Não há como estudarmos o nosso «inimigo» ideológico para melhor o compreendermos (e nesse processo compreendermos também porque nos encontramos no campo oposto). Na sequência do aniversário póstumo do fascistóide Josemaría Escrivá (devidamente assinalado pelo Carlos Esperança), o bispo auxiliar de Lisboa, Carlos Azevedo, produziu uma homilia onde explica com sinceridade o pensamento do fundador do Opus Dei.
Tal como o entendo, o sistema totalitário que o Opus Dei constitui funciona entre dois pólos: humilhação e obediência. Pela humilhação, destroem-se ou controlam-se as vontades, prazeres, instintos e valores éticos que podem afastar a ovelha do rebanho; e assim, castrado e amansado, se prepara o cordeirinho para obedecer, tornando-o um instrumento fiel da organização e dos seus objectivos. A homilia de Carlos Azevedo começa por desdenhar dos evangelistas e do «conteúdo da pregação de Jesus», para logo chegar ao que realmente interessa nas lendas cristãs: «à tua palavra, obedecerei» (o autoritarismo típico das religiões abraâmicas é útil para construir organizações de prosélitos e de soldados). Ao longo da homilia repetem-se depois as exortações a «ser instrumento nas mãos do Pai», e termina-se a prometer até a «glória» aos que «entregam a vida intensamente a ser instrumentos da Obra de Deus». As palavras recorrentes no texto são «vontade», «instrumento», «entrega» e, curiosamente, «liberdade». Mas esta é uma liberdade muito especial: ou é a «libertação» da «lei, do pecado e da morte» (sendo que «pecado» é quase tudo o que vale a pena, e a «libertação da morte» uma banha da cobra) ou então é a «liberdade» de ser instrumento («a vida de filhos tão queridos é impelida, com autêntica liberdade a ser instrumento nas mãos do Pai»). O único agente com «vontade» ao longo de todo o texto é «Deus». A ovelha não tem vontade, e portanto não é realmente livre. A autoridade divina garante a submissão terrestre. É uma leitura esclarecedora.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
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