Outra coisa que chama a atenção é o ataque às susperstições locais de uma forma honesta, ou seja, reivindicando a sua incompatibilidade com as suspertições católicas, e nunca desde um ponto de vista de defesa de qualquer forma de racionalismo, o que também é revelador da inteligência institucional da Igreja Católica na África do Sul em não desperdiçar o precioso patrimônio de ignorância do seu povo: Esta práctica y estas creencias contradicen así las enseñanzas de la Iglesia sobre la curación. (...) La creencia que los antepasados están dotados de poderes sobrenaturales se acerca a la idolatría (...) Es Dios y solamente Dios quien es omnipotente, mientras que los antepasados son sus criaturas. Ellos pueden ayudarnos solamente intercediendo por nosotros. (...) Un comportamiento correcto cristiano consiste, en cambio, en ponerse en las manos de la Providencia.
###Mas quem ache que estou aqui a tentar formular uma simples acusação de racismo católico perante as religiões africanas próprias, que se desengane pois sei que que o próprio papa Bento, que por acaso nunca gostou demasiado dessas coisas inventadas pelo seu antecessor, acaba de escrever uma mensagem pelos 20 anos de um curso inter-religioso patrocinado pelo Vaticano, onde deixa claro o seu carinho pelas outras crenças ao mesmo tempo que reforça a chamada de não confundir amor com sexo: Mesmo quando nos encontramos juntos a rezar pela paz, é preciso que a oração se realize segundo aqueles caminhos distintos que são próprios das várias religiões (...) é importante não esquecer a atenção que então foi dada para que o encontro inter-religioso de oração não se prestasse a interpretações sincretistas, fundadas sobre uma concepção relativística. Ou seja, "se queres ser animista africano isso é lá contigo mas não venhas depois à igreja no domingo", todos juntos mas não rejuntos, e cada um a disfrutar no seu canto das suas "experiências espirituais específicas".
Me lembro agora de uma entrevista que uma vez vi na RTP, faz já alguns anos, a um radical alemão da extrema-direita, de visita a Portugal e amigo do le Pen, ou isso dizia ele (todos gostamos de contar vantagem na frente de uma câmara). O homem afirmava que não era racista, que não tinha nada contra os pretos, apenas achava que eles deviam ficar na sua terra. Dizia que isso não era racismo, era racialismo. E também me lembro sempre a propósito dessas coisas de uma entrevista que vi a Jorge Amado, onde o autor brasileiro dizia que o racismo era o mal de todos os nossos pecados (coisa típica de comunista à beira da morte esquecer-se da luta de classes), e que achava que a única salvação para a humanidade era o cruzamento de raças. Que fôssemos todos mulatos. Reconhecia que ia ser um pouco triste e aborrecido mas para ele era melhor que tanto sofrimento.
Ainda sobre o sexo também pude ler na Fide do Vaticano acerca de um informe sobre dois novos estudos, apresentados por Médicos Sem Fronteiras (MSF) na 16ª Conferência Internacional, realizada recentemente em Toronto, [que] demonstraram os bons resultados obtidos com o tratamento antiretroviral (ARV) em crianças contagiadas pelo HIV/AIDS em países pobres. Diz o informe (noticioso da Fide...): Em todo o mundo, estima-se em 2,3 milhões as crianças atingidas pelo HIV, e grande parte das quais estão na África sub-Saariana. Nove em cada dez crianças infectadas contraem o vírus da mãe, e isto ocorre porque os esforços de prevenção da transmissão permanecem insuficientes. Depois continua especificando que para o Vaticano prevenção de transmissão do vírus é só entre mãe e filho e é tratamento antiretoviral depois do filho nascer, ou seja, depois que a transmissão do vírus já ocorreu... não fosse alguém achar que se estava a falar de preservativos. Sempre a pensarmos no mesmo!!! (Pelo menos nisso nós e os cardeais somos parecidos.) A única hipótese de o Vaticano subscrever a proposta de Jorge Amado para miscigenação total da humanidade, e ao mesmo tempo talvez promover a genética, era que descobrissem como o fazer sem sexo e com a garantia de que os futuros engendros de tal experiência seriam cristãos rigorosos... e hermafroditas puros todos. Desconfio entretanto que neste caso a balança de sofrimento desequilibrava e o Jorge não aceitava.
Eu pela minha parte fico com Nietzsche: Considerem-se os seguintes sinais desses estados da sociedade, necessários de tempos a tempos, que são designados pela palavra "corrupção". Logo que a corrupção intervém em qualquer sítio, ganha força uma superstição de aspectos variados e empalidece e torna-se impotente a crença que todo o povo professava até então: a superstição é, com efeito, um pensar livre de segunda ordem. Quem a este se entrega, escolhe um certo número de formas e fórmulas que lhe convém e permite-se o direito de escolha. Comparado com o homem religioso, o supersticioso é muito mais "pessoa" do que aquele, e uma sociedade supersticiosa será aquela em que já há muitos individúos e apetência pelo individual. Considerada desta óptica, a superstição aparece sempre como um progresso em comparação com a fé e como sinal de que o intelecto se torna mais independente e quer afirmar o seu direito. Queixam-se então da corrupção os devotos da antiga religião e religiosidade - foram eles que até então determinaram o uso linguístico e desacreditaram a superstição mesmo entre os espíritos mais livres. Aprendamos que ela é um sintoma do iluminismo. (A Gaia Ciência - Nietzsche; I-23; Relógio d'Água, 1998)
Sabe-se que Jorge Amado, sendo ateu mas rigoroso baiano, gostava de regularmente ir aos cultos de candomblé de Salvador, celebrações máximas do sincretismo afro-cristão no Brasil. Muita gente nunca entendeu como desde o seu ateísmo ele era capaz de o fazer. Acontece que se para os negros e mulatos da Baía de Todos os Santos tudo aquilo estava diretamente ligado com a sua consciência e orgulho de raça, no caso de Jorge eu acho no entanto que ele sabia que algo de mais profundo estava também sendo celebrado por todos naqueles terreiros: a liberdade.
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