Num sinal claro de que a comunicação social está hegemonizada pela esquerda mais radical, o Diário de Notícias de hoje desenterra, num Editorial de Luciano Amaral, os velhos mitos da extrema direita sobre a descolonização de 1974-75, que se enumeram e refutam de seguida.
- A descolonização faria parte dos planos dos homens do Estado Novo. Em abono desta tese, são citadas a conspiração de Botelho Moniz e as intenções alegadas e nunca concretizadas de Marcelo Caetano. A primeira abortou (e pontificava nela Costa Gomes, que Amaral deve considerar pouco menos do que um perigoso comunista) e das segundas sabemos que Caetano nada fez de concreto nos seis anos em que poderia ter reformado as instituições coloniais, nomeadamente nos três territórios em que não havia guerra e haveria portanto espaço de manobra para ensaiar novos modelos de relações com a «metrópole» (inclusivamente, num deles, existiam as tais «elites mestiças»).
- A guerra não estava perdida militarmente. Este mito vem do pré-Revolução, e esconde que na Guiné-Bissau a tropa estava efectivamente em retirada semi-organizada (com a independência já reconhecida por dezenas de Estados) e que em Moçambique se perdera o controlo de vastas áreas territoriais, embora em Angola se tivesse conseguido conter o MPLA através de um acordo com a UNITA (que penso que não seria o grupo político ideal para promover a «descolonização multirracial, pacífica e sem violência» com que Amaral devaneia à distância de trinta anos...).
- O presente das ex-colónias africanas é trágico e tirânico. Esta ideia catastrofista da direita é extremamente parcial. Que eu saiba, Cabo Verde é um dos Estados africanos que mais se aproxima de ser uma democracia plural. Mesmo Moçambique e São Tomé e Príncipe, apesar da estagnação socio-económica, estarão longe da «servidão» de que fala Amaral. Resta um país queimado (por ambos os lados) na Guerra Fria (Angola), e um Estado desestruturado (a Guiné-Bissau). As ex-colónias francesas ou britânicas, convém recordá-lo, não se saíram muito melhor. O que não deriva de opções políticas, mas sim de realidades sociais inelutáveis.
A direita continua a achar que a sua avó salazarista tinha duas rodas. Mas ainda não compreendeu o porquê de a avó nunca ter sido uma bicicleta.
2 comentários :
Texto muito lúcido e sucinto. Gostei.
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