terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Guimarães cidade quê?

Não existe documentação que demonstre a residência de Afonso Henriques em Guimarães. Pela documentação que nos chega até hoje o nascimento do nosso primeiro rei ocorreu muito provavelmente em Viseu ou nas suas imediações ("D. Afonso Henriques" de José Mattoso, Temas & Debates, pag. 25-27). Dona Teresa datou e assinou em Viseu vários documento antes e depois do nascimento de Afonso I. É pouco credível que uma mulher grávida na Idade Média se deslocasse 150 km a partir de Viseu para dar à luz em Guimarães e regressasse imediatamente a Viseu. A sede do poder do Condado de Portucalense foi transferida para Coimbra já durante a época do Conde D. Henrique, o pai do primeiro rei. Todos os actos de Afonso Henriques que estão na origem da transformação do Condado em Reino ocorrem tendo o Fundador já residência indubitável em Coimbra. Ler "D. Afonso Henriques" de José Mattoso, cap. VI pag. 105-111, sobre a importância histórica (palavras de José Mattoso) da localização da corte de Afonso I em Coimbra.

Perante factos e dúvidas, irrita as certezas que continuam a ser propagadas de que Guimarães é a "cidade berço". Certezas que não só contrariam a documentação analisada, como cada vez mais são difíceis de casar com os territórios de dúvida da biografia de Afonso Henriques. Este fim-de-semana por ocasião das comemorações de Guimarães Capital da Cultura, mais uma vez foi dado um péssimo exemplo a nível institucional ao continuar a alimentar-se a lenda da Guimarães Cidade Berço. É lamentável numa sociedade baseada no conhecimento que se continue a substituir o trabalho resultante da investigação cuidada da nossa história por lendas sentimentais.

13 comentários :

Luís Lavoura disse...

As "lendas sentimentais" são necessárias num imaginário coletivo. É claro que podem, e devem, ser negadas ou destruídas por uma investigação cuidada, mas isso não faz com que deixem de ter utilidade e valor.

Ricardo Alves disse...

Plenamente de acordo, Rui.

Maquiavel disse...

Olha que belo serviço público! Pois näo fazia ideia! Entäo em Guimaräes foi só onde o Afonso bateu na mäe...

... e que afinal näo houve qualquer "Tratado de Zamora", aquilo foi um encontro entre primos.

Há outra lenda que perdura e perdura: a da figura tradicionalmente atribuída ao Infante D. Henriqe, que afinal é a do seu irmäo o rei D. Duarte. O D. Henrique é o tipo ajoelhado de cabelo branco no "Painel dos Cavaleiros".

Rui Curado Silva disse...

Luís,

não me incomoda nada que em Guimarães os comerciantes vendam t-shirts e magnetes onde se invoca a tal Guimarães Cidade Berço. A nível institucional é que deveria haver mais cuidado.

Rui Curado Silva disse...

São tantas lendas que aprendemos na escola como verdades:

- Guimarães Cidade Berço;
- o Tratado de Zamora;
- A intervenção de Egas Moniz em Leão;
- A Batalha de Ourique;
- O sacrifício de Martim Moniz;
- As alas dos namorados e afins na Batalha de Aljubarrota;

Maquiavel disse...

A Ala dos Namorados também?

Ó credo... entäo de toda a treta que nos foram ensinando, o que é que foi verdade?

Digam-me ao menos que o meu rico D. João II foi real! :D

Luís Lavoura disse...

O Rui Curado Silva poderia, para educação do pessoal, fazer um post relativo a cada uma dessas "lendas" que refere acima.

Luís Lavoura disse...

Como Maquiavel bem faz notar, Guimarães é considerada o berço de Portugal, não por Afonso Henriques lá ter nascido, mas principalmente por a independência de Portugal ter tido lugar contra a Galiza e, nomedamente, se ter consagrado numa batalha que, aparentemente, teve lugar em Guimarães ou lá perto. E também por essa independência ter sido sustentada, em grande parte, no apoio do povo (dos burgueses) do Entre-Douro-e-Minho.
Quanto ao mais, é bem sabido que Afonso Henriques passou a maior parte da sua vida nas terras mais soalheiras a sul, e está enterrado em Coimbra.

Maria do Céu Barros disse...

Convém não criar lendas modernas quando se contestam as antigas. A teoria de Viseu tem lacunas bem conhecidas e já agora convém citar o mesmo historiador (Mattoso) numa entrevista ao DN em 3/4/2010, sobre a polémica:

"Não fiz uma investigação pessoal, antes aceitei a tese do historiador Almeida Fernandes e limitei-me a dizer que seria a tese mais segura. No entanto, acabei por concluir que não era tão segura como pensava e considero que é necessário voltar a examinar a questão se ela nos interessar mesmo. "

Para este caso não interessa porque o berço não se refere ao do rei, mas ao da nacionalidade. Foi em Guimarães que se iniciou o processo de independência uma vez que foi nessa terra que se deu a batalha de S. Mamede (curiosamente Viseu estava do lado de D. Teresa, segundo o mesmo Almeida Fernandes).

" (…) a batalha tem um significado nacional, na medida em que pode classificar como “nacional” um movimento que está na própria origem da nação. S. Mamede foi o primeiro acto de um movimento irreversível que explica, mais do que qualquer outro acontecimento ou intervenção pessoal, as razões imediatas da independência do Condado Portucalense, como entidade política que precedeu o reino de Portugal.” - D. Afonso Henriques, José Mattoso."

Não há, por isso, aqui lenda alguma. Guimarães ostenta o título de berço da nacionalidade com base em factos históricos que nenhum historiador contesta (o local da batalha é mesmo em Guimarães). Pode é debater-se se essa batalha deve ou não simbolizar o nascimento da nação, mas para isso é necessário que haja bons argumentos que suportem a retirada do título a Guimarães, coisa que até à data ninguém apresentou.

Ricardo Alves disse...

MCB,
em resumo: quer chamar «berço» a uma batalha?

Maria do Céu Barros disse...

Ricardo, não sou eu quem chama. Tive o cuidado de citar Mattoso uma vez que foi esse mesmo historiador que o Rui Curado citou para fundamentar o seu post.

Há imensa literatura sobre este assunto, onde encontrará explicações suficientes para a razão da batalha ser considerada o momento chave da fundação da nacionalidade. Não foi apenas uma batalha, mas também a apropriação do poder por parte dos nobres portucalenses, que depois o entregaram a Afonso Henriques. Os portucalenses tornam-se aí uma autoridade política independente.

Os momentos que marcam o inicio de alguma coisa são normalmente simbólicos. Há sempre antecedentes que levam a um determinado facto, assim como há momentos posteriores que o consolidam. O que não me parece de todo correcto é atribuir o berço da nacionalidade ao sítio onde Afonso Henriques nasceu, que nem sequer se sabe onde foi, ou onde viveu.

Maquiavel disse...

Lavoura, uma correcçäo: a independência do Condado portucalense foi sustentada, em grande parte, no apoio dos nobres do Entre-Douro-e-Minho (diz que o Rei de Leäo exigia muitos impostos). A burguesia ainda näo existia na altura, o ao povo... tanto se lhe dava quem tinha o chicote (bem, tal como 900 anos depois).

A ideia de uma batalha como "berço da Naçäo" näo é nova... alguns países até usam batalhas que perderam! Pelo menos a "nossa" foi ganha!

The Mother of Mothra of ALL Bubbles disse...

o povo sempre apoiou os tyrannos demagogos

desde D.Afonso Ao Prior do Crato foram os vilões com bestas ou a pé que defenderam guimarães e seu termo

o que aconteceu na política do condado desde mumadona...só deos o sabe é que num país de analfabrutos só se tiraram fotografias à la Fonzicôa