quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Liberdade com responsabilidade

Se eu entrar em casa do cidadão Duarte de Bragança, retirar uma bandeira monárquica que lá esteja, colocar no seu lugar a bandeira da República (ou da Carbonária, já agora) e sair pela janela sem causar qualquer dano, incorro em dois dos três crimes que os rapazes do 31 da Armada alegadamente terão cometido: furto e invasão de propriedade alheia (pública ou privada, pouco interessa para o caso). Só não poderei ser acusado de ultraje a símbolo oficial. Se filmar tudo e escrever num blogue que a intenção era humorística e política, o meu caso, do ponto de vista judicial, creio que não melhora rigorosamente nada.

E não melhora porque, em qualquer sociedade civilizada, o furto e a invasão de propriedade alheia serão sempre crime. Não percebo portanto reacções como a do Daniel Oliveira. Quem comete crimes tem que ser responsabilizado por eles, mesmo que o tenha feito com intenção burlesca. A liberdade tem limites legais. Quem os ultrapassa tem que ser responsabilizado.

Finalmente: não conheço o Rodrigo Moita de Deus, mas, sinceramente, neste momento tenho alguma pena dele. Tenho ainda mais pena quando penso que poderiam ter deixado a bandeira na varanda, o que os teria ilibado daquela que penso ser a acusação mais grave (a de furto). Mas solidariedade, não. Creio que se alguém fizesse o que eu descrevo no primeiro parágrafo também não haveria. Nem deveria haver, aliás.

13 comentários :

Filipe Castro disse...

Eu não acho que se deva acusar os monãrquicos de coisa nenhuma. Isto foi uma brincadeira e o estado deve ter sentido de humor.

Quando eu era pequeno, na praia para onde eu ia, um amigo do meu pai retirou a bandeira com as armas duma família aristocrata que lá passava férias também do mastro que eles tinham no quintal e hasteou umas ceroulas encarnadas. Eu ainda acho esta história divertida.

E sei de um grupo de rapazes e raparigas, que hoje são profissionais sérios e funcionais, pais e mães de famílias respeitáveis, e que assaltaram a casa dos jesuitas nessa mesma praia e lhes comeram uma quantidade enorme de vitualhas (acreditem-me: os jesuitas tratam-se bem!)

Não acho que gozar com a CML seja um crime punível com mais do que uma gargalhada, tanto mais que eles querem entregar a bandeira.

dorean paxorales disse...

uma pouca vergonha, onde é que isto vai parar. e a polícia, onde estava?

Ricardo Alves disse...

Filipe,
não é «gozar com a CML» que é crime. É o invadir o espaço alheio e levar propriedade alheia.

Filipe Castro disse...

Concordo, mas mesmo assim, não acho que isto mereça mais publicidade do que a que já teve.

Há 25 anos, quando eu andava no IST, um grupo de três fascistas fez umas saudações fascistas ao gen. Eanes e um deles chamou-lhe traidor. A presidência da república fez daquilo um pé de vento, com prisões, processos em tribunal, advogados, etc.

E eu acho sempre difícil aceitar que estes incidentes tenham importância num país onde as pessoas se estão nas tintas para a miséria e para as injustiças mais flagrantes, que acontecem todos os dias ao lado delas.

Eu olho para os monárquicos e vejo um grupo um bocado triste e ingénuo de pessoas sem importância, que se juntam uma vez por ano para jantar e dizer asneiras sobre o país e o mundo, e no resto do ano sonham com uma vida melhor (para deles e em detrimento da minha :o)

Mas não acho que sejam vândalos perigosos, como os skinheads ou os economistas neo-liberais.

E a CML é uma organização criminosa e um antro kafkiano de cinismo, preguiça e corrupção que não me merece senão um desprezo profundo.

Anónimo disse...

furto não é um crime material, é um crime formal, portanto requer intenção de apropriação. O que não creio que se verifique.
No meu entender o crime mais grave está relacionado com a ofensa ao símbolo nacional, associada aos outros crimes instrumentais desse.
Se se vai prezo e bem por queimar a bandeira, este não é caso menos grave. E desde logo é necessário responder de imediato ao pensamento de que "isto é só o princípio". Devem ter uma resposta tão categórica que o único príncipio que se integra é o da realidade. Pois que os monárquicos neste regime não estão acima da lei.

Viva a República!

João Vasco disse...

«Se se vai prezo e bem por queimar a bandeira, este não é caso menos grave»

O ponto em que poderia concordar com o Daniel é precisamente o ponto em que discordo do que está escrito acima.

Acredito que deveria ser permitido "desrespeitar" os símbolos de soberania, em nome da liberdade de expressão.

Não havendo intenção de apropriação não há furto. Quanto à invasão de propriedade, se há queixa (e o proprietário está no seu direito) então deve haver julgamento. O juiz tem obrigação de levar em conta o contexto, e não punir da mesma forma que se a intenção fosse mais gravosa - mas não deve deixar de aplica a lei e punir os prevaricadores que tinham obrigação de conhecer as possíveis consequências penais desses seus actos.

Filipe Castro disse...

Eu também não concordo que se vá preso por queimar a bandeira. Lembro-me sempre do Bill Hicks, quando lhe diziam: "O meu pai morreu por esta bandeira!" Ele respondia: "Ah sim?! Eu comprei a minha".

Ricardo Alves disse...

«os monárquicos neste regime não estão acima da lei»

Exacto.

Anónimo disse...

Esta historieta da infância do Filipe Castro explica muita coisa...A história das ceroulas teve piada, agora apreciar assaltos e roubo de comida, só pelas vitimas serem Jesuitas explica muita coisa. Até vou tentar adivinhar: Filipe Castro - de uma familia de classe média média (nem alta nem baixa), na familia havia gente que se interessava muito por política e o Filipe seguiu o caminho dos papás sem parar para pensar, hoje é o orgulho da familia porque não tem ninguém nas gerações anteriores com o seu nível de instrução. Típico!

João Vasco disse...

Anónimo:

«na familia havia gente que se interessava muito por política e o Filipe seguiu o caminho dos papás sem parar para pensar»

Tanto quanto sei, falhou em cheio!

Filipe Castro disse...

Não completamente em cheio. :o)

A minha classe é a classe mais média da classe média: aquela camada social que nos países do norte é a maioria e em Portugal sempre foi minúscula.

Do lado do meu pai, os meus trisavós eram todos (pequenos) proprietários rurais (a família do meu pai tinha dinheiro no século XVIII), um bisavô também (o outro era prof. primário), o meu avô também era proprietário rural e o meu pai era veterinário (fazia investigação). As minhas trisavós, bisavós e avó eram todas domésticas.

Do lado da minha mãe, dois dos meus trisavós eram empresários, um era gerente nos caminhos de ferro e o outro era oficial do exército; um dos meus bisavós era dentista e o outro era prof. universitário; o meu avô era guarda-livros e a minha mãe prof. do liceu. As minhas avós, bisavós e trisavós eram domésticas.

Quanto à política... engana-se. :o) Alguns dos meus bisavós eram republicanos, os meus avós eram todos salazaristas, o meu pai oscilava entre o salazarismo e a monarquia e foi a Roma ver a canonização do monsenhor Escrivá (o Eichmann dos espanhóis). A minha mãe acha o Paulo Portas “muito simpático” e vota sempre no CDS porque acha que eles “têm melhor aspecto”.

:o)

João Vasco disse...

Filipe:

Eu refeia-me à parte que citei.
A adivinhação dessa citação, pelo que leio (que é o que já tinha lido no Oeste Bravio), foi um falhanço monumental.

O que não surpreende.

Filipe Castro disse...

Pois não. :o)