Anuncia-se a constituição de um novo partido político, que se apresenta como «nacionalista moderado e democrata». O eufemismo «nacionalista» é usado em Portugal pelos que se reclamam, em privado ou no anonimato da internet, do fascismo.
Temos, portanto, uma espécie de «ala esquerda» da extrema-direita, formada por aqueles que Manuel Monteiro impediu de tomarem o PND por dentro. E que reclama o nome de «Partido da Liberdade». Qual liberdade? A única liberdade que realmente existe, a de cada indivíduo se auto-determinar, tomar as decisões que apenas o afectam a si próprio sem coacção do Estado e de outros colectivos (família, igrejas, partidos, empresas...)? Os «Princípios Programáticos» explicam: a «PÁTRIA» é o «VALOR SUPREMO» (as maiúsculas são do original), não a liberdade (sempre em minúsculas no original); existe uma «MATRIZ CRISTû na Europa (mais maiúsculas), e «rejeitam-se»(sic) «cultos alheios a essa matriz», sendo portanto de presumir que põem em causa a liberdade de culto; finalmente, o «primado do indivíduo» é «rejeitado» pois este deve submeter-se aos «interesses e valores da Família». Quanto a liberdade, ficamos entendidos.
Refira-se ainda que são contra a imigração em geral, contra a adesão da Turquia à UE, e pela nacionalidade baseada no jus sanguinis (ou seja, os canadianos de terceira geração netos de portugueses seriam portugueses, os netos de cabo-verdianos que vieram para Portugal seriam estrangeiros). E falam imenso de «pátria» e «identidade nacional». É delicioso. A época está boa para os oxímoros: «liberdade» sem liberdade de culto e em submissão à família e à «pátria»; «nacionalismo democrático». «Escravatura é liberdade»?
17 comentários :
À primeira vista estou disponível para integrar este partido.
"O eufemismo «nacionalista» é usado em Portugal pelos que se reclamam, em privado ou no anonimato da internet, do fascismo.”
Pela mesma generalização, os que se dizem de esquerda são Stalinistas e Marxistas, defensores do regime soviético e chinês!
“A única liberdade que realmente existe, a de cada indivíduo se auto-determinar…”
Ou há aqui um erro de gramática, ou estamos a falar de libertinagem e não de liberdade. È que a liberdade tem que ser exercida dentro de parâmetros, e não resulta exclusivamente do livre arbítrio do agente. Cada um não pode fazer o que lhe apetece.
Também eu sou pela Pátria – sou nacionalistas. Ninguém, se for sério, pode negar a matriz cristã da nossa cultura.
Ora, a célula social base é a família e não o indivíduo. A sociedade é “o colectivo”, onde o individual se dilui.
Eu sou contra a União Europeia (sou a favor da Comunidade e não da União).
Também eu acho que filhos de estrangeiros são estrangeiros, seja na segunda ou na quinta geração. Uma coisa é viverem cá, outra cosia é serem cidadãos portugueses.
Ora, comungo, no essencial, com as ideias do partido – só falta dizerem que não excluem a monarquia.
Ricardo,
Mais do mesmo... como o PS e PSD precisam destes grupelhos para parecerem razoaveis vão toleando a sua existência - se a coisa fugir ao seu controlo vão-se arrepender amargamente e quem andar por cá nessa altura deve responsabiliza-los. Os principios deles são sempre iguais, Estado Novo restaurado (mais treta menos treta) e a liberdade é sempre algo que só serve para decorar páginas porque na realidade não permitiriam qualquer autonomia às pessoas de tomarem escolhas que só a elas dizem respeito - sempre com o eufemismo dos "parametros" que devem reger o exercicio da liberdade mas que no fundo servem apenas para a sufocar já que a restrigem tanto que o conceito perde qualquer significado.
Tirando isto que já disse só se pode acrescentar que isto é mais um sinal da falta de vigor do nosso sistema político que até já muletas totalitárias precisa para manter uma aparência de normalidade.
Pedro Fontela:
Com que base é que um partido destes poderia ser proibido?
Nada daquilo que o Ricardo relatou me parece dar qualquer pretexto para qualquer possibilidade de proibir esse partido.
Por isso acho muito bem que tolerem a existência deste partido - é isso que nos faz diferentes deles, aliás. É essa mesma a superioridade das ideias democráticas. Dar-lhes a eles a possibilidade de exprimirem e defenderem ideias, como eles nunca nos dariam a nós.
Mas pelo menos poderemos sempre apontar o ridículo das suas ideias e a alienação patente nos seus valores distorcidos e contraditórios.
Todas as crises têm abutres.
João Vasco,
Eu acho que essa tolerância da intolerância só pode acabar mal, muito mal. Aliás historicamente sempre seguimos esse modelo um pouco por todo o lado na Europa e resultou em desgraças sem fim – é uma medida, que ao dar rédea solta aos seus priores inimigos, que a médio prazo é um suicídio de qualquer sociedade liberal. A única forma de se achar que não há risco é ter uma confiança cega nas escolhas populares (negar a capacidade de uma sociedade se autodestruir), eu não tenho esse optimismo, nem acho que ninguém que olhe para a nossa história o possa fazer.
Francisco Burnay,
Sem dúvida que sim, mas quem é que está a alimentar estas "aves"?
"A única forma de se achar que não há risco é ter uma confiança cega nas escolhas populares (negar a capacidade de uma sociedade se autodestruir), eu não tenho esse optimismo, nem acho que ninguém que olhe para a nossa história o possa fazer."
Apesar de verdade, este espírito não é muito democrático... Nas situações em que a sociedade, de facto, toma decisões erradas, quem tem legitimidade para apontar o erro? Quem tem legitimidade para dizer que está certo? É que não basta ter muitas certezas, isso todos têm...
«Aliás historicamente sempre seguimos esse modelo um pouco por todo o lado na Europa e resultou em desgraças sem fim»
Não me parece que o problema tenha sido a tolerância. Parece-me que o problema foi o oposto.
A única solução é mesmo a firmeza na defesa dos valores democráticos, e isso é precisamente contrário a calar um tipo de discurso apenas porque soa desagradável.
Se existisse um apelo explícito à xenofobia ou ao racismo, aí este debate seria difícil. Mas sendo apenas a defesa da "pátria" e "família" e as patacoadas da liberdade que afinal não passa de opressão, eles que falem - e nós que denunciemos o ridícilo das suas ideias. Calá-los à força é que me parece errado.
Caro Pedro Fontela,
Quem alimenta as aves são os que se deixam cair e que mais facilmente esquecem o valor da democracia.
Estes partidos vivem do medo, do desespero e do sentimento de insegurança de uma parte do eleitorado - não admirem que os alimentem. Mas a ignorância democrática desse eleitorado é o que lhes permite fazerem as afirmações que fazem e defenderem contraditoriamente, em democracia, ideias opostas à democracia.
O ponto fraco destas ideias é o contrastarem de forma tão óbvia com os ideais democráticos. Se as pessoas compreenderem bem o que significa viver em Democracia, estes partidos nunca irão a lado nenhum.
JCD,
Admito que o espírito possa não ser muito democrático mas a democracia é apenas um meio e não um fim em si mesma, no fundo queremos todos apenas um sistema que maximize a justiça ao mesmo tempo que salvaguarda a nossa individualidade (e não apenas num sentido estritamente formal sem olhar para os desenvolvimentos sociais e económicos no terreno). Há coisas que são intrinsecamente erradas por atentarem contra a mais básica autonomia humana e nem sempre tais acções serão condenadas por meios puramente democráticos.
João Vasco,
A questão não é o discurso ser desagradável, é ser perigoso. Quando falo em problemas a nível europeu que começaram da mesma forma estou a pensar no século XX, a República de Weimar e as atitudes europeias lideradas pela diplomacia à la Chamberlain. Falhou uma resposta clara às ameaças postas por movimentos totalitários legais dentro do seio das democracias ocidentais – o cenário é o mesmo mas sem uma bancarrota, por enquanto.
A melhor resposta é tratar a intolerância como algo que não tem lugar num sistema político funcional. O argumento a verdade necessariamente emerge aos olhos do público após debate alargado de todos os lados é falsa, a demagogia vence regularmente a honestidade, o medo a coragem e os bodes expiatórios são mais agradáveis do que ter que admitir os nossos próprios erros e limitações. O resto parecem-me noções um pouco românticas sobre a natureza humana.
Francisco Burnay,
Eu estou 100% de acordo com a parte em que diz que o mantém vivos estes partidos é o medo e a ignorância! Mas como disse ao João Vasco não acredito que num debate público a verdade seja necessariamente o critério mais usado na decisão popular (especialmente nas épocas de transição e conturbações como o foi na emergência dos movimentos fascistas). E mesmo a questão da “educação” tem que se lhe diga… há 200 anos que o iluminismo prometeu eliminar muitos traços aberrantes do comportamento humano recorrendo à educação das “massas”, progressos foram feitos (muito significativos) mas a própria natureza humana não pode ser tão facilmente alterada, e mais uma vez recorrendo aos exemplos dos anos 30 (peço desculpa pelo abuso dos exemplos deste período mas realmente não há melhor situação de estudo) eu não considero que a nossa sociedade seja particularmente mais instruída que a da Alemanha desse período e veja onde isso acabou.
Quando Obama cumpriu a sua promessa e decidiu fechar Guantanamo, foi uma vitória de todos. E foi-o porque em grande medida foi um discurso análogo a esse que foi derrotado. Um alegado "realismo" que se opunha a um "idealismo ingénuo" na voz dos seus defensores. A ideia de que para proteger a "liberdade" é preciso sacrificá-la um pouco.
Eu não vejo como ingénua a negação desse discurso. Parece-me mais ameaçador para a democracia que se proiba um partido sem ter razões muito claras - algum crime, por exemplo - do que meia dúzia de miúdos (ou adultos com 12 anos de idade mental) a defender a «PÁTRIA» enquanto «VALOR SUPREMO».
Quanto ao que aconteceu no passado, a culpa não foi desses partidos não terem sido ilegalizados - nunca deveriam ter sido. A culpa foi dessas ideias terem sido aceites. Cabe a nós evitar que isso volte a acontecer, mas não pela força. Porque acima de tudo é isso que está em causa - que não seja pela força. Em grande medida, a liberdade é isso.
Caro Pedro Fontela,
Não há discursos perigosos. Há pessoas perigosas. E a partir do momento em que fazem algo de perigoso é perfeitamente legítimo impedi-las e puni-las pelas suas acções. Até lá, têm o direito de dizer o que pensam.
E quanto à educação não se trata de indoutrinação. Hoje em dia ninguém na Europa consegue defender que apenas os homens têm direito a votar - as pessoas, e neste caso as mulheres, reconhecem claramente os seus direitos. Isso já é uma compreensão natural na sociedade.
A 2ª Guerra foi há pouco mais de 50 anos - é preciso trabalhar mais para que as gerações futuras consigam perceber a importância da manutenção das instituições democráticas de uma forma mais natural. Ainda hoje há tantas conquistas a fazer...
Entretanto há que combater esse medo e essa ignorância - e usar o que se aprendeu com o que começou nos anos 30 como bem exemplifica. Fazer as pessoas reconhecer que quem está contra a democracia não está está do lado delas.
A lei dos partidos políticos proíbe os partidos fascistas:
http://www.laicidade.org/wp-content/uploads/2008/01/lei-2-2003-08-22.pdf
(Ver os artigos 8º e 18º.) Daí estes não se assumirem como tal.
Se a lei o deve fazer, é outra questão. Eu não tenho dúvidas de que deve proibir as paramilitares - e não há partido fascista sem a sua milícia, como se vê no caso das relações do PNR com a FN/skins.
« Eu não tenho dúvidas de que deve proibir as paramilitares »
Nem vejo como possa haver dúvida.
E se não forem impostas ideias pela força, até existe outra legitimidade na proibição da violência como forma de impôr ideias.
João Vasco E Francisco Burnay,
A vossa opinião entra no dominio da crença :) Ou eu partilhava a vossa fé messianica no progresso humano e como tal na incapacidade de repetir erros ou tinha que discordar. Neste caso discordamos mesmo, não pelas ideias que se defendem mas pela analise da realidade em que vivemos.
Pode ser um partido anti-ateu, lá isso pode! Mas, tem toda a liberdade de o ser.
Caro Pedro Fontela,
Uma opinião não é uma forma de fé. Ninguém disse que eu ou o João Vasco tínhamos uma fé messiânica no progresso humano.
E quanto à liberdade, tenho para comigo que combater ideias proibindo partidos de as integrarem no seu corpo filosófico se opõe à minha noção de democracia. E, de uma perspectiva mais prosaica, combater ideias como se fossem pessoas ou crimes não só é inútil como contraproducente.
Francisco Burnay,
Olhe que o comentário era para ter um toque de humor :) De facto discordamos muito quanto à melhor forma de preservar o nosso grau de liberdade.
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