No Prós e Contras de ontem, ouvi Pacheco Pereira repetir a tese de que a laicidade dos EUA teria resultado do cristianismo evangélico, à época desconfiado da interferência do Estado nas igrejas. É verdade, mas é só meia verdade. A outra metade da verdade é que a laicidade fundacional dos EUA foi estabelecida por livres pensadores como Thomas Jefferson e James Madison, que teologicamente se encontravam no pólo oposto do cristianismo evangélico, pois pertenciam a igrejas protestantes liberais (como os quakers ou os unitários), ou não tinham qualquer prática religiosa. A laicidade dos EUA deveu-se, portanto, a uma confluência entre os que desconfiavam da interferência das igrejas no Estado e os que temiam a influência do Estado nas igrejas. De fora, ficaram aqueles que vinham da tradição das igrejas de Estado, caso dos anglicanos e dos católicos.
Pacheco Pereira terá também distinguido entre a fé profunda e impositiva de Bin Laden, e a fé profunda mas não impositiva de Bush. Em rigor, Bush é o presidente da História recente dos EUA que mais se tem esforçado por contornar a proibição constitucional ao apoio financeiro a comunidades religiosas (através das chamadas «faith-based initiatives»), e já referiu «Deus» mais vezes nos seus quase seis anos de poder do que os seis primeiros presidentes dos EUA na totalidade dos seus mandatos (muitas vezes contribuindo para envenenar com as suas crenças pessoais debates públicos sobre casamento ou investigação científica). Mas embora seja evidente que Bush é um ultraconservador que dirige uma democracia e que Bin Laden é um fanático que lidera um movimento islamo-fascista, não se combate um integrismo estrangeiro contemporizando com os fundamentalistas caseiros. Sem coerência, não há credibilidade.
[Também no Diário Ateísta.]
3 comentários :
De acordo.
Além disso, refira-se que nas suas primeiras décadas doe vida, os EUA não tinham uma religião oficial mas vários estados individuais tinham-na (sobretudo os da Nova Inglaterra - curiosamente, hoje em dia, talvez os estados mais seculares da União...)
Já agora, que tal uma vista de olhos pela secção 8 do artº 6 da Constituição da Carolina do Norte (o ponto em questão não é aplicado, mas está lá)
Não tive a oportunidade de ouvir Pacheco Pereira mas se assim é, o auto-intitulado historiador revela grande ignorância: Jefferson e os seus co-revolucionários basearam a constituição na secundarizaçõa do divino pelo humano; não sei se o senhor historiador se esqueceu ou se não sabe mas, independentemente das suas variadas confissões, os Pais-fundadores contavam entre si com um número tão grande de maçons que daria para formarem a sua própria Loja.
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