«P. Conta no seu livro como foi excisada, aos sete anos, "de surpresa": o clitóris "serrado" a sangue frio com uma lâmina velha enquanto três mulheres a seguravam, a dor, o sangue, o silêncio dos adultos. Quando é que alguém lhe explicou o que tinha acontecido e porquê?
R. Nunca. Ninguém me explicou porque, suponho, quem faz isso também não sabe porque o faz. E eu também não fiz perguntas. Mas quando começamos a investigar, quando se lê sobre isso e se fala com os "velhos", temos várias respostas: faz-se para que a rapariga possa chegar virgem ao casamento, para que a mulher seja fiel ao marido; outros dizem que é preciso tirar "aquilo" porque se o marido lhe tocar morre, ou então é o bebé ao nascer que pode morrer... A maioria dir-lhe-á que é feito para agradar ao marido. Em nome da honra e dignidade do homem. Para que a mulher não seja demasiado gulosa por sexo...
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P. Como vê, hoje, a atitude dos médicos que se calaram?
R. É o relativismo cultural, aquela ideia "É a cultura deles, não temos nada a ver com isso". Mas há cultura e cultura! A mutilação sexual feminina tem de ser vista no contexto dos direitos humanos. E aí não há cores nem culturas. Não se pode fazer discriminação em termos de direitos humanos, dizer que são só para alguns.
P. Mas são também as comunidades imigrantes que dizem: "vivemos aqui mas não queremos ser como vocês, não queremos adoptar os vossos valores". E aí há um conflito, como no caso da interdição do véu muçulmano nas escolas públicas francesas.
R. Eu sou muçulmana e não uso véu. No meu país não se usa. E acho que se deve respeitar o direito da escola. Se são essas as regras da escola laica, se eu a frequento devo respeitá-las. Tal como, se estou num país, tenho de respeitar os seus valores, adaptar-me. Claro que há conflitos. Mas penso que nos países em que os imigrantes não vivem todos ao molho, em gueto, as coisas funcionam melhor.
P. Que devem os países europeus fazer?
R. Não é essencial fazer leis específicas contra a excisão: creio que em nenhum lugar da Europa é permitido mutilar qualquer parte do corpo. O que é preciso é ter atenção a essa realidade. Por exemplo, em França, todas as crianças dos zero aos seis anos são examinadas, incluindo o sexo, nas consultas pediátricas, e tudo é anotado na ficha respectiva. E explica-se à família tudo o que há a explicar sobre a excisão em termos de saúde, sublinhando que é uma prática interdita, ilegal, e que se a criança aparecer excisada o médico será obrigado a comunicar o facto ao ministério público. Em França há mais de 30 processos por esse motivo. E na Suécia houve um processo contra um pai que fez excisar a filha de 13 anos na Somália.» (Diário de Notícias)
Ao contrário desta muito corajosa senhora, acho que é necessária, em Portugal, uma lei específica contra as mutilações genitais. Só assim se garantirá que o respeito pelos Direitos Humanos ficará acima do respeitinho pelas «culturas». E não basta criminalizar a mutilação genital feminina, feita em culturas africanas sobretudo islâmicas (mas também cristãs e animistas). É também necessário criminalizar a mutilação genital masculina feita em crianças, que é um mandamento religioso judaico e uma prática hedionda.
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