terça-feira, 5 de março de 2013

Lutar os ricos em vez de lutar a pobreza

O que será que move tanta gente que gasta mais energia em criticar os salários altos, a queixar-se dos futebolistas e a festejar o referendo na Suíça sobre os limites aos salários*, do que a lutar contra o pobreza.
Não me escandaliza que alguém ganhe um milhão de euros ao mês, escandaliza-me sim que haja famílias inteiras que não recebam sequer o salário mínimo, que o RSI seja tão baixo, que haja serviços sociais fundamentais que ainda não estejam disponíveis para todos.
E não. Um não é o reverso da medalha do outro. Acho que até aí, todos sabem um pouco de economia.

*muitos que celebram o resultado na Suíça, assumem que está em causa um limite aos salários impostos legalmente (e alguma imprensa deu a entender isso). Está apenas em causa o poder dos acionistas em termos de controlo de salários dos gestores. Quanto a isso, não poderia concordar mais.

17 comentários :

Filipe Moura disse...

Se considerares que lidas com recursos finitos então sim, um é o reverso da medalha do outro. Escrevi sobre isso em

http://esquerda-republicana.blogspot.pt/2010/08/se-os-recursos-fossem-ilimitados-nao.html

Portanto é possível que eu não saiba nada de economia, como aliás admito no texto que acabei de publicar. Nem há grande problema nisso porque a economia, ao contrário da lei da gravidade, é uma construção social.

Essa história de que o socialismo visa distribuir igualmente a pobreza vem pelo menos do Churchill. E daí?

Filipe Moura disse...

Já agora: presumo portanto que apoies os "reformados indignados" do Filipe Pinhal?

Miguel Carvalho disse...

Não.. nem estou a ver a ligação.
Aí estamos a falar do orçamento do estado que é um recurso finito. O que não vai para uns, vai para outros.

Miguel Carvalho disse...

1. Imagina que Lisboa é bombardeada. Há um custo económico óbvio. Onde foram parar os benefícios equivalentes, o outro lado da moeda?

2. Há uma aldeia cujos solos só dão para frutas e vegetais. Do outro lado do rio, há uma aldeia cujos solos só dão para cereais. Constrói-se uma ponte, e as duas aldeias passam a trocar os produtos, com óbvios benefícios para ambas. Onde estão os custos equivalentes, o outro lado da moeda?


E não percebi a referência à palermice do churchill, mas provavelmente nem era para ser entendida.

Filipe Moura disse...

Epá, não percebo, a sério, o que as comparações têm a ver com o que dizes.

Se a ideia é fazeres-me ver que existem sempre custos ou benefícios equivalentes, não foi isso que eu disse.

(Já agora, pegando no teu exemplo 2 e numa nossa discussão antiga: eu julgava que eras o gajo totalmente contra as pontes...)

Miguel Carvalho disse...

Tu afirmaste que o que um perde, é o que o outro ganha. Em economês, que a economia é um "jogo de soma zero".

Eu dei-te um exemplo de um enorme custo, onde eu não vejo grandes benefícios. E um exemplo de um enorme benefício, onde não vejo grande custo. E por isso pergunto-te: manténs a tua ideia das perdas serem iguais aos ganhos?

Filipe Moura disse...

Miguel, os salários dos administradores (da Suíça ou de outro país) são um jogo de soma zero, ou não? O que ganham os administradores perdem os trabalhadores. Mantenho essa ideia pelo menos relativamente aos salários dentro de uma dada empresa.

Miguel Carvalho disse...

Se fosse a única empresa no mundo, seria um jogo de soma zero (e mesmo aí.. não é bem).
Ou se olhasses para o último dia do mês, num mês isolado (em que ninguém entra ou sai da empresa, em que a empresa não altera a estratégia), seria um jogo de soma zero.
No mundo real, não é.

Filipe Moura disse...

Miguel, quando estão envolvidos recursos naturais toda a economia relacionada com a sua exploração deveria ser um jogo de soma zero (esta é uma opinião ideológica minha, discutível certamente). Não tem nada a ver com o que está em causa neste post.

Mesmo assim, os salários de uma empresa são pagos no último dia do mês (pode ser essa a nossa definição de último dia - simplifiquemos, ok?). Uma empresa pode criar riqueza, e aí a soma não tem, e desejavelmente não deve, ser nula. Mas quando é para decidir as remunerações no último dia do mês estás a repartir um bolo. Parece-me evidente que a soma é nula - é um recurso finito. O objetivo desta medida é que não haja uma grande desigualdade entre os salários dos administradores e dos empregados -o capital e o trabalho. Talvez pudesse ser implementada de outra maneira, mas na prática o objetivo é esse. E parece-me correto.

Já agora, o que pensas da existência do salário mínimo? É que a lógica desta medida parece-me ser a mesma do salário mínimo, mas invertida. A tua lógica também invertida (supondo uma situação de crise e não de abundância) e aplicada contra o salário mínimo. É isso que defendes?

João Vasco disse...

A lógica da defesa do salário mínimo não é nada a mesma lógica de obstar a um salário máximo.

No primeiro caso estamos a falar de impor um "cartel" na mão de obra pouco qualificada (ou de alguma forma demasiado abundante). Os interesses da mão de obra são defendidos à custa dos interesses dos empregadores. Não é um jogo de soma nula porque o dinheiro que os empregadores perdem é MAIOR do que o dinheiro que os empregados ganham com essa limitação. Mas, como os empregadores têm muito e tais empregados têm pouco, é fácil argumentar que a utilidade que os empregados ganham é bem maior que a utilidade que os empregadores perdem (também na questão da utilidade, não é um jogo de soma nula).

Limitar os salários altos seria um cartel mas do lado oposto, do lado do... empregador.
A menos que o empregador seja o estado, é complicado dizer que os empregadores devem ser defendidos da mão de obra supostamente muito qualificada da qual querem usufruir. Pela lógica que leva à defesa do salário mínimo, impedir salários elevados seria querer proteger a burguesia...


Posto isto, acredito que existe algo de pernicioso em muitos destes salários demasiados elevados. Nesse caso temos o efeito "todos se levantam". Num espectáculo musical num parque, se todos estiverem sentados no chão, todos vêm razoavelmente o palco. Se os da segunda fila se levantam para verem ainda melhor, os da terceira têm de se levantar e por aí fora. No fim, toda a gente está de pé, e os benefícios em termos de visionamento são marginais. O mesmo acontece com as empresas que querem contratar "o melhor gestor" (na sua perspectiva): têm de oferecer mais que as outras. Se todas pagarem 10x mais aos gestores de topo do que aquilo que pagam ao empregado médio, a sua gestão não é pior do que se todas pagarem 400x mais. Mas a primeira que comece a pagar mais faz com que as outras também paguem mais e por aí fora. Antes os sindicatos tinham força e havia uma noção de "pudor" que evitava tais discrepâncias sem grande benefício social. Há medida que os sindicatos perderam força, tal "pudor" desapareceu, e cada vez as negociações foram mais desiguais.
Aqui o ideal seria que as limitações não surgissem por força da lei, mas sim da capacidade negocial dos sindicatos, que também permitiria salários melhores para os seus membros. Mas a lei pode não ser uma má resposta, dependendo de como põe em causa as liberdades individuais.

Até porque esta classe de "super-gestores" também está a usar os seus recursos para subverter a Democracia - nos EUA isso pode ser observado com maior clareza. Está aqui uma verdadeira ameaça.

Filipe Moura disse...

«A lógica da defesa do salário mínimo não é nada a mesma lógica de obstar a um salário máximo.»

Pois não, João Vasco. O que eu digo é que a lógica de obstar a um salário máximo é a mesma lógica de obstar a um salário mínimo.

Ricardo Alves disse...

Miguel, partes do princípio de que o dinheiro dos «ricos» não tira nada aos pobres. Não será ingenuidade?

Miguel Carvalho disse...

Filipe, mas já percebeste que a economia não é uma soma zero?

Miguel Carvalho disse...

Ricardo,
ao limitar o salário do banqueiro, esse dinheiro aparece imediatamente na carteira duma mãe solteira desempregada?
Por falar em ingenuidade...

Ricardo Alves disse...

Não aparece imediatamente, mas pode ser reinvestido.

Filipe Moura disse...

Eu nunca disse que "a economia" era uma soma zero: estava a referir-me ao fundo disponível para pagar salários.

Se queres continuares as perguntas: e o salário mínimo?

Filipe Moura disse...

Miguel, eu não estou a falar em "mães solteiras desempregadas"! Quem falou nisso? Estou a falar nos trabalhadores, nos operários, nos proletários (já ouviste falar?) em contraponto aos patrões e "gestores". Podem ser casados e sem filhos.