domingo, 29 de março de 2009

Religião e pena de morte

Segundo algumas pessoas que conheço que foram católicas, uma das maiores fixações dos catequistas é convencer os catequizados de que a nossa vida não é nossa, «a Deus pertence». Recordei-me disto quando escrevi sobre a correlação entre países islâmicos (e ditaduras comunistas) e a aplicação da pena de morte. É que se a nossa vida não é nossa, mas de «Deus», não apenas se compreende que a eutanásia ou o suicídio sejam inaceitáveis (até crime...), como se entende que a pena de morte exista e seja aplicada. É que não existe ninguém melhor para interpretar a vontade de «Deus» do que o clero, e quando esse clero aplica a «lei divina» (ou «lei natural», como dizem às vezes), está certamente habilitado para retirar a vida em nome do seu verdadeiro possuidor: o «Deus» abraâmico dos catequistas e do Corão.

17 comentários :

JDC disse...

Ou seja, como os católicos acreditam que a vida não lhes pertence isso explica que nos países muçulmanos haja pena de morte...

Já agora, o que acha o Ricardo Alves do suicídio? Deveria ser legalizado?

Nuno Gaspar disse...

E porque é que não há pena de morte (ou é muito rara) em países maioritariamente católicos (ponto de interrogação). E porque é tão comum em países que rejeitam a religião como a China ou a Coreia do Norte (ponto de interrogação).

Ricardo Alves disse...

JDC,
não vejo diferença radical entre o catolicismo e o islão. Ambas as religiões insistem que quem nos dá a vida é «deus». E quem dá também tira...

«o que acha o Ricardo Alves do suicídio? Deveria ser legalizado?»

Em Portugal, país civilizado, a tentativa não é crime. No Irão, é crime, recusam enterrar o corpo, etc. Tire daí as suas conclusões.

Ricardo Alves disse...

«porque é que não há pena de morte (...) em países maioritariamente católicos»?

Porque esses países se laicizaram fortemente (por reacção).

Quanto às ditaduras comunistas asiáticas, é bem conhecido que colocam o colectivo muito acima do indivíduo. Tanto que o indivíduo é sacrificável.

Ricardo Alves disse...

E a ICAR continua a aceitar a pena de morte:

«§2267 O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.

Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana.»

http://catecismo-az.tripod.com/conteudo/a-z/p/pena.html

Anónimo disse...

Os EUA é um país comunista?Puta santa ignorância

Ricardo Alves disse...

Os EUA têm uma proporção de execuções reduzida comparativamente à população (ver o outro artigo). Embora, para uma democracia, ainda seja elevada...

Zeca Portuga disse...

A imbecilidade dos ateistas não tem limites:

Depois de se congratularem e lutarem pela imposição da pena de morte sem julgamento, sendo os carrascos pagos com o dinheiro dos nosso impostos, vêm agora com estas palermices de falsos moralistas.

Quem lutou pela reintrodução da pena de morte em Portugal nos últimos anos, não foram os ateistas?
Não a Igreja contra?
Quem pulou de contente sabendo que já executam mais de 27 000 bebés?

Hipocrisia é uma figura de estilo, quando queremos qualificar estes comportamentos.

Nuno Gaspar disse...

Ricardo,
"Porque esses países se laicizaram fortemente (por reacção)."

E porque é que os países islâmicos não se laicizaram ainda mais (por reacção)(ponto de interrogação).

E porque é que as ditaduras comunistas ateístas colocam o colectivo acima do indivíduo (ponto de interrogação).

Ricardo Alves disse...

«E porque é que os países islâmicos não se laicizaram ainda mais (por reacção)(ponto de interrogação).»

Falta-lhes: a) urbanização massiva da população; b) alfabetização de massas (fora das madraças).

«E porque é que as ditaduras comunistas ateístas colocam o colectivo acima do indivíduo (ponto de interrogação).»

O comunismo é assim. Nunca se tinha dado conta?

Nuno Gaspar disse...

Estou de acordo. O catolicismo (e o cristianismo) contribuiu para a alfabetização de massas e para a urbanidade da população e como coloca a vida humana individual como valor acima de quaisquer ideais colectivos as ditaduras comunistas ateístas têm dificuldade em coexistir com ele.

Por isso, pare de insinuar que o catolicismo é relacionável com a pena de morte. Será sempre dos mais ferozes defensores da sua abolição. E não vale a pena vasculhar curiosidades para tentar demonstrar o contrário.

Anónimo disse...

Caro Nuno Gaspar,

«Será sempre dos mais ferozes defensores da sua abolição. E não vale a pena vasculhar curiosidades para tentar demonstrar o contrário.»

Defensor da abolição não é de certeza como está bem patente no Catecismo. Ou considera que o Catecismo é uma "curiosidade"?

Pedro Fontela disse...

Nuno Gaspar,

Eu não me queria meter nesta conversa mas com comentários desses é complicado não o fazer....

1) A literacia não foi encorajada pelo catolicismos, antes pelo contrário. Daí que mantivesse sempre a ideia de distância do crente comum face aos textos fundadores. O Protestantismo sim encorajou quanto mais não seja porque necessitava de uma leitura individual por parte de cada pessoa.

2) A urbanidade durante grande parte da era cristã foi bem menor do que durante a era clássica daí que não vejo em que se poderia considerar como origem de urbanidade...

3) A vida humana não é um valor absoluto para o cristianismos (ou pelo menos para a maioria dos cristianismos), há valores "absolutos" que tomam precedência sobre isso. Para confirmação basta ver que existe uma teoria da guerra justa, uma teoria da jsutificação de violência por parte do estado, etc, etc.

4) A razão pela qual o Cristianismo (versão absolutista) se dá mal com outras ditaduras é porque ambas querem disputar o dominio absoluto sobre os cidadãos. No fundo são concorrentes e daí a impossibilidade de serem grandes amigos - mas mesmo isso não impediu a Igreja Ortodoxa de se conluiar com o PC russo em interesse próprio.

Anónimo disse...

Caro Pedro Fontela,

De resto, até à Reforma, a Bíblia estava escrita numa língua morta acessível a poucos.

E quanto às Universidades, onde durante séculos se ensinou o trívio/quadrívio sob orientação e administração religiosas, só foram reformadas muito tarde e não por iniciativa da Igreja.

Ricardo Alves disse...

Nuno Gaspar,
na era de maior poder da ICAR, nem as elites governantes sabiam ler e escrever. O início da alfabetização da Europa foi o início do declínio do catolicismo. Como o Pedro Fontela já disse, o protestantismo fomentou abertamente a alfabetização porque defendia que cada crente deveria ler a Bíblia, conhecê-la e interpretá-la. O catolicismo fazia o exacto contrário. Veja um mapa qualquer da alfabetização progressiva da Europa e verificará que foram os países «protestantes» a alfabetizar-se primeiro.

Quanto à urbanidade/ruralidade, o catolicismo ainda hoje é mais forte em meio rural, como uma simples viagem pelo país o ajudará a concluir.

O catolicismo não é individualista. Pelo contrário, é uma religião em que todos os actos importantes são colectivos, e vazios de sentido se não forem vividos em comunidade. Ao contrário do que acontece no protestantismo, por exemplo.

Sem dúvida que há semelhanças entre estalinismo e catolicismo, mas não me quero alargar mais.

Não considero o catecismo da ICAR uma «curiosidade» quando estamos a discutir o posicionamento da ICAR sobre a pena de morte.

Nuno Gaspar disse...

Para quem sempre viveu na cidade ou é filho da geração do êxodo rural dos anos 50-70 talvez não seja tão nítido. Não é preciso recuar muito no tempo nem buscar exemplos distantes. Em Portugal, as instituiçõs da Igreja Católica foram, para muita gente, a janela de oportunidade de acesso à educação e à cultura, sobretudo nos meios rurais, onde não existiam alternativas. Ainda são vivas muitas pessoas que o podem testemunhar, mesmo algumas que deixaram de ser crentes.

Zeca Portuga disse...

“Quanto à urbanidade/ruralidade, o catolicismo ainda hoje é mais forte em meio rural, como uma simples viagem pelo país o ajudará a concluir.”

Eis a prova que não percebe nada de sociologia (e até de antropologia, se não diria isso.

Se me disser que o catolicismo é mais forte no norte, de maior influência latina/ibérica, e menos forte no sul de maior influencia mozarabe.

“O início da alfabetização da Europa foi o início do declínio do catolicismo.” – outra grande bacorada. Aliás, o livro de referência da alfabetização (da chamada “galáxia Gutenberg”) até foi a Bíblia.

Nas sociedades medievais , a estrutura social reservada diferentes papeis para o clero, e a nobreza. Só o aparecimento da chamada “nobreza de toga” impôs a necessidade de saber ler e escrever. Até então, a nobreza é essencialmente “de espada”.

A alfabetização da Europa está ligada ao triunfo de ideias capitalistas (ou mesmo pré capitalistas), onde o homem passa a ser uma unidade de produção e tem que ter (de acordo com as suas funções) conhecimentos não exigiveis ao trabalhador rural ou indiferenciado. A pobreza é outro factor de atraso na alfabetização – a importância da mão-de-obra das crianças na economia familiar. Daí que as economias mais débeis, ainda hoje tenham esse problema.
Nada disso tem a ver com religião.

Já agora, fique sabendo( porque aprece que ninguém lhe diz estas coisas e você, como não sabe, inventa) que, o catolicismo sofreu algum revês com a revolução industrial, fruto da exploração humana. O homem da fábrica (o proletariado de Marx) não é propriamente um homem livre que pode gerir o seu tempo. Dai que tenha que pôr de lado a religião.

(agora tenho que sair, um dia conto-lhe mais umas coisas que você não sabe).