As publicações da DGEMN atestam eloquentemente a destruição incompreensível do património, que se queria que parecesse românico: as ameias inventadas, as talhas arrancadas, os ajulejos picados, tudo para fazer as igrejas e os castelos mais medievais do que eles alguma vez tinham sido.
O resultado, 35 anos depois do 25 de Abril, é o deserto das ideias. Anedotas em vez de História. Pastiches e anastiloses em vez de monumentos. O património ao sabor das conveniências dos empreiteiros.
Com raríssimas e honrosas excepções (como o Museu de Marinha) Portugal tem talvez os museus mais pobres, mais tristes, mais miseráveis e mais vazios da Europa ocidental (e deve ter mais estádios de futebol per capita do que o resto do mundo!)
Isto não é por acaso. Howard Zinn disse muitas vezes que se não conhecermos a nossa história temos de confiar nos nossos políticos. A recente promoção do ditador Oliveira Salazar é um reflexo da ignorâcia triste e desgraçada de quem já não sabe que em 1960 Portugal era um sovaco mal cheiroso, sem sapatos, nem dentes, nem estradas, nem escolas, governado por seminaristas que tinham ido para o seminário para fugirem à fome.
A indiferença com que os sucessivos ministros e secretários de estado da cultura (com excepção do Dr. Manuel Maria Carrilho) tratam o património subaquático é uma vergonha nacional.
Não são só os navios - absolutamente preciosos - que a empresa Arqueonautas SA está a destruir em Moçambique. São os restos do navio encontrado na estação do Cais do Sodré, nas obras do metropolitano de Lisboa, cujas madeiras foram salvas pelo empreiteiro e deixadas secar e apodrecer pelo IPPAR. São as madeiras da nau de S. Julião da Barra, que ninguém se deu ao trabalho de manter molhadas e que se perderam, são os restos dos navios que continuam a saque na nossa costa sem que o estado tome medidas minimamente eficazes, ou o património subaquático português espalhado pelo mundo, que se encontra ao abandono.
Os espanhóis implementaram uma política agressiva e consequente (tarde, mas mais vale tarde do que nunca) e eu garanto que dentro de poucos anos vão ter um afluxo de turistas enorme para ver os museus deles.
Em Janeiro passado, numa reunião em Toronto, disseram-me que o navio 'Vasa' rendeu no ano passado mil milhões de eutros em receitas turísticas. O museu de arqueologia náutica de Bodrum é um dos museus mais visitados da Turquia. Mas os portugueses deixam os caçadores de tesouros rebentarem os restos dos navios afundados para venderem as porcelanas, as moedas e os lingotes.
Em toda a Europa (e nos EUA) se considera que o património é uma parte importante da identidade dos povos e a história é uma referência fundamental para a cidadania e a democracia. Menos em Portugal.
Os comentários dos anónimos aos textos escritos neste blog sobre este assunto são absolutamente confrangedores e ilustram eloquentemente o meu ponto de vista.
E se estes são os vossos melhores argumentos (sobretudo o comentário do anónimo que acha que eu devo "ser um falhado que quer publicidade a todo o custo") não dão grandes motivos para orgulho ao movimento monárquico português. Acho eu.
http://nautarch.tamu.edu/shiplab/index_indianau00.htm
3 comentários :
Estou totalmente de acordo com o teu artigo, mas o Vasa é um caso um bocado especial. Quantos navios inteiros naufragados temos nós para mostrar?
Quanto aos que dizem que és um falhado, deverias tê-los mandado ler aqui:
http://nautarch.tamu.edu/shiplab/IndexFCBiblio.htm
:o)
O museu de Bodrum não tem um único navio inteiro recebe todos os anos perto de um milhão de visitantes.
Acho que uma política de conservação do património é sempre melhor - do ponto de vista estritamente financeiro - do que a caça aos tesouros. Um museu com coisas de navios afundados é sempre um sucesso. Não é preciso teres navios inteiros lá dentro. Sobretudo hoje em dia, com a realidade virtual. Isto foi um projecto de uma aluna aqui da universidade: http://www-viz.tamu.edu/students/wellsae/index.html
Apostar na divulgação do património nacional não tem sido realmente proveitoso neste país. Especialmente qualquer coisa tão pouco «ortodoxa» como navios afundados.
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