Obama venceu com uma participação histórica (66%), uma maioria clara (vantagem de 6% ou 7 milhões de votos), e mais um discurso brilhante.
Será expectável que a principal mudança seja na economia. Obama comprometeu-se com políticas redistributivas que poderão inverter a tendência neoliberal que vem de Reagan, em 1980. Prometeu aliviar a dependência do petróleo. O resto do mundo poderá acompanhar (como geralmente acontece). Ou poderia, porque Barack Obama sobe ao poder no início da maior crise financeira do último meio século, o que pode ser tanto uma oportunidade como uma limitação.
No Iraque, Obama poderá apressar a retirada, deixando para trás a desordem e as ruínas geradas pelo seu antecessor. Nessa eventualidade, as tropas serão transferidas para o Afeganistão, o que fará mais sentido do ponto de vista da luta contra o bando de Bin Laden e Sartaui, mas que poderá ser um novo atoleiro. E Barack é pró-israelita. Tirando o Iraque (que não é nada), pouco muda na política externa. (Mas não esqueçamos que pôr fim à tortura e fechar Guantánamo, como prometido, seria um progresso assinalável.)
Evidentemente, a eleição de Barack Hussein Obama como presidente dos EUA é uma vitória global sobre o racismo. Mas não exageremos: Obama não cresceu num «gueto»; foi educado por uma académica «branca». O segredo para a «ascensão social» do filho de um estudante queniano foi crescer numa família de classe média que valorizava o trabalho e a instrução. (Seria possível na Europa? De certo modo, já aconteceu: Sarkozy é filho de um húngaro e neto de um judeu grego.) E, ao contrário do que pensam alguns, Obama não foi eleito com o velho programa da «discriminação positiva», mas sim com um discurso que supera a política identitária (em si, limitativa) da geração anterior de políticos «negros», e que transcende as divisões raciais. Um grande passo em frente.
O preconceito contra o ateísmo parece mais sólido. Embora filho de um ateu e de uma ateísta/agnóstica/humanista secular (há várias versões), Obama é um convertido ao cristianismo, todavia com autonomia para se distanciar do seu pastor favorito (um fundamentalista louco). Mas, mais relevante, é pouco coerente no seu laicismo: por exemplo, diz claramente que o ID não é ciência, mas parece defender o ensino obrigatório da religião, e promete alargar as «faith-based iniatives» de Bush (para quando «reason-based iniatives»?), ou seja, encontrar mais desculpas para canalizar dinheiro público para as igrejas. Pouco progresso garantido nesta frente.
Enfim, pior do que o Bush não será. De certeza. E isso comemora-se.
4 comentários :
Ricardo:
Não é que me entusiasme o discurso de Obama no que respeita à importância da religião, mas a verdade é que mesmo em igrejas e templos ele sempre defendeu princípios laicistas: que a política deve ter em conta os valores de todos e não apenas dos crentes, e que a religião não deve condicionar as políticas. Ouvi ele a ser claríssimo neste ponto num discurso que está no Random Precision.
Neste sentido ele também abordou a questão do dinheiro para as igrejas: é para trabalho social e em igualdade de circustâncias face a qualquer outro tipo de organização - se uma igreja não quer descriminar quem ajuda (não crentes/homossexuais/etc...) não é elegível para esses fundos federais, por exemplo.
Ou seja: a retórica é "vamos ajudar as igrejas". Os factos são "vamos dar mais dinheiro para a acção social às diferentes instituições, e as igrejas são elegíveis desde que gastem esse dinheiro seguindo pressupostos laicos". Tenho receios, mas isto não é necessariamente mau.
Por fim, creio que ele é claro na rejeição do literalismo nas escrituras.
Ah! E sobre política externa, é verdade que no que respeita ao Afeganistão e Israel Obama vai ter uma postura complicadita...
Mas no geral creio que os democratas tendem a ter uma postura mais multilateralista, e o Bama em particular apregoou bastante as virtudes da negociação, o que é um bom sinal. E fala em acabar com o embargo a Cuba, o que é elementar bom senso.
Além disto tudo, o próprio facto de tanta gente gostar dele fora dos EUA, mesmo que isso fosse injustificado, abre bastantes portas à cooperação.
Se juntarmos a isto o facto dele favorecer o desarmamento nuclear, o fim da tortura, etc... temos razões para algum optimismo.
Desarmamento é uma palavra muito forte. Diminuição do arsenal, queria dizer.
João Vasco,
o problema das «faith-based initiatives» é que, num país como os EUA em que o Estado pouco faz de apoio social, se arriscam a criar uma situação em que esse apoio social se resume às igrejas.
Note-se que o Obama foi tratado de «socialista» por defender um seguro de saúde obrigatório. (Se defendesse um SNS, chamar-lhe-iam comunista ou pior...)
Reforçar o apoio às igrejas é também aceitar que o Estado se demita das suas obrigações de apoio social. E cria problemas de discriminação religiosa e proselitismo que não são fáceis de monitorizar. Esta foi uma das poucas questões concretas que têm a ver com laicidade em que ele se comprometeu.
Enfim, o documento mais interessante dele sobre laicidade (e religião) parece-me ser este:
http://www.time.com/time/printout/0,8816,1546579,00.html
(É longo, mas vale a pena a leitura.)
Quanto à tortura, acrescentei uma nota no texto. Obama pode realmente pôr fim à barbárie de torturas e detenções ilegais a que temos assistido desde 2001. (Mas duvido que puna os responsáveis.)
Seria uma boa medida para os primeiros 100 dias... ;)
Tinhas razão: valeu a pena a leitura :)
Enviar um comentário