terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Juros da dívida pública estão bem longe da sustentabilidade

Tem havido alguma euforia sobre os juros implícitos associados à dívida pública. Apesar de ser uma boa notícia, há que pôr as coisas em contexto.

Primeiro, Portugal tem tido das descidas mais lentas entre os países "problemáticos" (os cinco intervencionados, a Itália e a Eslovénia). Portugal foi por exemplo dos últimos a baixar da fasquia atingida na primavera de 2013.

Segundo, é preciso pensar (como sempre insisto) na inflação. Um juro de 20% pode soar a algo horrível, mas se a inflação for também de 20%, na prática o devedor vai pagar exatamente o mesmo que recebeu em termos reais, ou seja, medido em termos de riqueza.
A inflação* está neste momento nos 0,2%, e este valor baixo não é algo temporário. A média dos últimos 12 meses foi 0,3%, e o BCE já avisou que os próximos anos serão de inflações baixas como as atuais. Em termos de comparação, aquando do pedido de resgate o valor era de 4,1%. Ao emitirmos hoje a 4%, teremos de pagar 4% a mais por cada ano de empréstimo, enquanto à taxa de Abril de 2011 teríamos pago o mesmo em termos de riqueza.
Não é só do lado do devedor que a inflação é relevante. A alternativa à compra de dívida pública para um credor não é manter o dinheiro debaixo do colchão (onde o juro seria 0%), mas investir em imobiliário, ou ações, ou arte, etc. ou seja em riqueza real, cuja apreciação é dada em média pela... inflação. A apetibilidade da dívida pública portuguesa, dada pela distância entre a esta e as alternativas "reais", é afinal bem pior com juros a 5% e inflação a 0%, do que era com juros a 7% e inflação a 4%.

Por último, a sustentabilidade da dívida pública depende da comparação do juro pago com a soma de duas coisas: a inflação (como explicado acima) e o crescimento real do produto. Por outras palavras, mesmo que a dívida cresça, um país até pode ter maior facilidade em pagá-la, se esse país estiver a produzir mais. Os últimos dados do PIB, indicam uma queda de 1%, acompanhado por uma queda demográfica. 
Em termos de sustentabilidade**, um juro de 5% deve ser comparado com -1%+0%=-1%, uns enormes 6 pontos percentuais de distância.


* Refiro-me ao IPC, o IPP ainda estaria pior.
** Mais precisamente, a sustentabilidade depende do juro médio pago, e do crescimento nominal do PIB nos próximos.  O juro médio não depende só da dívida a 10 anos, logo será ligeiramente mais baixo. O PIB nominal dificilmente terá um bom comportamento, dadas as baixas previsões para a inflação e o produto real.

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