No governo anterior, não havia dúvidas (ao que me garantiam): ou se estava por Sócrates, ou contra Sócrates. O governo era Sócrates e Sócrates era o governo, e quem dissesse o contrário não percebia nada (ao ponto de hoje ainda haver umas camélias que andam a chorar o defunto, enquanto outras ainda o tentam «derrubar»... quase dois anos depois).
No actual, é tudo mais confuso. Há quem diga que quem manda no governo é Herr Gaspar, enviado da tróica à terra lusitana, e outros que jurem que é Relvas, o «pequeno Torquemada de Tomar(*)» (é um caso de estudo como se tornou tão odiado). Finalmente, há ainda à esquerda quem prefira atacar Portas, o estadista sénior que será o «elo fraco» do governo.
Ah, e consta que ainda há quem acredite que Passos Coelho manda naquilo. Como, ninguém sabe, porque é frequente baralhar-se nas frases de tal modo que os mais atentos entram em pânico e suspeitam que o sr. Primeiro Ministro não tem as ideias arrumadas ou, pior, nem sequer consegue arrumar as palavras com que se «exprime».
Seja como for, nenhum governo fez tanto mal a este país depois de Marcello Caetano.
(*) Expressão com direitos de autor de um assessor do actual governo.
4 comentários :
"é um caso de estudo como se tornou tão odiado"
Não, não é.
É um caso de estudo como é que não foi ainda demitido.
O envolvimento dele no caso das secretas, a falta de palavra que se tornou evidente para todos nas múltiplas e contraditórias versões que apresentou, seriam motivo suficiente para demiti-lo.
O ter sido responsável pela supressão de programas televisivos e ameaças a jornalistas, seria algo que, não levando à sua demissão imediata, deveria ser razão suficiente para perder qualquer tipo de confiança em Pedro Passos Coelho. Se existisse boa fé, Miguel Relvas teria sido demitido assim que se soube que andou a ameaçar jornalistas com a revelação de informações pessoais.
Depois, ainda tens as denúncias que Isabel Roseta fez a respeito da forma como Miguel Relvas usa os dinheiros públicos para fazer as suas "jogadas". Por menos que isso qualquer ministro nos governos anteriores (PS ou PSD) já se teria demitido.
E a telenovela da licenciatura, que é um detalhe quando comparada com a questão da ameaça a jornalistas, também não é algo a que seja absurdo dar alguma atenção.
Como escreveu o Francisco Burnay:
«O Relvas inverteu um princípio de civilização que é o mérito. É só um princípio de civilização... Se pensares que ainda há portugueses da geração dos nossos pais que se lembram do tempo em que só comiam batatas (estou a pensar num caso concreto enquanto escrevo isto) percebes o que eu quero dizer. Esse esforço é insultado pela maneira como Relvas passa à frente de todos, impunemente. Isso é extremamente humilhante para milhões de portugueses.
Ao saberem concretamente que Relvas mentiu para subir, os portugueses ficaram a saber que o seu esforço não vale nada para os nossos governantes. E o esforço dos portugueses não é uma ideia abstracta, não é uma "telenovela" como dizes.
O esforço dos portugueses foi ter de abandonar a família para ir viver a milhares de quilómetros de distância durante décadas. É cagar sangue da fome que se tem. É cavar pedregulhos num ermo infértil até à tuberculose. É ir matar homens desconhecidos e arriscar a morte numa terra desconhecida.
E depois de anos e anos e anos deste esforço, que felizmente nem eu nem tu conhecemos, quem é que nos governa? O Relvas... Um energúmeno que não tem nada dele nem nada para dar ao país. Os seus tiques autoritários são, perante este insulto, quase um corolário.»
Claro que discordo da última frase que citei, porque inverto a ordem de importância do que ele fez (bem mais grave me pareceu a ameaça à jornalista).
Mas não é um caso de estudo a relação dos portugueses com Relvas. É um excelente sinal de que as pessoas reagem ao inadmissível.
Também tomei contacto com uma versão segundo a qual "quem manda naquilo" é o Ângelo Correia.
Por duas vias diferentes, curiosamente.
Tendo em conta os ataques que Ângelo fez ao seu pupilo (Passos Coelho) recentemente, a ser verdade, estaríamos perante uma pessoa particularmente hipócrita. Mas não seria a surpresa do século...
Eu defendi a demissão do Relvas na sequência das ameaças à jornalista. Que ele se tenha alimentado de informações SIS/SIED, não está provado, embora eu acredite nisso. Mas aí o maior escândalo é esses serviços servirem para o que servem, e provavelmente continuará com o próximo governo e o seguinte, porque o monstro está criado e serve a quem lá estiver.
E concordo com o resto do que tu e o Burnay escreveram.
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