Para todos estes investimentos existem estudos custo-benefício que justificam a sua necessidade. Os estudos são públicos e disponíveis, e merecem um descrédito generalizado.
Existe a sensação de que ao invés da decisão política ser tomada tendo em conta estudos técnicos imparciais, e em grande medida em função das conclusões destes, acontece o contrário: a decisão política é tomada, e depois são encomendados estudos que a justifiquem.
Não sei até que ponto esta sensação corresponde à realidade, mas sei que quando passei os olhos pelo estudo que justificou a mudança da localização do aeroporto para Alcochete fiquei preocupado. Sempre idealizara esse tipo de estudos como algo extremamente complexo e detalhado dificilmente ao alcance de leigos. Ao invés, via meia dúzia de contas e estimativas de algibeira que poderiam perfeitamente variar consoante a conclusão que se pretendesse.
Assim, foi mais fácil dar crédito aos que dizem que as contas do TGV não entram em linha de conta com o novo aeroporto; e que as contas do aeroporto não entram em linha de conta com o TGV. Foi mais fácil acreditar nas previsões apocalípticas de um elefante branco gigantesco, cuja construção só se justifica devido a uma série de interesses instalados que vão lucrar com as previsíveis derrapagens.
Mas não completamente. A narrativa do grande descalabro que serão estes investimentos também tem as suas falhas, pequenos indícios que não batem certo com a história de horror que vai sendo repetida. No caso do TGV, um deles é a vontade da UE em patrocinar a construção das linhas de alta velocidade por todo o lado, pagando uma fatia significativa dos custos. Outro é o facto do governo espanhol estar disposto a pagar a sua parte da ligação Lisboa-Madrid, que alegadamente não nos daria lucro que justificasse o custo de oportunidade, pagando cerca do triplo daquilo que pagaríamos. E, geralmente, quando a narrativa é contada por algum simpatizante do PSD esbarra no facto dessas preocupações só terem surgido quando o PSD passou à oposição.
Assim, no geral, restam-me dúvidas. Tendo a ver com bons olhos a terceira ponte, que unirá as vias férreas do Norte ao Sul, permitindo o acesso das cargas do porto de Sines a Lisboa. Tendo a ver de forma positiva a ligação Lisboa-Madrid ou Porto-Vigo em alta velocidade.
Sou mais céptico quanto à ligação Lisboa-Porto, em relação à qual, se não estou em erro, seria possível com um quarto do investimento garantir viagens apenas 30 minutos mais demoradas que as do TGV. E neste momento parece-me que o problema do Alfa pendular é o preço e não o tempo (pode ser tão caro ir de Lisboa ao Porto de comboio como do Porto a Londres de avião). Tendo também a ser algo céptico em relação a algumas das auto-estradas planeadas. Continuo com várias dúvidas em relação ao aeroporto - isto não é um eufemismo para dizer que estou contra, são mesmo dúvidas.
Mas estas obras vão todas acontecer. Vão acontecer se o PS ganhar as eleições, e vão acontecer se o PSD ganhar as eleições.
É preciso não esquecer isto: nenhuma destas obras foi uma surpresa inventada por Sócrates. Todas elas estavam (ou foram) planeadas quando Manuela Ferreira Leite era ministra das finanças de Durão Barroso, e nenhuma delas foi cancelada por alegadamente "não ser rentável".
Aquilo que Manuela Ferreira Leite promete é adiar.
Ora eu posso ter algumas dúvidas se é boa ideia fazer estas obras. Mas não tenho qualquer dúvida que é um enorme erro adiá-las. Manuela Ferreira Leite foi uma péssima ministra das finanças, que contribuiu para alienar o nosso património e depauperar parte da riqueza do país, com a sua falta de capacidade de gestão e grosseira falta de visão. Parece não ter aprendido grande coisa entretanto.
Os diferentes organismos internacionais aconselham os diferentes governos de todo o mundo a anteciparem eventuais investimentos que tenham planeado. Não é por acaso. Durante esta crise é importante que os diferentes estados estimulem a procura; e com a taxa do BCE a bater mínimos históricos, se havia altura em que a dívida pública era um problema que poderia fazer repensar estes investimentos era antes da crise (incluindo durante o governo em que MFL participou) ou então depois dela ter acabado (para quando MFL pretende adiá-los...).
Assim, a decisão de adiar estes investimentos é de uma estupidez tão atroz que só pode ser justificada por eleitoralismo barato, e as suspeitas de que é essa a motivação do PSD são confirmadas pela retórica vaga e vazia contra os investimentos. Sem serem concretos a respeito de calendários, de alternativas, de quais os que são feitos já e quais os que ficam para depois, tentando criar confusão entre intenções de adiar (as que têm) e as de cancelar (as querem fazer parecer que têm) os ditos investimentos. Assim vão grangeando a simpatia daqueles que acham que «estamos a gastar demasiado em cimento», sem terem a decência de esclarecer que não querem gastar um tostão a menos. Vão gastá-los, só que simplesmente em pior altura.
6 comentários :
João Vasco,
Não sei se já deu para perceber isto ou não... (mas já tiveram obrigação disso) eu estou-me a borrifar para as tricas partidárias. Não tenho nada a ganhar em qualquer caso, nem quero ter. Se é isso que é insinuado pelo texto estás a léguas do alvo... (esquecia-me que estamos no reino das boas intenções e nada destas coisas têm alvo claro e muito menos segundas intenções :))
Isto tudo em nada responde ao que eu quero saber. Em que é que estes gastos enormes se enquadram numa estratégia de longo prazo por parte do Estado Português? Que a UE queira algo é "bom", que Espanha queira algo é "fenomenal" mas e depois? Isso não define necessariamente o nosso interesse nacional.
Que isto tudo seja feito independentemente do governo em funções quer apenas dizer que a esfera política em Portugal é débil ao ponto de não ter signficado. Além de ser deprimente e tornar todo o debate de cariz partidário supérfulo (senão mesmo patético) não vejo que respostas dê a qualquer cidadão que veja além do imediato.
«eu estou-me a borrifar para as tricas partidárias»
Pedro, espero que não seja tolo da minha parte assumir que não és a única pessoa que lê os meus textos.
Se este é um assunto que não te interessa, espero que não te sintas obrigado a ler. Mas gostaria de pensar que este texto pode interessar a outras pessoas.
«Em que é que estes gastos enormes se enquadram numa estratégia de longo prazo por parte do Estado Português?»
O problema Pedro Fontela não é não existir resposta para a tua pergunta. Só estando muito desatento é que se espera que essa pergunta não tenha resposta.
O problema é que existem inúmeras respostas para a tua pergunta.
Ou seja, uns apresentam desígnios nacionais e planos a longo prazo, e até estudos técnicos que justificam estes investimentos. Têm as respostas todas que tu procuras.
Mas outros dizem que as contas estão mal feitas, que os cenários apresentados são irrealistas por serem excessivamente optimistas, que os tais "desígnios" não passam de megalomanias que vão falhar.
Portanto, o problema quando muito seria saber em quem confiar, visto que é impossível ter o tempo e os meios necessários para avaliar os argumentos de cada uma das partes pelos seus próprios méritos.
«Que a UE queira algo é "bom", que Espanha queira algo é "fenomenal" mas e depois?»
Que a Espanha esteja disposta a gastar o triplo na mesma ligação a que me referia (Lisboa-Madrid), é um indício de que as previsões segundo as quais os lucros dessa linha não justificam os custos de oportunidade estão erradas.
É um mero indício, uma heurística. Pode ser que os governantes espanhois tenham mesmo feito um erro três vezes superior ao nosso.
Quanto à UE, o raciocínio é análogo.
«não vejo que respostas dê a qualquer cidadão que veja além do imediato»
Depende.
A mim mostrou que MFL não aprendeu grande coisa durante estes anos. E isso é relevante dada a dimensão da sua incompetência quando teve responsabilidades no Ministério das Finanças.
joão, o problema do alfa não é o preço ou o tempo (embora esses também sejam). é a linha: quando lá circulam composições lentas, existem uma velocidade máxima para as composições rápidas, ou, pelo menos, um espaço entre saídas de composições diversas muito difícil de harmonizar.
quanto à mudança do aerporto, nota que mudou de aeroporto de portugal para aeroporto de lisboa, graças a um documento anónimo, que ninguém sabe quem o pagou. isto, para mim, é a principal preocupação.
mas lá que as coisas têm que se fazer não há dúvidas; esperar 40 anos como pelo alqueva é simplesmente uma estupidez. e numa altura de desemprego crescente, com as taxas de juro a atingir mínimos históricos, faz-se a coisa combatendo o desemprego e pelo preço mais barato que se pode conseguir. como pode alguém pensar de forma diferente espanta-me. era difícil o psd estar pior!
Excelente artigo, João Vasco.
Faltou só dizeres qualquer coisa sobre a terceira auto-estrada Lisboa-Porto, que me parece um dos projectos mais difíceis de justificar...
Ricardo Carvalho:
Sobre o Alfa, quando referi "seria possível com um quarto do investimento garantir viagens apenas 30 minutos mais demoradas que as do TGV", estava a referir-me precisamente a lidar com o problema que referiste.
Estas contas não são minhas, mas foram amplamente divulgadas e nunca as vi desmentidas.
«quanto à mudança do aerporto, nota que mudou de aeroporto de portugal para aeroporto de lisboa, graças a um documento anónimo, que ninguém sabe quem o pagou. isto, para mim, é a principal preocupação.»
Entendo. Mas não devia ser a única. Pelo conrário, isto poderia permitir suspeitar de todo o processo.
Quanto ao resto, concordo a 110%.
Ricardo Alves:
«Tendo também a ser algo céptico em relação a algumas das auto-estradas planeadas.»
Não escrevi no texto, mas este cepticismo começa precisamente por essa auto-estrada em particular.
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