quarta-feira, 1 de julho de 2009

Burca e nicabe: a opinião de Catherine Kintzler

No texto recortado em baixo, destacam-se três razões possíveis para proibir a burca e o nicabe no espaço público: por ser um símbolo religioso ostensivo, por ser um instrumento de opressão das mulheres, e por «anonimizar» permanentemente quem o usa. A autora do texto aponta para esta última razão. No meu entender, todavia, a razão mais forte para proibir as burcas é mesmo o que fazem às mulheres: transformam-nas em sombras desidentificadas, obrigadas a esconderem a sua personalidade e a sua feminilidade. E não, não acredito que seja voluntário. A violência doméstica também é crime, mesmo quando não há queixa da vítima...
  • «(...) Il me semble impossible d'interdire burqa et voile intégral (niqab) dans l’espace civil au seul motif que ce sont des signes religieux. (...) Si on interdisait la burqa dans l'espace civil pour ce motif, il faudrait aussi y interdire le voile non intégral, la kippa, les croix, les phylactères, arracher les calvaires, faire taire les cloches, débaptiser bien des noms de lieux… ce qui reviendrait à abolir la liberté d’expression.

    (...)

    L’approche par la question de l’oppression des femmes semble plus solide du point de vue du débat de société et du débat idéologique. Nul doute qu’on doive s’en émouvoir : burqa et niqab sont en effet, si l’on peut dire, une exclusivité féminine, en l’occurrence une exclusivité excluante particulièrement choquante et ostensible. (...) Il sera en effet facile aux sectes concernées, comme aux bienpensants qui leur apportent souvent un appui, de trouver des porteuses de burqa et de niqab pour déclarer qu'elles affirment librement par là leur féminité et leur dignité. (...) Même si on peut penser à juste titre que cette infériorité et cette soumission crèvent les yeux de quiconque regarde une femme revêtue de ces accoutrements, le délit de déclaration illicite n’est pas pour autant constitué aux yeux de la loi. En revanche la question peut et doit déboucher sur un débat de société dans lequel il est nécessaire d’intervenir sans ambiguïté pour dire que ce port est une oppression, fût-elle revendiquée comme une liberté.

    ###

    (...) L’angle d'attaque le plus efficace est à mon avis la question du masque volontaire et permanent, destiné à dérober l’identité, à la cacher. Cette question n'est pas propre à la burqa et au voile intégral. Son avantage est qu'elle est générale, elle concerne la dissimulation volontaire d'identité, le fait de rendre impossible l'identification physique en dissimulant le visage. Il se peut que la proposition résulte d'une injonction particulièrement odieuse proférée à la deuxième personne « tu n'es personne et ce néant se montre par ton vêtement qui doit te nier », mais en tout cas son effet réel se conjugue à la troisième personne : « il (elle) n'est personne ». Il (elle) n'est jamais identifiable dans l'espace civil. Il apparaît alors, comme on va le voir dans un instant, que ce déni d’identité est en outre une manière d’abolir l’humanité – celle de l’intéressé(e) puisqu’on le (la) retire du commerce ordinaire entre les êtres humains, celle des autres puisqu’on leur indique qu’une personne peut ainsi devenir intouchable et inacessible.

    (...)

    A la non-identification, burqa et niqab ajoutent l’indifférenciation. Dans une émission télévisée, le député Jacques Myard parlait d’une dépersonnalisation. Imaginons que tout le monde porte le même masque, que nous soyons tous des éléments intrinsèquement indiscernables et réputés tels: ce ne serait plus un monde humain, ce serait une collection formée par de pures extériorités. Voilà ce que sont les femmes pour le sectarisme qui les raye de la visibilité ordinaire en leur imposant une visibilité de négation: une simple collection. En la personne d’une femme, c’est donc bien l’atome constitutif de l’humanité civile et politique, sujet, auteur et finalité du droit, qui est aboli: on ne voit plus, tache aveugle et aveuglante, que la trace noire de son effacement.

    Je suis donc favorable à l’interdiction du port de la burqa et du voile intégral dissimulant le visage dans tous lieux accessibles au public.

    * Non pas parce que ce sont des signes religieux, car la laïcité ne les interdit pas dans l’espace civil, l’abstention étant requise dans les seuls espaces relevant de l’autorité publique.
    * Pas seulement parce que ce sont des signes d’oppression et de soumission des femmes, car ce délit serait la plupart du temps impossible à établir clairement de manière explicite.
    * Il faut les interdire parce que ce sont des dénis d’identification publique qui procèdent à une dépersonnalisation négatrice de toute singularité.» (Catherine Kintzler no boletim da UFAL.)

8 comentários :

Nuno disse...

Parece-me evidente que o uso de burcas, lenços e quejandos constituem instrumentos opressivos em relação à mulher - e o seu uso não é, de todo, voluntário. No entanto, a medida anunciada parece-me também de duvidosa legalidade e eficiência. Imaginemos, por hipótese absurda, que o Estado passa a considerar que o uso de calças de ganga é opressivo? Terei, obrigatoriamente, de mudar a minha aparência? Obviamente, é um exemplo absurdo, mas a medida - tal como é apresentada - pode fazer surgir casos destes. Ou seja, o Estado passa a determinar quais as peças de roupa que, para além de adorno, assumem outras funções - e impede o seu uso. Por outro lado, esta medida vai ter um efeito pernicioso, ao invés de mudar mentalidades: quem usa burca, vai continuar a usar, mas vai também afastar-se da comunidade. Ou seja, vão-se isolar "em gueto" estas pessoas. Aliás, foi o que sucedeu em relação á proibição do véu: muitos miúdos deixaram de ir às escolas. Parece-me que, mais importante que estas medidas, seria incentivar o acesso à educação e às oportunidades sociais, como o emprego e acesso a serviços públicos. Isto sim, poderia fazer a diferença e fazer questionar velhos hábitos opressivos.

Marco Oliveira disse...

Ricardo,
O texto não aponta o facto da burca ser um símbolo religioso como motivo possível para a sua proibição. Pelo contrário. A autora afirma: "Il me semble impossible d'interdire burqa et voile intégral (niqab) dans l’espace civil au seul motif que ce sont des signes religieux." e ainda "Non pas parce que ce sont des signes religieux, car la laïcité ne les interdit pas dans l’espace civil".


Parece-me que se pode ainda levantar a questão social. Para nós no Ocidente, no nosso relacionamento com outras pessoas, é hábito ver a cara uns dos outros. Qualquer um de nós se sente desconfortável se outra pessoa de rosto tapado lhe dirige a palavra. Este é um valor cultural importante; e quem vive entre nós deve esforçar-se por o adoptar.

Zeca Portuga disse...

Nuno:

Parece-me evidente que o uso de burcas, lenços e quejandos constituem instrumentos opressivos em relação à mulher - e o seu uso não é, de todo, voluntário. - não é assim tão linear.

Eu conheço árabes há muito tempo. Lido com eles com muita faciliade. Aliás, continuo a estudar árabe com árabes: um saudita e um marroquino.

Conheço mulheres arabes, completamente independentes, que recusaram grandes oportunidades por exigirem que tomassem tais atitudes.

O caso mas evidente disso: Uma argelina casada com um português divorciou-se por ele exigir que ela usasse roupas ocidentais. O divórico é algoi de grave apra oa muçulmanos, mas mais grave é investir contra a sua cultura.

Também eu concordo que há outras formas de lidar com a situção e esta não é a melhor.

Ifelizmente, no que ao mundo islâmico diz respeito, a França e a Alemanha são tão fundamentalistas como os talibâs.

Ricardo Alves disse...

Nuno,
não há pais do mundo (que eu saiba) em que o uso de calças de ganga seja imposto pela polícia ou pela milícia, sob pena de espancamento - e no entanto é mesmo isso que se passa no Irão, por exemplo. Também não país nenhum do mundo em que autoridades religiosas condenem quem não usa calças de ganga (novamente, que eu saiba...). A diferença é essa. O véu não é um mero símbolo. É um instrumento de opressão das mulheres. E não podemos «emburcar-nos» e não vermos que o é.

Quanto às consequências da lei de 2004, a verdade, é que na altura o número de alunas excluídas da escola andou pela meia centena. O que não é impressionante, tendo em conta o elevado número de muçulmanas nas escolas francesas.

Ricardo Alves disse...

Marco,
a autora do texto é exactamente da opinião de que a burca e o nicabe devem ser proibidos por «anonimizarem» as mulheres, não por serem símbolos religiosos. Como dizes, estamos habituados a ver a cara das pessoas com quem interagimos - o que inclui as pessoas com quem nos cruzamos nas ruas.

Nuno disse...

Caro Ricardo,
O exemplo das calças de ganga era, como sublinhei, absurdo. Pretendi apenas ilustrar a possibilidade de se abrir a porta para a arbitrariedade: não acho que deva ser o Estado a definir o que constitui vestimenta "opressiva".

Quanto ao abandono escolar, veja-se o exemplo dos sikhs e os casos relatados de expulsão de escolas. Não sei se o número é significativo, mas bastará um aluno para achar que há, aqui, um acto de disriminação institucional grave.

E se voltarmos uns anos atrás, o Estado Português também não via com bons olhos o uso de minisaia - e também justificavam essa teoria. É a defesa de uma pretensa moralidade como esta que temo possa vir a seguir-se à batalha francesa "contra" a opressão feminina veiculada pelo vestuário.

Ricardo Alves disse...

Nuno,
em primeiro lugar proibir a mini-saia e proibir a burca não é a mesma coisa. As mulheres usam a mini-saia porque querem, a burca porque são obrigadas pelos homens da sua comunidade. Proibir a mini-saia era puritanismo. Obrigar as mulheres a andar de burca é também puritanismo. A primeira era proibida em nome do conservadorismo, talvez religioso. A segunda é imposta em nome do conservadorismo, também religioso, e proibida em nome da igualdade entre mulheres e homens e da sociabilidade no espaço público (reconhecer com quem nos cruzamos).

Quanto ao abandono escolar, saíram, quando foi imposta a lei do véu, quarenta e quatro raparigas. E três ou quatro rapazes sikh. Que tiveram as possibilidades de ir para escolas privadas, estudar em casa ou fazer exames enquanto alunos externos.

Miguel Madeira disse...

"Nuno,
não há pais do mundo (que eu saiba) em que o uso de calças de ganga seja imposto pela polícia ou pela milícia, sob pena de espancamento - e no entanto é mesmo isso que se passa no Irão, por exemplo. Também não país nenhum do mundo em que autoridades religiosas condenem quem não usa calças de ganga (novamente, que eu saiba...). A diferença é essa."

Então, vamos mudar o exemplo: uma lei proibindo os homens de usar barba.