazer aqui uma estrada, “eles” haviam de prender esta malandragem toda (os gadelhudos!), “eles”, “eles”, “eles”.

Nunca se fala em “nós” como parte da solução.

A segunda razão é a inveja miserável dos infelizes. Os búlgaros contam uma anedota que explica bem o peso da opressão: o Inferno é um sítio cheio de caldeirões com óleo a ferver e demónios com forquilhas, que empurram as almas que querem sair. Menos no caldeirão da Bulgária, que não precisa de demónios porque cada vez que um búlgaro tenta sair os outros puxam-no para baixo.

A coisa melhor que o salazarismo tem para nos oferecer é que deixa ser preciso ser-se invejoso: nas ditaduras passam a ser todos miseráveis.

5 comentários :

cãorafeiro disse...

ricardo:

esta foi a melhor análise a esta questão que eu li. os meus parabéns, concordo inteiramente, sobretudo na maneira como analisas os dois sentimentos:

medo e inveja.

outra coisa: gostaria de destacar esta crítica que te é feita pelo tipo do Kontratempos(já agora, como kapa porquê???)

«««Lamento que alguns comentadores não tenham percebido aquilo que escrevi, como manifestamente o Ricardo Alves não percebeu .»»»

trata-se de um argumento que também já foi usado contra mim por pessoas da mesma área política e aliás contra todas as pessoas que, identificando-se como pessoas de esquerda, ousam discordar.

discordamos porque não percebemos.

subjacentes a isto estão dois argumentos que não são ditos claramente mas ficam no ar:

se não percebemos é porque:

a) não temos capacidade para perceber, não temos cultura ou inteligência suficiente para atingir a profundidade dos seus argumentos, o que equivale a passarem-nos um atestado de menoridade intelectual:

b) ou então não percebemos porque não queremos perceber, porque os interpretamos de má-fé ou porque os nossos próprios preconceitos nos impedem de vislumbrar a razão.

ou seja, assim se revela que tu, ricardo alves, não és merecedor de que a tua perspectiva seja discutida.

é isto a esquerda moderada. a esquerda moderna.
ou então sou eu que me esqueci outra vez de tomar os anti-depressivos.

Ricardo Alves disse...

cão-rafeiro,
este artigo é do Filipe!

Quanto ao resto, plenamente de acordo, se não compreendo geralmente ou é porque não tenho cOltura, ou porque estou de má fé. Aliás, eu até nem considero a 1ª República uma ditadura, veja-se lá a heresia...

Vamos a ver se o TBR se digna a responder-me...

cãorafeiro disse...

ricardo, desculpa lá a confusão...

mas mesmo assim mantenho que esta foi a melhor análise que já li sobre esta questão,

e também tudo o resto, que até talvez se aplique também ao filipe castro, quem sabe?

Pedro Fontela disse...

Tantos séculos com falta de ligação às entidades com poder de decisão deixaram marcas profundas e não serão 30 anos que as vão apagar. O que mais me faz confusão é a apatia geral dos portugueses... podem-lhes tirar couro e cabelo desde que lhes sobre uns trocos para ir ao centro comercial e para umas cervejas. enfim...

""#$ disse...

CARO RICARDO alves:

Mais uns posts destes e o TBR começará a "....gritar...",em posts angustiados, que denotam que ele não tem faltado às sessões anuais do festival de angústia de Leipzig; que, está a ser perseguido pela blogosfera pelo AM(outro blogger e comentador que até passa pelo armadilha de quando em vez e é do Porto...), pelo Pedro Silva( eu, o truculento mal disposto e as vezes semigrunho...) e pelo Ricardo Alves( perigoso jacobinista fisico nuclear), que , para onde ele vai o estão a seguir em "stalker mode".

Penso que devemos todos fazer um peditório ou uma subscrição ou quiçá pedir um subsidiozito ao estado para adquirir-mos um pedestal em pedras preciosas cravejadas a diamantes, onde .uma vez munidos do dito, possamos subir para o degrau principal do mesmo e aí- colocadas somente um degrau abaixo do TBR, conseguirmos adquirir todo o visionarismo eclético transcendente que emana de tão distinta criatura à qual - pasme-se - ninguém consegue perceber a dimensão onírica do cocenptual pensamento visionário que dela emana.

Penso que é lamentável, que, neste país, ninguém que discorde do TBR tenha capacidade para o perceber, mas as pessoas que concordam com ele tenham capacidade para o perceber.

Já eu estou à vontade.Deixei de ir ao blog dessa grande vedeta porque me chateou a total falta de caracter, as omissões propositadas em relação aos mais variados assuntos, a constante conversa que ninguém entendeu o génio visionário em funcionamento e acima de tudo chateia-me o plágio que ali existe.

Quanto eu quiser ler o "original" vou a um blog chamado "Blasfémias"; nãos e i se conhecem, onde se escreve a treta original.

No Kontratempos é apenas uma cópia do Blasfémias e ainda por cima mal feita


Caro Flipe: bom post e mais ainda.
a ultima frase é exactamente isso mesmo e aquilo que eu , pesoalmente,não perdoo a uma ditadura e a esta em particular: a tentativa de criar todos - uma raça de todos pobres.

Não tenho memória directa dos tempso em questão mas a minha avó tem 87 anos e foi camponesa nos anos 40 e já me explicou muita coisa.
Por exemplo: do centro do país - em 1936 - vieram ela e as pessoas da aldeia dela em transportes pagos pelo Estado visitar a grande exposição do mundo português.
Isto nos "intervalos" de trabalhar 14 horas por dia de sol a sol,sem direito a beneficios sociais nenhuns.