segunda-feira, 28 de agosto de 2006

A astronomia ao serviço da astrologia

Toda esta discussão sobre a revisão da definição de planeta promovida pela União Astronómica Internacional tem vindo a ocupar todos os espaços noticiosos, incluindo a blogosfera, nos últimos dias. É raro existirem assuntos científicos que sejam tão amplamente discutidos para lá das notas de rodapé e pequenos artículos dedicados especificamente à divulgação científica. Estamos no entanto acostumados a que os assuntos científicos chamem a atenção quase sempre pelos motivos humanos, não científicos, em que eventualmente se encontram envolvidos. Um exemplo típico é o caso recente da atribuição da Medalha Fields ao matemático russo Grigori Perelman pela sua prova da conjectura de Poincaré. Neste caso, três anos depois dos artigos importantes publicados por Perelman sobre o tema, os media se interessaram sobre o assunto somente a propósito das excentricidades do matemático russo, e em ocasião da sua premiação, tal como muito bem criticou o Filipe Moura neste post no O Avesso do Avesso no caso do The Guardian, que está longe no entanto de ser um caso isolado.

Mas este caso sendo muito mais comum é muito menos nocivo para a ciência, sua imagem pública e divulgação, que o caso da redefinição de planetas, pois esta última, sendo em grande parte convencional, ao ocupar tanto espaço nos media, inclusive a quase totalidade muitas vezes dos espaços dedicados à divulgação científica em meios não dedicados à ciência, termina por passar a imagem de que em ciência se perde, senão todo, a maior parte do tempo a discutir o sexo dos anjos. No final se teme que as pessoas em geral fiquem com a impressão não de que os astronómos se dedicaram a esta revisão convencional por obrigação criada pelos avanços na detecção de novos ("antigos") planetas (assunto que mereceria muito mais atenção do ponto de vista dos divulgadores científicos) e que levou a multiplicação dos mesmos, mas porque pura e simplemente a astronomia não é afinal assim tão diferente da astrologia e afins. "Muito palavreio inútil apenas neste caso com arrogância incrementada." Conclusão, para a ciência a coscuvilhice sobre os cientistas pode ser muito menos perigosa que a discussão excessiva sobre as suas reconhecidas convenções.

2 comentários :

João Vasco disse...

Bem pelo contrário, na minha opinião.

O que este episódio todo vem mostrar é que o espaço mediático em Portugal só acha piada à Ciência quando esta discute o sexo dos anjos.

É que nessa altura cada pessoa pode dar a sua opinião...

Rui Fernandes disse...

Tens seguramente razão só não entendo o "bem pelo contrário".