quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Do mérito e da rotatividade

O Pedro Fontela, partindo da convicção de que o regime que temos «é francamente mau a todos os níveis», reflecte os meus artigos sobre a República com uma defesa da monarquia «não tradicional» (já agora, progressista?), electiva (mas sem sufrágio universal) e baseada no mérito. Estende o critério do mérito aos «títulos nobiliárquicos».

Para começar, considero que vivemos no melhor regime político da História portuguesa. Todos os anteriores me parecem piores. Mas enfim, quem quiser sugerir alternativas melhores é bem vindo.

Dois pontos.

Primeiro, acho que o Pedro exagera na relevância do mérito individual para a vida política. Não entendo a escolha de responsáveis políticos como uma sucessão de «concursos públicos» em que se escolhem gestores com base no seu currículo, nas suas qualificações ou nas suas notas. (Aparte: na última eleição presidencial, dos dois candidatos economistas, foi aquele que tinha pior currículo académico e científico a ser eleito). Pelo contrário, entendo a eleição de responsáveis políticos como um contrato informal entre eleitores e eleitos, em que as escolhas se baseiam nos projectos de sociedade ou nos modelos de governação que os candidatos apresentam. É essa a substância da política moderna, independentemente dos méritos do mérito. Mas aqui estamos na oposição entre democracia e meritocracia pura e dura (tecnocracia?).

Segundo, a transitoriedade da ocupação dos cargos de poder é uma exigência republicana fundamental. Todos os sistemas políticos em que os cargos são ocupados vitaliciamente descambam no nepotismo e no imobilismo. (E dado o aumento da esperança de vida, a ocupação de cargos por período indefinido cai facilmente na gerontocracia.) Poderia, aliás, haver limitação de mandatos para todos os cargos de eleição. Mais importante parece-me criar mecanismos que permitam afastar os eleitos dos seus cargos. Concretamente, deveria ser possível demitir presidentes de câmara. E destituir presidentes da República por via jurídica.

Finalmente, resta o pequeno problema de que o Pedro Fontela quer uma monarquia «electiva» e talvez «progressista» num país em que os monárquicos são defensores da continuidade biológica na chefia do Estado e do «tradicionalismo». Parece-me arriscado...

28 comentários :

dorean paxorales disse...

"Para começar, considero que vivemos no melhor regime político da História portuguesa."

Melhor que o do Afonso Costa?

(desculpa mas não resisti :))

Ricardo Alves disse...

Tábem pá, em termos de laicidade, a 1ª República era melhor. ;)

Marco Oliveira disse...

Ricardo,

Eu também acredito que "vivemos no melhor regime político da História portuguesa."

Mas não devemos ficar satisfeitos com isso. O regime pode melhor; é possível corrigir as suas imperfeições.

Anónimo disse...

Sim, a 1ª República conseguia ser melhor numa coisa, na laicidade.
Acho que é isso que falta a este regime que eu também considero o melhor da história de Portugal.

Ricardo Alves disse...

«O regime pode melhor; é possível corrigir as suas imperfeições»

Sem dúvida!

Héliocoptero disse...

Isso da rotatividade tem que se lhe diga, Ricardo. Não que o princípio esteja errado, concordo em absoluto quando dizes que é uma exigência republicana fundamental, mas a sua vigência prática no actual sistema partidário português é, no mínimo, questionável.

Ricardo Alves disse...

«a sua vigência prática no actual sistema partidário português é, no mínimo, questionável»

Basta olhar para as câmaras municipais...

Anónimo disse...

como se a falta de laicidade deste regime fosse a coisa que mais atrasa este país. não é a falta de produtividade, não é a corrupção generalizada, não é justiça desamparada, os baixos salários, o estado degradante da educação; é a igreja a o mal a combater, de facto.

Zeca Portuga disse...

"em termos de laicidade, a 1ª República era melhor."

Ricardo:
Ou você não sabe o que é laicidade e confunde laico com anti-católico, ou então desconhece em absoluto o que se passou durante esse tempo.

O um estado que controla a Igreja através de "organismos" estruturados e geridos por ele, nunca foi laico!

Laicista foi o costa e mais alguns membros dessa máfia organizada que se chama maçonaria. Nesse tempo, como hoje, é essa máfia que escolhe os governos, os regimes, as politicas, etc, etc.
É, inclusive, essa máfia que tem escolhido os altos cargos da união europeia e muitas das políticas da UE.

Estou-me nas tintas para o que pensa, porque sei que você nem imagina que o Barroso foi para o tacho europeu, por designação da máfia maçonaria, numa decisão da cúpula dos maiores mafiosos da tal seita – uma meia dúzia (há algumas pessoas que lendo isto dirão que cometi um pecado mortal… e, aos tais, digo mais: caguei para o sr. M, vejam lá!)

Haja alguém que me prove o contrário!!!!!!!!

Zeca Portuga disse...

Ainda não vi comentário TÃO SÉRIO, JUSTO E ACTUAL como o do Zé Gato.

Tudo aqui são bagatelas, se compararmos com a realidade... em toda a razão!

Pedro Fontela disse...

Ricardo,

Bem resumido :) Sim de facto eu pessoalmente estou mais inclinado a valorizar a meritocracia pura e dura à democracia total porque o que encontro no dia a dia me informa que não estamos bem, há algo de profundamente podre na nossa sociedade (o nepotismo, o formalismo, o legalismo, a cobardia...) - não defendo exactamente num esquema de avaliação só de CVs :) a educação formal já não diz tanto sobre uma pessoa como dizia há 100 anos. Essa diferença de perspectivas é que torna a coisa interessante, até acho que seria curioso aplicar estes conceitos de forma limitada num determinado sector político só para ver quais seriam as dificuldades reais encontradas.

ps: estás 100% certo no que toca aos monárquicos neste país. Pautam por uma completa falta de imaginação e pela estagnação política total. Passam a marca do conservadorismo para entrar na reacção pura.

Ricardo Alves disse...

Senhor «Zé Gato»,
acho que se enganou no debate. A discussão aqui é sobre o regime, não sobre modelos de desenvolvimento.

Ricardo Alves disse...

Pedro,
a meritocracia pura e dura tem os seus perigos (um «governo dos técnicos»), e o nepotismo não se evita com cargos vitalícios.

Zeca Portuga disse...

Ricardo:
O comentário do Zé Gato foi um tiro certeiro. Isso é que o incomoda, não é o facto de estar fora do tema (porque não está).

É evidente que as republicas são excelentes exemplos do culto da javardice, onde gerações sucessivas de politicos se revezam e elegem os eus seguidores: gente sem nenhuma formação (técnica, moral, social, cientifica… etc.).
Incrivelmente, o círculo dos elegíveis do sistema republicano tem um raio menor do que o da monarquia. E, falaciosamente, a hereditariedade da linhagem natural cedeu lugar à hereditariedade na linhagem do compadrio – são sempre os mesmos, mais os que estão na fila de espera da sua linhagem, sobretudo no governo que não é um órgão democraticamente eleito (é, até, anti democrático).

Eu sei que a organização, a rectidão, a seriedade e a dignidade, aliadas à capacidade e preparação rigorosa da monarquia, no que respeita ao desempenho das funções de estado, é algo que muito incomoda os amantes da javardice, da anarquia e da libertinagem subjacente às repúblicas… mas as monarquias são apenas para gente séria!

Eis o problema "a meritocracia" obrigava estes nabos, mal-formados, sem educação, inúteis, incapazes (que nunca tiveram lugar em empresa ou função séria e minimamente exigente) a abandonar o tacho... isso era um pecado (e iria aumentar muito o desemprego!).

Anónimo disse...

"Tábem pá, em termos de laicidade, a 1ª República era melhor. ;)" por ricardo alves

não fui eu que trouxe a laicidade à baila.

e só fiz notar que dizem que este regime é o melhor da nossa história, mas que pode melhorar. mas pode melhorar como? na laicidade, pois claro! não é na corrupção, na miséria de educação, etc: é na aplicação total da laicidade que devemos concentrar o nosso esforço.

desculpe, mas se isto não é de um anticlericalismo primário, não sei o que será. ainda por cima quando existem associações como a maçonaria que se apoderam do poder nas nossas barbas... mas como a maçonaria é "laica", tudo bem. a malta lá nas lojas deles deve-se rir à farta com a parvoíce deste povo durante aquelas cerimónias em que está tudo de avental à procura do "grande arquitecto".

Anónimo disse...

Ricardo Alves,

Não se esqueça que com a I Republica a liberdade de imprensa diminuiu e o número de eleitores também diminuiu, logo a democracia - nesses aspectos - também ficou um pouco mais pobre...

A Republica lançou as bases do nosso actual regime onde elegemos nosso chefe de Estado e isso foi um progresso espectacular!! Noutros aspectos temos que ser objectivos e reconhecer que houve um retrocesso em relação à monarquia...

Viva a República!

Pedro Miguel Freitas

Zeca Portuga disse...

A república tem duas grandes virtudes:
1 - permite que o povo apenas escolha os lugares cujo poder directo sobre os cidadãoe é minimo - para os restantes não há eleição, impera a designação pro compadrio.

2 - O povo é livre de escolher alguns dos seus ditadores, mas nunca de os destituir em tempo útil ou de os julgar pelos seus actos prevertidos, corruptos, socialmente reprováveis ou moralmente criminosos.
Ainda por cima, para mudar, tem a liberdade de escolher "mais do mesmo" - ou seja: pode escolher apenas os amigos e companheiros de jogo dos que de lá quer retirar.
Resultado: fica sempre tudo na mesma e não há alternativa!

Ricardo Alves disse...

«zé gato»,
a laicidade é fundamental para a questão do ensino. A escola deve ser realmente pública (gratuita e para todos), laica (sem dogmatismos, imposições confessionais e com debate livre) e de qualidade.

A corrupção também me preocupa, mas imaginar um regime político em que não existisse seria desconhecer a natureza humana. O que não quer dizer que não se combata a corrupção, claro. Tem alguma ideia brilhante?

Ricardo Alves disse...

Anónimo das 12:13,
a liberdade de imprensa não diminuiu com a implantação da República. Anteriormente, e a título de exemplo, existiam leis contra a blasfémia que mandavam para a prisão quem duvidasse de dogmas como a «imaculada concepção» e quejandos.

Na República actual temos sufrágio universal (ou quase, faltam os imigrantes), e está muito bem assim.

Anónimo disse...

Ricardo Alves,

So referi a questão da liberdade de imprensa proque ao passo que durante a monarquia se podiam defender (dentro de largos limites) a republica o mesmo nao acontecia durante a republica em relaçao a monarquia. Quanto as leis da blasfemia e outras basta ler os jornais a partir de 1822 para encontrar artigos a enxovalhar a padralhada, etc

Eu gosto da Republica actual por causa do sufragio universal, é isso que a faz justa. Quanto à primeira republica é sabido que fez reduzir o numero de eleitores em relaçao a monarquia o que foi mau e por uma questao de honestidade intelectual deve ser dito...

Viva esta República! Viva a Liberdade! Viva a democracia!

Pedro Miguel Freitas

Anónimo disse...

"«zé gato»,
a laicidade é fundamental para a questão do ensino. A escola deve ser realmente pública (gratuita e para todos), laica (sem dogmatismos, imposições confessionais e com debate livre) e de qualidade."

eu nunca disse que o Estado (e a escola pública, por inerência) não devia ser laico. é óbvio que devia, e ainda bem que o é. acho é que fazem tempestades em copos de água o tempo todo quando o assunto é a igreja: veja-se os casos dos crucifixos nas escolas e a gritaria que foi.
tem crucifixos, uma escola pública? tiravam-se, ponto final; mas fica tudo escandalizado, "é a igreja a tomar de assalto o poder e a corromper as nossas crianças!".

"A corrupção também me preocupa, mas imaginar um regime político em que não existisse seria desconhecer a natureza humana. O que não quer dizer que não se combata a corrupção, claro. Tem alguma ideia brilhante?"

a minha ideia não é brilhante, é até bastante óbvia - e acaba com, vá lá, 1/3 da corrupção do país. extinga-se a maçonaria. resultava, garanto-lhe.

Zeca Portuga disse...

Zé Gato:
Eis o cerne da questão (pelo que vejo que é uma pessoa informada):

"acaba com, vá lá, 1/3 da corrupção do país. extinga-se a maçonaria. resultava, garanto-lhe."

O Ricardo não gosta de discutir comigo a república. Eu percebo-o muito bem, sobretudo quando ele faz afirmações como "liberdade de imprensa" na primeira república, sufragio universal, igualdade, respeito pelos direitos humanos, etc.

Eu sei que ele não sabe do que fala. Escreverei um post no meu blog sobre o assunto, e desafio-o a desmentir-me.

Ricardo Alves disse...

«Quanto as leis da blasfemia e outras basta ler os jornais a partir de 1822 para encontrar artigos a enxovalhar a padralhada»

...Que resultavam em penas de prisão quando enxovalhavam entidades que não existem (por exemplo, a «Virgem Maria»).

Ricardo Alves disse...

«tem crucifixos, uma escola pública? tiravam-se, ponto final;»

Pois, vá lá dizer isso aos pais que andaram quatro anos e mais para resolver problemas desses, e que só os viram resolvidos quando o assunto saltou para a capa dos jornais...

«extinga-se a maçonaria»

E a liberdade de associação?

Anónimo disse...

"E a liberdade de associação?"

Num caso de promiscuidade com o poder quero que isso se dane. Não tarda estamos a dar liberdade de associação a grupos terroristas.

"Pois, vá lá dizer isso aos pais que andaram quatro anos e mais para resolver problemas desses, e que só os viram resolvidos quando o assunto saltou para a capa dos jornais..."

Deve ter sido um tormento para os coitadinhos dos pais, saber que os filhos andavam na escola com uma cruz. Claro que não devia haver crucifixos em escolas públicas, mas não é por isso que um miúdo se vai converter.

A religião vem de casa, não é na escola que se aprende. Muito menos numa escola que de religioso, só tem uma cruz...

Ricardo Alves disse...

«A religião vem de casa, não é na escola que se aprende. Muito menos numa escola que de religioso, só tem uma cruz...»

Olhe que está muito enganado. Há escolas que de religioso têm o crucifixo, as aulas de religião e moral, e cerimónias religiosas compulsivas para alunos e funcionários por alturas daquela festa que os cristãos fazem na Primavera.

Quem protestou contra o crucifixo também protestou contra os actos religiosos e as visitas bispais às escolas.

«Deve ter sido um tormento para os coitadinhos dos pais, saber que os filhos andavam na escola com uma cruz»

Olhe, há quem não goste das cruzes cristãs, há quem não goste das cruzes gamadas, e há quem não goste de nenhuma das duas...

Zeca Portuga disse...

Ricardo:
Há quem não goste, mas também há quem goste.

Ora, a maioria gosta, a minoria reta-lhe aceitar.

Eu detesto o socrates e a sua seita.
Posso pô-lo de lá apra fora?
É a minoria, mas sente-se insultada, contraia o meu pensamento, a minha ideologia, o a minha religião, os meus principios e interesses... etc, etc.

Se eu exigir, ele tem que sair de lá, ou ficamos pela "maioria é que vence".

Em que ficamos?
E, não me venha com histórias costituionais, proque o governo não é uma entidade democraticamente eleita, como já lhe tenho dito!

João Vasco disse...

Se a maioria quiser escravizar a malta de sardas, ainda assim não deve poder fazê-lo.
Há princípios fundamentais mais fortes que maiorias conjunturais.

A separação entre estado e igreja deve ser um desses princípios.


Quanto à Maçonaria, também não sou grande fã. Mas num estado de direito tem de haver um fundamento para perseguir uma determinada associação, e se esse fundamento não existe, a Opus Dei, a Maçonaria e outras lá continuarão os seus joguinhos de poder. Antes isso que a capitulação do estado de direito. Cabe a nós tentar mudar este estado de coisas, sem qualquer tipo de perseguições ilegítimas.