Ter dado, em 2012, o Nobel da Paz à UE, quando as instituições europeias revelam o pior da sua disfuncionalidade, e ao longo dos últimos anos - principalmente nos últimos dias - se têm preparado para repetir na Grécia os erros de Versalhes, parece o cúmulo da falta de oportunidade.
Quase que parece uma tentativa deliberada de descredibilizar o prémio.
Mas vale a pena sobre o assunto.
Esqueçamos 2012 e pensemos em abstracto: a UE merece o Nobel da Paz?
O comité Nobel afirmou que a UE mereceu o prémio «pelos seus esforços, ao longo de seis décadas, em prol da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.»
A ideia não é nova: há muitos anos que oiço falar no mérito do projecto europeu como sendo algo que evitou guerras na Europa nas últimas décadas. Parece-me que poucos na minha geração compreendem o alcance desta afirmação.
Para muitas pessoas da minha geração, a paz é algo que tomamos por garantido. Mesmo que não o formulemos intelectualmente desta forma, nós "sentimos" que a guerra é uma coisa do passado, ou que acontece "lá fora", e este sentimento é tão constante que nem nos apercebemos da sua presença.
Mais, sabemos que têm existido guerras em território europeu, mesmo que não no território da UE.
E, em parte porque inconscientemente quase que damos a paz cá dentro por garantida, não vemos esse como um importante objectivo da UE: a União Europeia é geralmente vista como uma via para para promover o desenvolvimento, para aceder a uma "prosperidade partilhada", para promover o "bem-estar".
Muitos alemães, belgas, finlandeses, portugueses, etc. sentem que vale a pena estar na UE porque serão beneficiados economicamente com essa pertença.
De alguma forma, este é um enquadramento mental muito menos propício à cooperação, mas mais propício à mesquinhez e ao egoísmo. Quando coopero com um amigo com um objectivo comum tenho uma atitude mental que não é a mesma que aquela que tenho quando negoceio com um desconhecido. Quando a incerteza face aos riscos e benefícios de diferentes medidas é maior, mais paralisante pode ser a desconfiança e o egoísmo, e mais comuns podem ser as perdas via "dilema do prisioneiro".
A ironia é tremenda: obcecados com os benefícios económicos, os países acabam por ser levados a uma postura não cooperativa que se materializa em tremendos prejuízos económicos para todos.
Tome-se como exemplo a forma como a UE reagiu à crise de 2008, para ter uma noção dos danos que o egoísmo e a mesquinhez podem provocar.
Mesmo que seja possível encarar tudo o que se tem passado como uma vitória do sector financeiro e dos mais poderosos, que têm conseguido impor a sua agenda e acentuar as desigualdades instigando egoísmos e ressentimentos nacionais, parece-me claro que as populações e os seus representantes se tornam mais susceptíveis a esta manipulação quando lhes é natural olhar para a UE como uma instituição que serve para providenciar benefícios económicos. Por mais que a «solidariedade entre os povos» esteja nos tratados, nunca deixará de ser letra morta enquanto o enquadramento mental for este (um exemplo).
Não parece fácil pensar num enquadramento mental alternativo que seja tão naturalmente aceite.
A minha geração não viveu a segunda guerra mundial, e muito menos as quase constantes guerras que a antecederam. A minha geração não tem noção da anormalidade que constitui a paz que temos vivido. Infelizmente, muitas vezes não damos o devido valor ao que temos por garantido. E esse erro pode ser muito mais grave quando temos por garantido algo que não o é.
Será preciso viver a guerra para compreender quão valiosa é a paz?
Neste ponto do texto tenho de pedir uns dezoito minutos ao leitor para ver esta animação.
Eu espero que não: que não seja preciso viver a guerra para compreender o valor da paz.
Com isto eu não quero dizer que a UE mereceu o Nobel.
Saber se a paz que temos vivido é em maior ou menor medida construída à custa da colaboração com uma potência hegemónica e o seu complexo militar-industrial, a qual tem projectado o seu poder com cada vez menos pudor, é uma questão em aberto, e apesar da promessa do título não lhe vou dar resposta.
Mas parece-me que, quando compreendemos o custo da guerra, quando compreendemos a ubiquidade da guerra, quando conseguimos dar à paz o valor que ela merece, parece mais natural ver este como o objectivo fundamental da UE.
Muitas vezes oiço políticos mais velhos, à esquerda e à direita, lamentarem-se de uma UE cada vez mais caracterizada pelos egoísmos nacionais, com menos solidariedade e menos «visão». Talvez no esquecimento colectivo a respeito da dureza das guerras passadas esteja parte da resposta.
Se todos encarássemos a UE como um custo que vale a pena suportar em nome da paz, o projecto europeu não estaria em risco de ruir para salvar meia dúzia de bancos aqui e ali.
Quase que parece uma tentativa deliberada de descredibilizar o prémio.
Mas vale a pena sobre o assunto.
Esqueçamos 2012 e pensemos em abstracto: a UE merece o Nobel da Paz?
O comité Nobel afirmou que a UE mereceu o prémio «pelos seus esforços, ao longo de seis décadas, em prol da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.»
A ideia não é nova: há muitos anos que oiço falar no mérito do projecto europeu como sendo algo que evitou guerras na Europa nas últimas décadas. Parece-me que poucos na minha geração compreendem o alcance desta afirmação.
Para muitas pessoas da minha geração, a paz é algo que tomamos por garantido. Mesmo que não o formulemos intelectualmente desta forma, nós "sentimos" que a guerra é uma coisa do passado, ou que acontece "lá fora", e este sentimento é tão constante que nem nos apercebemos da sua presença.
Mais, sabemos que têm existido guerras em território europeu, mesmo que não no território da UE.
E, em parte porque inconscientemente quase que damos a paz cá dentro por garantida, não vemos esse como um importante objectivo da UE: a União Europeia é geralmente vista como uma via para para promover o desenvolvimento, para aceder a uma "prosperidade partilhada", para promover o "bem-estar".
Muitos alemães, belgas, finlandeses, portugueses, etc. sentem que vale a pena estar na UE porque serão beneficiados economicamente com essa pertença.
De alguma forma, este é um enquadramento mental muito menos propício à cooperação, mas mais propício à mesquinhez e ao egoísmo. Quando coopero com um amigo com um objectivo comum tenho uma atitude mental que não é a mesma que aquela que tenho quando negoceio com um desconhecido. Quando a incerteza face aos riscos e benefícios de diferentes medidas é maior, mais paralisante pode ser a desconfiança e o egoísmo, e mais comuns podem ser as perdas via "dilema do prisioneiro".
A ironia é tremenda: obcecados com os benefícios económicos, os países acabam por ser levados a uma postura não cooperativa que se materializa em tremendos prejuízos económicos para todos.
Tome-se como exemplo a forma como a UE reagiu à crise de 2008, para ter uma noção dos danos que o egoísmo e a mesquinhez podem provocar.
Mesmo que seja possível encarar tudo o que se tem passado como uma vitória do sector financeiro e dos mais poderosos, que têm conseguido impor a sua agenda e acentuar as desigualdades instigando egoísmos e ressentimentos nacionais, parece-me claro que as populações e os seus representantes se tornam mais susceptíveis a esta manipulação quando lhes é natural olhar para a UE como uma instituição que serve para providenciar benefícios económicos. Por mais que a «solidariedade entre os povos» esteja nos tratados, nunca deixará de ser letra morta enquanto o enquadramento mental for este (um exemplo).
Não parece fácil pensar num enquadramento mental alternativo que seja tão naturalmente aceite.
A minha geração não viveu a segunda guerra mundial, e muito menos as quase constantes guerras que a antecederam. A minha geração não tem noção da anormalidade que constitui a paz que temos vivido. Infelizmente, muitas vezes não damos o devido valor ao que temos por garantido. E esse erro pode ser muito mais grave quando temos por garantido algo que não o é.
Será preciso viver a guerra para compreender quão valiosa é a paz?
Neste ponto do texto tenho de pedir uns dezoito minutos ao leitor para ver esta animação.
Eu espero que não: que não seja preciso viver a guerra para compreender o valor da paz.
Com isto eu não quero dizer que a UE mereceu o Nobel.
Saber se a paz que temos vivido é em maior ou menor medida construída à custa da colaboração com uma potência hegemónica e o seu complexo militar-industrial, a qual tem projectado o seu poder com cada vez menos pudor, é uma questão em aberto, e apesar da promessa do título não lhe vou dar resposta.
Mas parece-me que, quando compreendemos o custo da guerra, quando compreendemos a ubiquidade da guerra, quando conseguimos dar à paz o valor que ela merece, parece mais natural ver este como o objectivo fundamental da UE.
Muitas vezes oiço políticos mais velhos, à esquerda e à direita, lamentarem-se de uma UE cada vez mais caracterizada pelos egoísmos nacionais, com menos solidariedade e menos «visão». Talvez no esquecimento colectivo a respeito da dureza das guerras passadas esteja parte da resposta.
Se todos encarássemos a UE como um custo que vale a pena suportar em nome da paz, o projecto europeu não estaria em risco de ruir para salvar meia dúzia de bancos aqui e ali.
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