Fiquei muito contente com a sua maioria absoluta, com o governo que escolheu, e pensei que bons anos viriam.
Na altura via-o como uma mais-valia para o PS.
Hoje não.
Em primeiro lugar porque a fibra intelectual de Sócrates parece semelhante à que estou habituado a ver nos líderes do PSD - a suficiente para "liderar". Mas não mais que isso, e quando se lidera um governo, eu espero mais. Não espero apenas que seja capaz, tem de ser brilhante. Quero alguém bem mais inteligente que uma Manuela Ferreira Leite, e não alguém que quando discute os assuntos parece programado para repetir duas ou três «ideias chave» previamente decoradas (sabemos que a Manuela improvisa, é certo, mas também sabemos que cada vez que o faz se arrepende).
Em segundo lugar porque quero alguém em quem possa confiar. Alguém em relação a quem eu saiba que dá o seu melhor para ser honesto (sabemos que em política uma honestidade a 100% é impossível, mas pelo menos existe quem se esforce). Isto é algo que é raríssimo no PSD, e ainda mais no CDS. Mas não devia ser assim tão difícil no PS. E no entanto, quando começaram as difamações da direita a respeito do caso freeport o meu instinto foi acreditar nelas. Porquê? Porque José Sócrates assinou aqueles projectos. E eu prefiro acreditar que houve ali alguma desonestidadezita porque a alternativa, a incompetência atroz, seria pior. Não é de uma gravidade por ali além, e se isto tivesse acontecido a um líder do PSD eu limitar-me-ia a pensar "típico" sem dar grande importância ao assunto. Assim, isto desiludiu-me e quebrou alguma confiança.
Em terceiro lugar por causa da actuação política. As críticas do PSD sobre o "abuso de poder" de Sócrates são cómicas porque sabemos que quando no poder tentaram e fizeram bastante pior. Mas, são críticas que um PS na oposição teria feito ao primeiro ministro, e com muita razão em grande parte delas. E nisto também incluo alguma propaganda desastrada paga com dinheiros públicos. Sim, eu sei que o PSD fez pior, mas não deixa de ser uma desilusão.
Sócrates tem qualidades. Tenho razões para supor que é muito trabalhador, determinado, e até sensato. Acredito que esta sensatez leva-o a saber escolher quem deve ouvir com alguma sabedoria. Mas neste momento não o vejo como uma mais-valia para o PS. Posso agradecer-lhe (e muito) o ênfase que colocou na importância da ciência e tecnologia - algo que já vinha do Guterres mas sofreu um impulso decidido com Sócrates ao comando - mas quando votar vou votar pelo partido (como aliás deve ser) sentindo que Sócrates é uma menos-valia.
Se Sócrates me desiludiu, que pensar do PS?
Desiludiu-me também um pouco. Eu imaginava o PS como um partido que tinha um grande defeito e uma grande qualidade. O grande defeito é próprio dos partidos do bloco central: estar cheio de gente gananciosa cujos valores mais sagrados são o seu próprio sucesso individual. Infelizmente essa gente é como as traças e as melgas, voando incessantemte em roda dos partidos que possam governar, enquanto dominam as burocracias e o aparelhismo para subirem de posto em posto. A grande qualidade do PS era o pluralismo, o gosto pela liberdade, a sofisticação intelectual de quem compreende e sintetiza perspectivas diferentes e muitas vezes opostas de vários problemas.
Mas algumas iniciativas do PS pareceram contrárias a este espírito. Desde a lei do tabaco, o impedimento de se vender pão com mais de tanto sal, ou mesmo as ridículas leis contra os galheteiros ou as castanhas embrulhadas em páginas amarelas, com o culminar das leis da união de facto - essas e outras fizeram-me encarar o PS como um partido menos libertário do que aquilo que pensava.
Que sentido faz a JS lutar pela legalização da Cannabis, e depois compreender que as pessoas não possam comprar pão muito salgado? Que sentido faz em começar a discutir o suicídio assistido, enquanto se tira às pessoas a possibilidade de correrem o risco de comer castanhas embrulhadas em páginas amarelas?
O estado deve proteger-nos, sim. Mas quando nos começa a querer proteger de nós próprios já franzo o sobrolho. E gostaria que a esquerda tivesse esta atitude face a todas as leis e todos os problemas, e não apenas face às causas libertárias "tradicionais".
Por fim, outra desilusão que tive com o PS enquanto partido foi o facto de ser frouxo na luta contra a corrupção. Estamos no fim da sua primeira maioria absoluta, e a este nível está quase tudo na mesma. As mesmas derrapagens inconsequentes nas obras públicas, os mesmos altos responsáveis a ir trabalhar para grandes empresas com as quais negociaram enquanto governantes, ganhando depois salários chorudos, etc..
Estas foram as minhas desilusões. As minhas expectativas talvez fossem irrealisticamente altas.
Talvez fosse demasiado crítico e exigente para com um governo no qual não votei (estava em Londres), mas no qual teria votado se pudesse e a respeito do qual aconselhei muita gente a votar quando dava a minha opinião sobre o assunto.
Arrependido? Já tive os meus momentos, mas se colocar tudo em perspectiva, então não.
Em nenhuma das críticas que faço me parece que o PSD teria feito melhor. Mas o governo fez várias coisas positivas. Consegiu controlar as finanças públicas, consegiu diminuir significativamente a pobreza e a desigualdade. Estas duas coisas são tão relevantes que já teriam justificado o meu voto.
Mas também deu um impulso decidido à Ciência e Tecnologia, também fez uma aposta que se impunha - por razões económicas e ambientais - nas energias renováveis, também fez bastante pela celeridade da justiça, fez uma reforma muito inteligente na segurança social, etc... Muitas das medidas significaram problemas a curto prazo, e os benefícios apenas se sentirão no longo prazo, pelo que foram implementadas a custo de alguma popularidade, de piores resultados nestas eleições. E ainda assim foram tomadas. Existiu, diga-se, coragem.
Eu poderia ser ainda mais exigente com o governo, e dar o meu voto de protesto ao BE. Pensei fazê-lo durante parte significativa da legislatura.
Mas não vou votar em quem se mantém sem qualquer abertura para o compromisso. Se o BE estivesse disposto a coligar-se, quem sabe. Poderia fazer a experiência e votar na sua lista de deputados, para ver como é que o partido lidaria com a experiência do poder. Mas quero penalizar nas urnas esta incapacidade de comprometer o que quer que seja.
O seu projecto é, para mim e para muitos, demasiado radical. Se não estão dispostos a nenhum compromisso, perde o interesse. Para "voz descomprometida" basta um deputado.
O meu voto no PS vai acontecer porque nas legislatura que antecedeu Sócrates não foi desilusão que senti. Foi revolta.
Revolta pelo corrupção, mas também pela estupidez, pela tacanhês, pelo disparate.
Pela incompetência de Manuela Ferreira Leite enquanto ministra das finanças deste país, uma incompetência com uma dimensão tal que ainda estamos e estaremos a sofrer as suas consequências. Em todas as vendas, acordos e negócios o estado perdia tanto dinheiro, tanto património.
Antes fosse tudo corrupção, mas não era. Às vezes eram cortes cegos que impediam institutos de cumprir as suas obrigações contratuais, o que levava o estado a pagar indeminizações bem maiores que o corte. Incompetência atroz, muitos prejudicados, nenhum beneficiado.
O ministro da ciência e do ensino superior era conhecido de uma pessoa próxima. Quando contaram a esta pessoa a notícia, ela não acreditava, pensava que era uma brincadeira. Não acreditava que alguém a seu ver tão intelectualmente incapaz pudesse ser ministro de um governo da nação. E não escrevo "não acreditava" como força de expressão, refiro-me ao facto desta pessoa só ter acreditado quando viu a notícia ela própria na televisão. Ela realmente pensava que era uma brincadeira.
Poderiámos dizer que não é grave - há ministérios bem mais importantes. Mas a verdade é que este episódio é um sintoma e explica muita da incompetência gritante que se viveu na era Durão-Santana. Não vou escrever mais sobre as razões que me levaram a sentir uma enorme revolta face aos governos desta era. Nunca mais daqui saía.
Mas as sondagens actuais mostram que o risco de se voltar a esse disparate é real. Manuela Ferreira Leite no governo iria comprometer o crescimento, o desenvolvimento do país. Um governo PSD não traz boas perspectivas para o desenvolvimento de Portugal, quer no curto, médio ou longo prazo. Uma razão importante para votar PS é não querer correr esse risco.
Antes a desilusão que a revolta.
E quem sabe...