quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma questão de civilização

Há poucos dias, aconteceu algo que foi pouco comentado, e que deveria ser celebrado como um dos raros sinais de que ainda vale a pena ser europeu e acreditar no Estado de Direito: um tribunal italiano, contra as pressões dos governos italianos da direita e da esquerda, condenou a penas de prisão efectivas 22 agentes da CIA e um coronel dos EUA (à revelia), e até dois membros dos serviços «de informações» da própria Itália, por raptarem um islamita em território italiano e o levarem para a tortura no Egipto. Esses agentes da CIA são agora fugitivos que arriscam uma pena de prisão se passarem pela Europa.
Note-se que não se trata de um daqueles casos de «autorização de passagem» de prisioneiros sobre território europeu que tanto têm ocupado o Parlamento Europeu e Ana Gomes. Trata-se de pegar em alguém que está em território europeu e levar esse alguém para ser torturado em território onde a tortura está mais «liberalizada». E, detalhe importante, com a colaboração de cidadãos europeus, actuando, aparentemente, sob as ordens dos respectivos serviços «de informações».
Curiosamente, este tipo de prática tem impedido que alguns terroristas sejam julgados. E transforma, efectivamente, terroristas em vítimas.
E em Portugal? Houve um caso semelhante em Portugal. Na madrugada de 1 de Outubro de 2006, um argelino chamado Sofiane Laib foi «expulso» de Portugal. Tinha cumprido uma pena por falsificação de documentos e teria, aparentemente, pertencido à Al-Qaeda (concretamente, seria um elemento menor da célula de Hamburgo). A pena de expulsão estava suspensa, o que torna o caso, alegadamente, sequestro. Depois de ser levado da prisão, a meio da noite, por «agentes do SEF»,  pode imaginar-se que Sofiane Laib foi levado para tortura à Argélia ou a Marrocos, ou, quem sabe, à Roménia ou à Bulgária. E pode supor-se que foi sempre acompanhado por agentes dos serviços «de informações» portugueses. A ser verdade, os responsáveis deveriam dar com os costados na choça. É uma questão de civilização.

4 comentários :

Filipe Castro disse...

O medo transforma as pessoas em seres abjectos...

Ricardo Alves disse...

Há algumas que nem precisam do medo. Basta a ganância...

rui disse...

civilização meu caro? não vês o que se está a passar com as escutas? as pessoas estão fartas de garantias e formalidades, as pessoas querem "justiça", "resultados". e isto é com os problemas da treta de um sucateiro. falem agora da alqaeda ou de coisas mais pesadas. O que eu ainda acho estranho é que seja necessário andar a levar os presos às escondidas para sítios remotos para cumprir meras formalidades.

Ricardo Alves disse...

Como dizia o outro, «quem sacrifica um pouco de liberdade a troco de um pouco de segurança acaba por perder os dois».
Eu pensava que um dos consensos de regime, no Portugal pós-25 de Abril, era que não se torturava nem se colaborava em tortura. Devo andar enganado.
Além disso, andar a torturar prisioneiros da Al-Qaeda acaba por dificultar a própria execução da justiça: muitos acabariam por ser julgados se não «desaparecessem» nas prisões do magrebe e do leste da Europa.