sábado, 21 de fevereiro de 2009

Vem aí a «desestruturação»!

Os bispos portugueses da ICAR publicaram o seu mui aguardado documento teórico sobre o casamento entre homossexuais.

Essencialmente, dizem-nos que o casamento «desestrutura» a sociedade. Ou seja, pessoas do mesmo sexo poderem casar-se, assumirem jurídicamente deveres mútuos, comprometerem-se a sustentarem-se um ao outro, a partilharem propriedades e dificuldades, seria «desestruturante». Curiosamente, sempre pensei o contrário: que a assunção de deveres e responsabilidades seria estruturante, sinal de maturidade e integridade. Os bispos discordam.

Porquê? Aparentemente, porque acham que a «base antropológica da família» seria a «complementaridade dos sexos». Bom, enganaram-se no adjectivo e num substantivo: suponho que queriam dizer que a base biológica da reprodução é a procriação sexuada. Ou seja, só há reprodução com um espermatozóide (macho) e um óvulo (fêmea). Mas os bispos não gostam de ciêncas da natureza. E por isso divagam e atribuem à antropologia o que é da biologia. Porque, antropologicamente, já houve de tudo. Desde haréns com um macho dominante, até filhos criados comunitariamente pela mãe, irmãs e avós, passando pela mulher propriedade do homem, até ao actual casal igualitário. Querem proibir mais uma variação, na era da procriação assistida e das famílias recompostas? Ridículo.

Note-se também que não explicam como é que a existência de mais um tipo de família iria «desestruturar» os outros tipos de família. Se os vizinhos gueis do 2º esquerdo se casarem, os heterossexuais do terceiro andar vão divorciar-se? Não se entende a relação.

Finalmente, os senhores bispos acham que fazer uma lei é «alterar» a «antropologia». Que exagero. As pessoas fazem o que querem. Cada vez se reconhece mais que é assim que deve ser. São as alterações no modo como as pessoas vivem que levam a alterações legais. Pretender que as leis impeçam as alterações sociais é segurar uma inundação com as mãos. E é isso que os bispos parecem querer fazer. E se deixassem as pessoas escolher?

8 comentários :

Filipe Castro disse...

Isto saíu para aí há 10 anos no Economist: http://www.economist.com/opinion/displaystory.cfm?story_id=2515389

:o)

Oppenheimer disse...

Excelente texto, Ricardo.

Helena disse...

Caro Filipe Castro,

Esse texto é excelente e, para mim, sumariza bem o problema quando conclui:

«In the end, leaving aside (as secular governments should) objections that may be held by particular religions, the case against homosexual marriage is this: people are unaccustomed to it. It is strange and radical.»

E na minha opinião, as objecções das religiões também se resumem a medo, incompreensão e manutenção da tradição de não querer compreender e de temor do "anormal".

Anónimo disse...

Oops... O último comentário é meu - não reparei que havia um login...

Ricardo Alves disse...

«Helena», Francisco? ;)

Zeca Portuga disse...

“Aparentemente, porque acham que a «base antropológica da família» seria a «complementaridade dos sexos». Bom, enganaram-se no adjectivo e num substantivo.”

Grande calinada sua Ricardo!

A antropologia cultural estuda exactamente o Homem como produtor e produto da sociedade, nos seus diversos aspectos: sociologia, etnologia, psicologia social, a produção cultural, a religiosidade, etc.

E, a antropologia cultural insere o Homem numa sociedade concreta, onde as praticas sociais e culturais têm uma esfera restrita de acção e um universo de valores determinando – dai que se diga que o homem é um actor social. Ora, esse actor social tem um papel no palco da vida comunitária, onde não se pode opor aos seus valores, às práticas culturais e sociais, à sua etnologia, ao seu folclore, à sua História, etc.

E, as famílias são unidades de reprodução social e cultural, com um importantíssimo papel na estabilidade da sociedade, no bem-estar, na gestão de conflitos (paz social) – é aqui que os Bispos têm toda a razão.

Evidentemente que estas práticas sociais e culturais variam de espaço para espaço, de sociedade para sociedade, de acordo com o substrato cultural e os valores que estão subjacentes a cada povo em seu território.
Em sociedades tradicionais de África (por exemplo), o casamento tem uma importância económica e cultural diferente das sociedades ocidentais; entre os povos árabes tem um estatuto social e uma esfera valorativa diferente da acidental e da africana…
(por Isso D. José Policarpo alertou para o problema de choque de culturas no casamento)

Mas, em todos os casos, o casamento é a base antropológica da família e a célula de reprodução social e valorativa por excelência (quase exclusiva). Dai a sabedoria popular: “quem sai aos seus não degenera”; “tal pai tal filho”; “filho de peixe sabe nadar”, etc.

O casamento é um instituto social, civilizacional e cultural de extrema importância. Para a visão curta dos ateístas, é apenas um contrato – ESTÃO, ALARMENTEMENTE, ERRADOS!!!

Tão errados quanto dizer:” São as alterações no modo como as pessoas vivem que levam a alterações legais.” Fico preocupado porque há lugares em que as pessoas vivem exclusivamente do crime, e os ateístas defendem, não contenção doa actos mas sim a alteração da lei!!!

Zeca Portuga disse...

Continua no meu blog...

Filipe Castro disse...

Zeca: não escreva tantas asneiras :o)

Se acreditássemos nos prognósticos da ICAR o mundo já tinha acabado umas 250 vezes: a pílula, as mini-saias, as mulheres a fumarem...

E é o contrário: quanto menos eles mandam mais felizes vivemos todos!

Façamos votos para que os bispos se mantenham vigilantes com a pedofilia e o anti-semitismo na organização, e deixem os homossexuais em paz.

:o)