quarta-feira, 17 de maio de 2006

Turquia, Europa e Conflito de Civilizações

There is an attractive symbolism in the idea that Turkish membership in the EU would finally begin to repair the split that tore the old classical Mediterranean civilization in two with the rise of Islam fourteen centuries ago, but it is not really about an “alliance” between Christianity and Islam. On the contrary, it has become possible only because both Western Europeans and Turks have ceased to define themselves solely or even mainly in religious terms. Many people in Western Europe and most people in Turkey are still believers, but it doesn’t swallow up their whole identity.
###Rejecting Turkey merely on the grounds that it is Muslim would condemn the EU to being just “a Christian club,” in Erdogan’s cutting phrase, but it would not trigger some vast confrontation between the West and the Muslim world. The Turks would be severely miffed, but most people in other Muslim countries already think of Europe as a Christian club, having no idea of how small a role religion plays in the public life of most EU countries. Small disaster, not many hurt.

The real reasons for the EU to want Turkey in are much more specific. The EU will have need of Turkey’s relatively young and growing population as its own population ages, and Turkey’s high economic growth rate (8 or 9 percent this year) would help to bring up the rather modest EU average. A surprising number of Europeans also care about healing the old rift that tore Europe itself apart — for Turkey, although Muslim, was a European great power for five centuries, and was firmly established in the Balkans long before it conquered most of the Arab world.

For Turks, whose free-trade relationship with the EU already gives them most of the economic benefits of membership, the advantages lie mainly in anchoring the country in a web of supra-national institutions and laws that guarantee the country’s democratic and secular character. Erdogan has already used the requirements of EU membership as a lever with which to force democratic and human rights reforms on a reluctant army and bureaucracy, and membership negotiation will enable him to go further in the same direction.


(Gwynne Dyer - Turkey, Europe and the Clash of Civilizations - aljazeerah.info 2005)

O conflito de civilizações é apenas a constatação de um facto sobre a realidade política internacional actual em que nos movemos. Huntington se algum mérito tem é o de ter sido o primeiro a pressentir-lo com clareza suficiente. Que este conflito civilizacional tenha a sua origem mais provável nos nacionalismos e fundamentalismos internos das diversas civilizações, expressos em diferentes graus e de distintas formas, e tal como nos diz também Slavoj Zizek neste post do Ricardo Schiappa, provavelmente todas elas em boa parte consequência do vazio ideológico provocado pela queda do comunismo soviético, se trata de outra evidência já reconhecida no próprio trabalho inicial de Huntington.

Mas não por isso esta realidade (do conflito de civilizações) será do agrado da maior parte das pessoas de bem. Realmente não é. Tentar ultrapassar este estado de coisas deverá então ser um dever para qualquer utopia progressista (e aqui claro que nos separamos de Huntington). É então por isso que a entrada de Turquia na Comunidade Europeia é fundamental tanto para a própria Turquia como para a sua eternamente ambicionada Europa. E é fundamental para Europa do seu próprio ponto de vista, que para além dos sensatos raciocínios econômicos e demográficos que apoiam a adesão turca, deveria também ser sensível ao argumento identitário construido no seu sentido progressista. Salvar uma actual e futura identidade secular para Europa, para esta Europa actual neste mundo actual, passa inevitávelmente pela recusa desta em se deixar isolar em uma regra-ideia cristã para si mesma. Do ponto de vista turco as coisas se passam de forma análoga, substituindo cristianismo por islão. É claro no entanto que isto que aqui se diz parece agora mesmo totalmente fora de vista, pelo menos nesta Europa actual, incapaz de garantir sequer a sua sobrevivência e significado com os actuais "membros cristãos".

17 comentários :

Anónimo disse...

Ai minha Nossa Senhora! Vem até nós e promete-nos a redenção dos pecados da Turquia!

Ricardo Alves disse...

1. A popularidade da ideia de «conflito de civilizações» tem a ver com o refluxo do marxismo. Enquanto houve URSS e «Europa de leste», foi dominante um esquema explicativo das sociedades e das relações internacionais baseado nas relações ecónómicas. Claro que o marxismo ignorava (nalguns casos bastante cegamente) a importância da cultura (religião, nacionalismos, etc.) nessas interacções. Mas agora estamos a cair no monismo explicativo contrário de reduzir a política à cultura. E este excesso existe tanto à direita (com as teses do Huntington) como à esquerda (com o chamado «multiculturalismo»).

Ricardo Alves disse...

2. Talvez seja preferível não fazer um cavalo de batalha da adesão da Turquia à União Europeia. É verdade que qualquer ideia de recusar a entrada da Turquia por critérios de religião deve ser combatida sem concessões. Mas também não deve ser esquecido que o respeito pelos Direitos Humanos na Turquia está abaixo do que se passa em qualquer país da União Europeia. E além disso, algumas das forças políticas turcas que defendem a adesão à UE (como o partido do Erdogan) querem fazê-lo porque preferem a democracia (regra da maioria) à laicidade (protecção dos direitos individuais) e compreenderam (e infelizmente é um diagóstico correcto) que a UE valoriza mais a democracia do que a laicidade.

Rui Fernandes disse...

Ricardo a mais cohecida organização de defesa de direitos humanos do mundo, a AI é a primeira a dizer que o progresso em quanto a direitos humanos da Turquia foi muito considerável e que para a continuação deste processo é fundamental que Europa não feche as suas portas para a sua adesão, sem com isso deixar de exigir os progressos necessários e que faltem. Agora não sejamos hipócritas de acharmos que as lideranças europeias que não querem a Turquia não a querem por motivos de direitos humanos...

Rui Fernandes disse...

"a popularidade da ideia de «conflito de civilizações» tem a ver com o refluxo do marxismo."

o conflicto de civilizações não é somente uma ideia é também um facto, hoje em dia os conflictos não se organizam da mesma forma que durante a guerra fria, o conflicto de civilizações começou antes de ser uma ideia de huntington, se quiseres a teoria de huntigton é uma teoria-caricatura empirista em jargão epistemológico

Rui Fernandes disse...

empírica

Ricardo Alves disse...

Rui,
a Turquia ainda tem um bocado que andar em matéria de Direitos Humanos. Mas eu não tenho grandes ilusões de que as principais razões para os líderes dos países europeus rejeitarem a entrada da Turquia a curto prazo são: a) a Turquia ser um país comparativamente pobre; b) ser mais populosa do que qualquer país da UE; c) uma combinação dos dois factores anteriores.

Rui Fernandes disse...

exacto

Anónimo disse...

Sobre a adesão da Turquia à CE subscrevo os argumentos pro-adesão, condicionada aos desenvolvimentos em áreas como os Direitos Humanos, naturalmente.

Porém, pretendo exprimir a minha discordância com a expressão "guerra/conflito/choque de civilizações" por ter mais eficácia redutora que explicativa.

No caso da Roma Imperial faria sentido, no da China Antiga também: as diferenças culturais eram abissais entre os impérios e os "barbaros", acabando estes por dominarem os impérios e aculturarem-se.

Nos sec.XX-XXI creio que não existem verdadeiras diferenças civilizacionais, mas sim culturais. Tanto o Irão, a China, a Índia e os USA partilham a mesma civilização: vivemos no mesmo planeta redondo, utilizando a energia fóssil para alimentar as mesmas técnicas e saberes científicos, com maior ou menor presença dum aparelho de Estado, alegadamente ao serviço do povo, frequentando as mesmas organizações internacionais que visam harmonizar os interesses particulares das nações, etc,etc.

Rui Fernandes disse...

ok aceito
substitua-se guerra civilizacionais por culturais

Ricardo Alves disse...

O pepe tem razão. E confesso que me irrita um bocado ver o termo «civilização» utilizado para distinções regionais. Civilização é uma questão de tecnologia, e neste momento temos a mesma em todo o planeta: energia fóssil (petróleo), meios de transporte aéreos e terrestres usando petróleo, e código binário para as comunicações.

Rui Fernandes disse...

a distinção não é só regional, e não existe uma definição única de civilização, no contexto utilizado pelo huntington e onde o termo conflicto aparece significa cultural, mas não vou discutir palavras, sabemos do que estamos a falr, isso é o mais importante

Rui Fernandes disse...

reconheço no entanto algo positivo pela nomenclatura de "guerras culturais", reflecte nmelhor a relação entre os conflitos a nível elementar (fundamentalismos intra-nacionais) e a nível do sistema (entre estados)

Rui Fernandes disse...

por outro lado, e para não desprezar o tempo que huntington perdeu com o assunto: civilização reflecte como a nível de sistema os elementos tendem a agrupar-se em blocos de acordo com suas afinidades culturais, estes blocos culturais são as civilizações de huntington, é esse o significado da palavra no contexto da teoria sistêmica de huntington.

Ricardo Alves disse...

Se as «civilizações» do Huntington são blocos culturais, então não há necessidade de lhes chamar «civilizações»...

Anónimo disse...

Mesmo falando em "blocos" culturais, entendo que o conceito não é eficaz para explicar a inter-relações culturais que progressivamente, desde a pré-história até hoje, e acelerando cada vez mais, as comunidades humanas vão estabelecendo entre si, com muito mais facilidade do que os guardiões da fé, os puristas da raça, e todos os que se preocupam com a decadência dos costumes e com a perda da identidade pátria gostariam.

Numa mesma cultura existe uma pluralidade que, muitas vezes, é negada aos olhos do próprio observador devido aos seus preconceitos e ignorância ou é reprimida pelos mandarins dessa sociedade.

Nem me parece que seja o factor religioso que distinga o fundamentalista norte-americano do fundamentalista iraniano. O que distinge a adolescente muçulmana ávida de liberdade para se divertir duma qualquer adolescente católica que se vê frustrada de sair à noite nesta sexta-feira?
As contradições culturais no seio duma dada sociedade são tanto maiores quanto elas se tornam multi-culturais. O que se acreditava, décadas atrás, era que o convívio dessas culturas culminariam num melting-pot, quando, na realidade, se assiste também à formação de guettos que as próprias comunidades favorecem.
Do mesmo modo, a "ocidentalização" tem sido combatida pelos governos de muitos países apelando um regresso à Tradição, mas isso é mero discurso ideológico para manter o poder sem cedências democráticas,já que não abdicam da física nuclear, do sistema de mísseis tele-comandados, nem das aplicações financeiras nas bolsas mundiais(tudo coisas do Ocidente).
Onde se pode questionar a "civilização" é, creio eu, nos países que perderam qualquer tipo de organização estatal, ficando reféns dos grupos armados (a Somália, p.ex.). Neste caso, pode-se falar de "perda" de civilização, porque a cultura tradicional do país subsiste, certamente.

Rui Fernandes disse...

Ricardo,

"Guerra de Civilizações" é "muito mais giro" que "Guerra de Blocos Culturais", tendo em conta que Huntington especificou exactamente o que queria dizer com a palavra se aceita que tenha optado por ser "mais giro" quando não existe (a não ser talvez em alemão...) uma única palavra sinônima de "bloco cultural".
Afinal estamos a discutir palavras...

:)