terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sobre a discriminação racial

Num texto chamado Uma lança na América, Luís Aguiar Conraria escreve:

Em Fevereiro, Pacheco Pereira escrevia na revista Sábado que Obama era um «produto da fábrica de plástico», «politicamente correcto na cor, nem muito preto, nem muito branco». Admito que, para padrões portugueses e brasileiros, Obama seja considerado mulato. No entanto, para padrões norte-americanos, Obama é negro. Se Obama tem a cor certa, é difícil entender como conseguiram os anteriores 43 presidentes ser eleitos com a cor errada. Na realidade, Barack Hussein Obama não só tinha a cor errada como também tinha o nome errado. Negar isto é desconhecer a realidade. Nos Estados Unidos, a probabilidade de um negro estar preso é oito vezes maior do que a de um branco, a probabilidade de estar desempregado é o dobro e os que estão empregados ganham salários muito mais baixos. Claro que podemos e devemos perguntar se o racismo explica tudo ou se também devemos apontar o dedo à população negra.

Em 2004, Marianne Bertrand e Sendhil Mullainathan levantaram um pouco o véu sobre esta questão, conduzindo uma experiência de campo. Marianne e Sendhil enviaram mais de 5000 currículos vitae falsos como resposta a 1300 anúncios de emprego. A alguns currículos deram nomes tipicamente «brancos», como Emily e Greg, enquanto os outros ficavam com nomes tipicamente «negros», como Jamal ou Lakisha. Sem surpresa, concluíram que um candidato negro com exactamente as mesmas qualificações profissionais e académicas que um branco tem muito mais dificuldades em encontrar emprego. Verificaram também que quanto mais qualificada a profissão a concurso maior a discriminação.

Os professores Roland Fryer, Jacob Goeree e Charles Holt levaram a cabo um jogo que ilustra as causas e consequências de tais injustiças. Repartiram os alunos entre empregadores, trabalhadores verdes e trabalhadores roxos. Cada trabalhador começa cada round com um nível de educação zero e tem a opção de comprar, ou não, educação. Os custos dessa compra variam de trabalhador para trabalhador e de forma aleatória. De seguida, cada trabalhador faz rolar dois dados de seis faces. Com base nos dados, é-lhe atribuída uma classificação. Quem tiver adquirido educação tem 25% de hipóteses de ter nota alta, 50% de ter nota intermédia e 25% de ter nota baixa. Para quem não investiu, as probabilidades são de 3, 28 e 69%, respectivamente. Finalmente, o empregador decide se contrata o trabalhador ou não. No entanto, apenas observa duas variáveis: a cor do trabalhador e o resultado do teste. O empregador ganha dinheiro se contratar alguém com educação e perde se contratar alguém sem educação. O procedimento é repetido 20 vezes. A única constante ao longo dos 20 rounds é a cor de cada trabalhador.

Numa dessas experiências, por mero acaso, os custos do investimento em educação foram maiores para os trabalhadores roxos nos três primeiros rounds. Esses custos acrescidos induziram estes trabalhadores a investir menos. A partir do quarto round, os empregadores deixaram de contratar trabalhadores roxos, enquanto os trabalhadores verdes eram quase sempre contratados. De nada servia aos roxos investirem em educação. Eram pura e simplesmente rejeitados. No fim do jogo, os ânimos estavam exaltados. Os roxos queixavam-se de discriminação. Os empregadores acusavam os trabalhadores roxos de serem de pouca confiança e de não investirem em educação. Um dos roxos retorquiu que deixou de gastar dinheiro a adquiri-la, porque raramente era contratado.

Ou seja, num ambiente absolutamente controlado, em que verdes e roxos partiram em igualdade e em que no início de cada round todos voltavam a estar nas mesmas circunstâncias, rapidamente se criou uma sociedade segregacionista com trabalhadores verdes educados e a trabalhar e com trabalhadores roxos, sem instrução, revoltados e desempregados.

Se isto acontece neste ambiente, imagine-se a realidade, com condições desiguais causadas por séculos de História de discriminação racial. É um ciclo vicioso da baixa instrução, baixos salários, elevado desemprego e alta criminalidade. A vitória de Barack Obama é notável e é uma estultícia desvalorizá-la. Felizmente que os americanos perceberam isso e não desperdiçaram a oportunidade de fazer História, dando um passo para uma América pós-racial.


Já conhecia a primeira experiência relatada, devido ao Freakonomics. A segunda é igualmente elucidativa...

5 comentários :

Filipe Castro disse...

Pacheco Pereira escreveu, em 2004, que Bush merecia ter vencido as eleições, que era um bom presidente...

Se Moncho disse...

Sei que nos EUA alguém como Colin Powell, moreno mais não muito, é considerado negro. E também que consideram da mesma raça a Andy Garcia e a Evo Morales. Mas as extranhas ideias raciais dos EUA não têm porque toldar as mentes do resto do mundo.

Barack Obama é filho dum negro e duma branca. Criado e educado pela sua mãe e os seus avós brancos. Considerá-lo negro, ignorando a participação da sua mãe na sua vida semelha-me extremamente racista.

A mulher do sr. Obama, ela sim é negra, filha de negros, criada num bairro negro. E porém uma história de sucesso, e não por fazer um bom casamento, senão por ter-se licenciado em leis, e ter uma carreira profissional brilhante.

João Vasco disse...

se moncho:

Visto que não existe nenhum critério unicamente biológico para dividir os homens em raças (em termos biológicos creio que somos todos "da mesma raça"), a divisão que geralmente é feita é em etnias.

Mas uma etnia não remete directamente à cor da pele, mas sim ao grupo étnico segundo o qual a pessoa se identifica. Ou seja: se alguém - caucasiano, por exemplo - achar que é negro, e toda a sociedade achar o mesmo, a sua etnia será essa.

Etnia remete para os grupos identitários que surgem na sociedade, por razões históricas, culturais, etc..., e estes grupos podem ser função de aspectos físicos - cor da pele, etc.. - ou não.
Assim, repito, se alguém com uma cor da pele clara se identifica com um grupo, e a sociedade o identifica como parte desse grupo, então etnicamente pertence a esse grupo.
Como no caso dos trabalhadores verdes e roxos da experiência, não tem de existir um critério físico.

Assim, não é pelo teor de melanina que se julga se Obama é "negro" ou não. É por aquilo que o próprio pensa, e por aquilo que a sociedade em que ele está inserido acredita.

E aqui, creio que há razões para defender uma coisa e outra. Há americanos que pensam que Obama é "multi-racial", numa expressão que lá usam, e outros que acreditam que é negro.
O próprio Obama já se referiu a si próprio das duas maneiras.

Por isso, não é racismo considerar Obama negro. Principalmente no contexto de verificar que é o primeiro presidente que não é branco - ele próprio o afirmou no seu discurso de tomada de posse.


Já em relação à mulher de Obama, estou completamente de acordo.

Anónimo disse...

Olá, agradeço o link para o meu texto, mas, da forma como está linkado, cortas o primeiro parágrafo do texto. Usa antes o link: http://aguiarconraria.blogsome.com/2008/11/14/uma-lanca-na-america
Abraço e obrigado,
LA-C

João Vasco disse...

Vou já alterar :)