Perguntou se o princípio de igualdade se deve aplicar às famílias ou indivíduos. A resposta é simples: aos indivíduos.
Se umas famílias fossem discriminadas face a outras, a discriminação dos indivíduos seria óbvia. Não sendo esse o caso, ela é discutível - que foi o que escrevi.
Depois o João Miranda diz-me que não existem indivíduos do mesmo sexo, chamando-me à atenção para o lapso.
Eu fiquei espantando com a afirmação: desconhecia a existência de tantos sexos quantos indivíduos.
Depois usa um argumento muito interessante:
«As leis do casamento não discriminam indivíduos porque todos os indivíduos podem casar e as regras são iguais para todos. [...] Os homossexuais não podem casar com uma pessoa do mesmo sexo, mas os heterossexuais também não.»
Este argumento aparenta ser ridículo.
Mas será que do ponto de vista formal é um argumento sólido?
Certamente que é dos melhores que já vi serem usados.
Geralmente os argumentos usados para justificar a discriminação são piores.
Uma resposta intuitiva possível para este argumento corresponde a lembrar o caso da proibição de casamentos inter-raciais. A lei que proibia o casamento inter-racial aparentava, sob o ponto de vista do João Miranda, respeitar o princípio da igualdade - mas não deixava de ser uma lei racista.
Porquê?
Uma resposta formal ao argumento do João Miranda também responde a essa pergunta. Os argumentos estão expostos aqui. A leitura é morosa, mas acaba por dar razão à nossa intuição quando esta nos diz que o argumento do João Miranda não colhe.
PS- A leitura daquilo que o Ricardo Alves escreve aqui também nos dá umas pistas.
5 comentários :
Acho que está a dar ao argumento de Miranda mais profundidade do que realmente tem.
O argumento diz apenas que não é possível que «duas pessoas do mesmo sexo se casem» porque não é possível que «duas pessoas do mesmo sexo» existam, ou seja, que para o universo de pessoas com sexo, não é o caso que exista alguém com o «mesmo sexo» que outra. E essa posibilidade física aplica-se a todos sem descriminação. O argumento é redundante e trivial.
E é também, em certo sentido, desonesto: apesar de no enunciado haver uma premissa respeitante à legalidade (possibilidade social), este argumento visa apenas a natureza (a posssibilidade física). É só aparentemente que premissa e conclusão estão ligadas, pois o tipo de «descriminação» (jogo na duplicidade de adequação do conceito) aqui referida é do campo da possibilidade física, e não da ligalidade.
Resumindo, o arumento não colhe porque a conclusão não se segue da premissa explícita (sobre as leis de casamento) mas sim de uma premissa oculta (sobre a possibilidade física).
elishba:
Mas tem de convir que geralmente a argumentação é pior que esta que o João Miranda faz.
Posto isso, creio que tem razão. Qualquer justificação para não admitir que pessoas do mesmo sexo se casem (como em relação a raças diferentes) tem de estar fundamentado numa não-igualdade perante a lei (num caso em relação à orientação sexual, e noutro caso em relação à raça).
Só discordo que seja explícita. A desigualdade está implícita, mesmo que a nossa intuição a capte logo (por isso é que o argumento parece ridículo).
A forma de explicitar esta desigualdade que o Luís Grave Rodrigues encontrou foi a de lembrar o artigo da constituição segundo o qual qualquer um tem direito a formar família. O Ricardo Alves também tocou nesse ponto.
Mas só do ponto de vista forma a explicitação desta desigualdade tem interesse. Para todos esta desigualdade é óbvia, e por isso é que quase todos utilizam arguentos piores que este.
A generalidade das pessoas sabe que a lei é desigual, e tenta justificá-lo. A argumentação de que não é desigual é bastante original porque - creio eu - a motivação mais comum para defender esta discriminação é precisamente a vontade de que ela exista. Daí terem de recorrer a argumentos piores.
No geral evito discutir as motivações e centrar-me nos argumentos, mas agora aproveitei a deixa.
Filosoficamente o interessante argumento apresentado é um dos melhores para nos entreter a pensar durante alguns dias, mas não deixa de ser mau.
Já ouvi um argumento ridiculo que era o seguinte:
"Igualdade por igualdade apenas não deve ser defendida".
Como eu já disse e volto a dizer não há nenhum argumento válido para rejeitar a legalização do casamento entre homosexuais. E quem é contra ou é perconceituoso, assumido ou não, ou então não pensa.
Nos comentários do artigo do João Miranda encontra-se uma refutação formal também baseada neste assunto do casamento inter-racial:
«As três premissas:
1- Uma lei que proibe os casamentos inter-raciais é racista
2- Segundo o argumento do João Miranda, uma lei que proibe casamentos inter-raciais não viola o princípio da igualdade
3- Uma lei racista viola o princípio da igualdade.
Se aceitar estas três premissas, e a validade do ãrgumento do João Miranda, entra em contradição, pois conclui que uma lei viola e não viola o princípio da igualdade ao mesmo tempo.
Para não entrar em contradição E aceitar o argumento do João Miranda, tem de rejeitar uma destas premissas. Qual delas é?»
Ninguém foi capaz de disputar qualquer das premissas.
Para mim, a melhor resposta à incoerência deste senhor está aqui:
http://avenidacentral.blogspot.com/2008/10/ainda-o-casamento-civil.html
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