domingo, 7 de outubro de 2007

Socialismo e Liberalismo - II



Este esquema ilustra (na medida do possível) aquilo que me referia na mensagem anterior. A barra vertical refere-se à importância que é dada aos valores do individualismo. Pessoas que partilham de valores mais paternalistas tendem a preferir os regimes acima, e pessoas que partilham de valores mais individualistas tendem a gostar mais dos regimes de baixo.

A barra horizontal refere-se à importância que é dada à propriedade privada. À direita encontram-se as correntes de pensamento segundo as quais a propriedade privada deve ser protegida enquanto valor fundamental. Quanto mais à esquerda, menos valor é dado à defesa da propriedade privada.

Mais coisa menos coisa, o saco de dinheiro assinala valores similares aos de Milton Friedman. O boné militar com estrela comunista assinala os valores de Mao e Estaline. O A de "anarquia" assinala os valores de quase todos quantos se auto-intitulam anarquistas (mais restritos que todos aqueles compatíveis com a inexistência de estado/autoridade). O facho assinala os valores de grande parte dos regimes fascistas, incluindo o corporativismo do Estado Novo. No canto superior direito poderia estar um símbolo alusivo à ditadura de Pinochet. Alguém tem alguma sugestão de um símbolo adequado para isto?

43 comentários :

João Vasco disse...

Acrescento que o termo "neo-iberalismo", em vez de ser utilizado para designar o tipo de liberalismo defendido por Friedman, como acredito seria adequado, tem sido utilizado para designar basicamente toda a direita. O que me parece uma asneira.

Igor Caldeira disse...

eu ponho uma objecção que creio não ser irrelevante à divisão que João Vasco faz, recorrendo à já normal divisão (mais sofisticada que a separação Esquerda/Direita) entre uma avaliação de posições económicas e sociais. Ele coloca todo o extremo libertário desde o ponto mais à esquerda até ao ponto mais à direita no campo liberal. A minha questão é que isto desvirtua o conceito. Se o liberalismo é isso tudo, então o que é?

Creio que pelo menos o anarquismo de Esquerda tem de ser subtraído desse campo. Resta como tratar os libertários de Direita, o que teoricamente pode ser uma questão encantadora mas em termos práticos é nula: está por nascer o homem ou mulher que conseguir honestamente colocar-se no extremo inferior de direita. No entanto e admitindo essa possibilidade, admitamos que serão os libertarians a ficar nesse canto, e por extensão todos aqueles que se reclamarem apoiantes e seguidores do pensamento de Friedman na sua integralidade (e não mantendo o libertarismo económico expurgando o libertarismo nos costumes).
No extremo esquerdo temos as famílias políticas que defendem a igualdade concreta e absoluta; no extremo direito encontraremos enfim aquelas famílias que negarão a igualdade (ou seja, que afirmarão ou que a igualdade põe em causa a propriedade e a liberdade, ou - o que é o mesmo - que a igualdade é um dado adquirido: somos todos iguais em teoria e portanto nenhuma actuação política para gerar igualdade real é legítima).

Qualquer uma das posições que ora referi é compatível com maior ou menor intervenção do Estado, sendo que no entanto ao centro encontraremos políticas mitigadoras da desigualdade real e que visem efectivar a igualdade teórica (ou seja, a todos deve ser dada a oportunidade de competir); à esquerda encontraremos uma negação da competição pela proibição da desigualdade; à direita encontraremos uma negação da competição pelo impedimento prático (que vai a par com a permissão teórica) da competição.

João Vasco disse...

Igor:

Eu até poderia concordar consigo em termos "práticos", ou seja considerar que no centro (mais coisa menos coisa) é que se poderia maximizar a liberdade individual.

Mas acho que isso passa pelo mesmo tipo de fenómeno que descrevi no artigo acima: os liberais de uma zona acham que o seu é o "verdadeiro" liberalismo.

Mesmo que uns tenham razão e outros não, eu prefiro considerar este quadro no pressuposto que não se sabe qual deles é o "verdadeiro" liberalismo. Todos acham muito importantes as liberdades individuais, por isso todos são liberais - mas todos têm diferentes "estratégias" para as maximizar no que respeita ao regime económico/valor da propriedade privada/grau de redistribuição coerciva. cada um acha que a sua estratégia é a mais adequada para maximizar a liberdade e que portanto os outros não são "verdadeiros liberais".

Um anarquista, seja de esquerda direita ou centro é o extremo do liberalismo: rejeita toda a autoridade. Mas será que não há autoridade havendo capital? Será que não há autoridade havendo uma redistribuição coerciva parcial? Será que não há autoridade quando se impõe a inexistência de propriedade privada?
Cada um pode achar que outras correntes são incompatíveis, nem sequer fazem sentido.
Mas eu vejo claramente que há sempre uma intenção liberal, e não vou considerar que um anarquista como Bakunin não é liberal: está mesmo no mesmo barco que o Milton Friedman, por incrível que possa parecer.

E ainda quer dizer muita coisa. Apesar de representar muita área nesse gráfico, só uma pequena minoria da população é liberal. Mesmo com esta prespectiva tão abrangente do liberalismo.

Igor Caldeira disse...

Há duas coisas que eu separo: uma consideração do liberalismo enquanto ideologia, no seu percurso histórico; a minha concepção de liberalismo.
A minha concepção de liberalismo leva-me a colocá-lo rigorosamente ao centro por achar que é aí que o indivíduo mais é preservado. Isso não tem nada que ver com o meu liberalismo ser melhor que o de outros.
O que acho é que não podemos desvirtuar as palavras. Ser liberal nos costumes não chega para ser "liberal" embora nos faça mais "libertários". Liberal é uma palavra que tem um sentido próprio que não se confunde, pelo menos com o anarquismo e que, como disse, podemos eventualmente (embora isso seja fonte de infindáveis conflitos) do anarquismo capitalista. É que o liberalismo não é separável (nunca o foi) da defesa da propriedade privada; portanto, um pouco mais à esquerda ou um pouco mais à direita, teremos no entanto de concluir que o "liberalismo" não pode abarcar todo o espaço que está entre a extrema-esquerda libertária e a extrema-direita libertária, tendo de excluir pelo menos a primeira e possivelmente a segunda.
Não creio que possamos simplesmente pegar no liberalismo e atribuir-lhe o sentido do libertarismo. Não só porque a palavra libertarismo preenche suficientemente bem esse espaço, como porque o liberalismo é um conceito que, por muito difuso que seja, implica sempre algum conteúdo histórico.

Quanto à reduzida representatividade do espaço, é um facto, embora o seja sobretudo por ser Portugal. Ainda agora começou a ser estudado o motivo (motivos) de não haver liberalismo em Portugal. No entanto, noutros países não é assim. França, Reino Unido, Holanda, países escandinavos, Alemanha, Itália, Canadá - e até os EUA, onde os Democratas são, na sua maioria, liberais de facto (mesmo no sentido europeu).

Anónimo disse...

"Um anarquista, seja de esquerda direita ou centro"

estas categorias não existem. são categorias polítias no sentido da organização parlamentar e o anarquismo está fora disso.

"[o anarquismo] é o extremo do liberalismo: rejeita toda a autoridade."

o liberalismo, de esquerda ou de direita, não é anticapitalista, por isso não se pode fazer essa associação. são coisas diferentes simplemente.

Anónimo disse...

"Mas será que não há autoridade havendo capital? Será que não há autoridade havendo uma redistribuição coerciva parcial? Será que não há autoridade quando se impõe a inexistência de propriedade privada?"

há autoridade havendo capital, o anarquismo é anticapitalista.

há autoridade havendo redistribuição coerciva parcial (seja lá o que isso for), o anarquismo rejeita formas coercivas de redistribuição parcial.

há autoridade quando se impõe a inexistência da propriedade privada, o anarquismo não pretende impor isso a ninguém mas sim que haja uma consciêncialização que não pode haver liberdade com a existência de propriedade privada. digamos, por exemplo, que segundo essa perspectiva seria uma imposição a inexistência de reis, esclavagistas ou seitas religiosas que enganassem as pessoas com banhas da cobra (para usar exemplos caros aos autores deste blog)

João Vasco disse...

panúrgio:

Estas de acordo com o Igor quando dizes que o "liberalismo" é incompatível com a ausência de propriedade privada.

Mas contradizes-te quando dizes que o Anarquismo é a forma mais livre de organização social.
Nota bem: se o Anarquismo é a forma "mais livre", então suponho que seja uma forma que "preze a liberdade" - liberal, portanto.


O liberalismo não tem de defender a propriedade privada. Um liberal defende a propriedade privada se e só se considera que isso leva a uma sociedade mais livre.

Aquilo que chamei direita/esquerda foi a defesa que é feita da propriedade privada. Um mundo sem estado poderia ser de direita, centro ou esquerda. O João Miranda do Blasfémias é anarco-capitalista.

Muitas opiniões diferentes a respeito do regime económico (direita/centro/esquerda) são compatíveis com um desejo genuíno de uma sociedade mais livre.

O que não é compatível é um indivíduo dizer que é liberal, mas depois ser contra a eutanásia ou a venda livre de drogas leves, etc...

Anónimo disse...

joão vasco,

parece-me que associas o termo liberal a tudo o que seja favorável à existência de mais liberdade. essa pode ser a perspectiva de um@ liberal mas o que não falta são reinvidicador@s do estatuto de defensores da liberdade. então o caríssimo pedro arroja não afirma a pés juntos que o papa é o maior baluarte da liberdade? e que o autoritarismo é a única forma de aspirar à libertação do povo?

do ponto de vista libertário, oposto irremediavelmente ao do liberalismo, qualquer forma de hierarquia ou autoridade significa a diminuição da liberdade. assim, o conceito de liberdade é muito mais exigente e abrangente no anarquismo do que no liberalismo, em que com facilidade se fazem concessões a poderes alheios ao indivíduo, seja em nome do mercado, de uma moral, de uma ordem social, de uma lei, etc. aliás, no anarquismo pensa-se mais em libertação, no acto concreto de libertar e na responsabilidade em nos libertarmos e apoiarmos soidariamente a libertação d@s outr@s, do que num conceito abstracto de liberdade que nos é permitida disfrutar, mais uma vez, através de uma lei, uma moral, etc., etc.

a minha conclusão é que se pode discutir qual o melhor conceito de liberdade mas não faz sentido dizer que o anarquismo é liberal ou que o bakunine limpa o suor do friedman ao remarem no mesmo barco.

Anónimo disse...

"O liberalismo não tem de defender a propriedade privada."

quem são os liberais que não defendem a propriedade privada?

"Aquilo que chamei direita/esquerda foi a defesa que é feita da propriedade privada. Um mundo sem estado poderia ser de direita, centro ou esquerda. O João Miranda do Blasfémias é anarco-capitalista."

o joão miranda é um acérrimo defensor da propriedade privada. ele simplesmente quer substituir o poder do estado pelo das corporações económicas


"Muitas opiniões diferentes a respeito do regime económico (direita/centro/esquerda) são compatíveis com um desejo genuíno de uma sociedade mais livre."

lá está, mais uma vez... se o pedro arroja tem um desejo genuíno de uma sociedade mais livre o que é que podemos dizer ao homem? estás a mentir? és um ingénuo?

e de uma pessoa que apoie o capitalismo poderá dizer-se que possua esse desejo genuíno de liberdade? os resultados são catastróficos, inquestionáveis. qual é então a desculpa para todo o espectro partidário, da esquerda à direita passando pelos liberais para poderem dizer que desejam uma sociedade mais livre?

João Vasco disse...

«parece-me que associas o termo liberal a tudo o que seja favorável à existência de mais liberdade.»

Sim.

«e que o autoritarismo é a única forma de aspirar à libertação do povo?»

Há muitas formas diferentes de ser religioso: pode-se ser cristão, pode-se ser islamico, pode-se ser indu. Mas não podes ser ateu, e classificar-te como religioso, nem que comeces a tirar o significado às palavras. É isto que Arroja faz quando começa a dizer que a Liberdade é obedecer aos líderes: destroi a palavra (lembra o 1984).

Eu não acho que Friedman faz isso. Ele tem uma noção perfeitamente defensável do que é a liberdade, mas tem uma noção diferente daquilo que é o mundo, a natureza humana, etc... Por isso a estratégia dele para maximizar a liberdade é diferente da estratégia dos anarquistas (e da minha!!!).
Mas ambos acreditam que a via porque lutam é a que mais aumenta a liberdade, e ambos estão de acordo em muitos aspectos.

Ninguém te devia impedir de consumir drogas, ninguém te devia impedir de ir para onde quiseres, ninguém te devia impedir de ver pornografia, ninguém te devia impedir de te matares, nem muito menos impedir o teu acesso à eutanásia, etc...
Achas pouco? Muito pouca gente está de acordo com estas causas. Isto são posições minoritárias na nossa sociedade. Quem as defende é individualista ao ponto de ser liberal.

Anónimo disse...

se redefines "libertári@" como sendo liberal então também estás a destruir a palavra.

Anónimo disse...

ah! não conheço o Friedman, não posso discutir o que ele pensa. estava-me a referir a qualquer um@ que sancione o capitalismo, incluindo liberais.

João Vasco disse...

«se redefines "libertári@" como sendo liberal então também estás a destruir a palavra.»

Libertário não é a mesma coisa que liberal, porque liberal é uma palavra muito mais geral que libertário.
Qualquer libertário é liberal, mas só poucos libertários são liberais.

«estava-me a referir a qualquer um@ que sancione o capitalismo, incluindo liberais»

aquilo que escrevi sobre o Friedman aplica-se a grande parte dos liberais que sancionam o capitalismo.

David Lourenço Mestre disse...

nao vou discutir profundamente a questao do direito à propriedade privada. que é em si uma violação brutal da liberdade individual.

O que me chama a atenção é o destino que querem dar ao estado. isto é, a sepultura da historia

como esperam combater neste panorama a violaçao, o assassinio, a pedofilia, isto nao implica um pre-acordo entre homens livres, e esse pre-acordo nao é em si uma forma de estado?

Igor Caldeira disse...

A propriedade privada é uma limitação da liberdade individual??

Anónimo disse...

joão vasco,

querer alargar o conceito de "libertári@" para além do seu sinónimo tradicional de anarquista é uma coisa, mas agora pretendes excluir completamente @s anarquistas ao afirmar que qualquer libertário é liberal. se é liberal não é anarquista.

se queres redefinir "libertário" à moda made in USA tudo bem, mas não deixa de ser mais um novolinguismo cujo único resultado é esvaziar de significado a autodesignação de um movimento radical sem capacidade para passar ao lado de redefinições semânticas

Libertarian


"Mas ambos [Friedman e anarquistas] acreditam que a via porque lutam é a que mais aumenta a liberdade, e ambos estão de acordo em muitos aspectos."

no principal estão em desacordo. os exemplos que estás a usar da eutanásia, drogas leves, etc. são temas menores que qualquer um pode defender sem incómodos de maior. por isso é que referi o capitalismo como das principais formas de restrição da liberdade. porque aqui é que se vê quem apenas quer agitar bandeiras ou quem pretende realmente fazer uma crítica coerente e consequente.

Anónimo disse...

david,

o estado é o oposto de um acordo. num acordo as pessoas conhecem o que está em causa e decidem se o querem ou não. num estado nasce-se com a assinatura de ratificação já dada.

Anónimo disse...

novolinguismo = novilinguismo

David Lourenço Mestre disse...

Parece me que antes de falarmos de estado temos de falar do contrato social. Necessariamente de conceitos sofisticados como promessas reciprocas, obrigaçao, dever, puniçao, verificaçao do cumprimento de promessas.

O estado é a expressao abstracta do contrato social, na linha de max weber, o estado primordial é o monopolio da força autorizada ou legitima, e cabe lhe a protecçao de quem cai dentro do seu territorio. O contrato social ou uma ideia de sociedade pede o estado primordial, e se o contrato social é um pre-acordo entre seres civilizados o estado tambem o é

Igor, erro meu, reescrevo o que disse: a aboliçao do direito à propriedade privada é uma violaçao brutal da liberdade individual

Igor Caldeira disse...

Ah bom, já estava a ficar confuso :-P

Quanto ao Estado, concordo também. O Estado existe, e se não existisse continuaria a existir. Ele tem uma função insubstituível. Para além dos anarquistas, muitos liberais conservadores (libertarians) têm esta visão de que o Estado é infinitamente mau. A minha resposta a essas posições coloquei-as aqui: http://blog.liberal-social.org/a-diferen-a-fundamental-entre-o-anti-estatismo-prim-rio-e-o-individualismo-sincero

Ricardo Alves disse...

«como esperam combater neste panorama a violaçao, o assassinio, a pedofilia, isto nao implica um pre-acordo entre homens livres (...)?»

Não, não implica. Não deve ter havido sociedade humana, desde o paleolítico, que não castigasse o homicídio e a violação. E muito poucas dessas sociedades eram constituídas por «homens livres». Reprimir a violação e o assassínio sempre fez parte das regras sociais.

Ricardo Alves disse...

«a aboliçao do direito à propriedade privada é uma violaçao brutal da liberdade individual»

Porquê? Pode ser-se imensamente livre sem qualquer propriedade privada. E pagando impostos.

Anónimo disse...

o contrato social padece do mesmo mal que o estado, ninguém o ratificou. a esmagadora maioria das pessoas nem nunca ouviu falar nesse conceito.

«a aboliçao do direito à propriedade privada é uma violaçao brutal da liberdade individual»

a liberdade de possuir de alguns retira a liberdade de possuir a muitos. daí estarmos no período mais negro da história da humanidade no que respeita à pobreza e à miséria extrema.

João Vasco disse...

panúrgio:

«os exemplos que estás a usar da eutanásia, drogas leves, etc. são temas menores que qualquer um pode defender sem incómodos de maior»

Podem defender, mas não o fazem. O que acontece é que nem todos dão muito valor à liberdade individual, e por isso é que cerca de 80-90% da população é contra a eutanásia.
Algumas pessoas dão mais importancia à liberdade individual - são liberais. Podem defender a propriedade privada ou a sua abolição consoante aquilo que consideram que vai maximizar a liberdade (e nisto acham sempre que os que têm uma estratégia diferente não querem um mundo mais livre, mas isso parece-me falso).
No extremo da defesa do individualismo estão os anarquistas todos - sejam os anarco-comunistas, anarco-capitalistas, ou seja o que for. Não só são liberais, como são os mais liberais.

E tu provavelmente concordas com isto se atentares na definição do termo "liberal" - aquele que defende mais liberdades individuais.


«daí estarmos no período mais negro da história da humanidade no que respeita à pobreza e à miséria extrema»

Isto é falso.
Havia muito mais fome e miséria antes da revolução industrial na europa do que aquela que hoje existe em África.
Hoje é em África que a esperança média de vida dos seres humanos é menor, mas mesmo essa é bem maior que a esperança média de vida que existia na Europa há alguns séculos atrás. O mesmo é verdade em relação à mortalidade infantil, e uma série de outros indicadores.

As coisas estão insuportavelmente más e muitos lugares, mas a esse nível é errado dizer que nunca estiveram piores.

João Vasco disse...

igor e david lourenço:


A ideia de que a ausência de propriedade privada é incompatível com as liberdades individuais é isso mesmo: uma opinião - e não reúne consenso.

O meu objectivo neste texto nem é manifestar a minha opinião, ou argumentar a favor de um dos lados: é reconhecer que a polémica existe, e admitir que ambos os lados podem ter um genuíno apreço à liberdade.

Igor Caldeira disse...

Se alguém conseguir provar-me que a propriedade privada é um ataque à liberdade, óptimo. Quero ver quem é que me convence que a minha casa ou a roupa que tenho no corpo pertencem à "cumperativa" e que se eu der todos os meus bens à comunidade serei muito mais livre.

João Vasco disse...

igor:

A coerção é um atentado à liberdade - espero que estejemos de acordo nisto. E eventualmente é ncessária para impedir atentados maiores à liberdade.
Mas se algo é um atentado maior ou menor já depende dos valores de cada pessoa.

Vou dar um exemplo: o furto. Será um atentado à liberdade a coerção que tem como objectivo impedir o furto? Isso não é uma imposição de um sistema de valores? "É preferível não ter a liberdade de furtar, mas garantir que a mim não me furtam nada a ter a liberdade de furtar e nenhuma garantia que não me furtam?". Não há uma resposta objectiva para esta pergunta.

Culturalmente aprendemos que furtar é errado, e que é preferível sermos impedidos de furtar mas saber que não nos furtam a poder furtar à vontade. Por outro lado, é preferível podermos dar a nossa opinião livremente, mesmo que isso magoe os sentimentos de alguem mais susceptível. Não há mesmo um critério objectivo que permita arbitrar em relação a estas questões impondo uma fronteira transcultural nas liberdades negativas. São mesmo valores que dependem de sociedade para sociedade e de indivíduo para indivíduo.

Não quer dizer que não existam valores melhores que outros. Ou tem razão quem acha que há mais liberdade podendo furtar, ou quem acha que não. Um dos lados tem razão e o outro não - não estou a defender os dois lados.

Mas sei que nenhum lado (e depois há as infinitas posições intermédias) provou de forma inequívoca que tem razão, e reconheço a existência e a validade do debate.

Assim sendo, acho que todas as posições face a esta questão são compatíveis com um apreço pelo valor da liberdade.

Para distinguir, não acho que seja compatível alguém ter muito apreço pelas liberdades individuais, mas ser contra a legalização da eutanásia. Mesmo que ache essa posição legítima e defensável (mas discordo dela e não é pouco...), certamente que não é uma posição liberal.

Anónimo disse...

joão vasco,

achas correcto dizer que @s liberais são @s menos libertári@s entre os libertári@s, já que usas os dois conceitos como uma questão de diferença de grau de defesa da liberdade?


sobre a pobreza global deixa-me lembrar-te que a população mundial aumentou muito no século vinte e continua a aumentar significativamente. em valores absolutos a pobreza aumentou, actualmente o número já passou bastante o milhar de milhões. já li que o mesmo se passa a outros níveis como por exemplo a escravatura. alguém que viva em semi-reclusão numa fábrica das filipinas a ganhar 18 cêntimos por hora a produzir nikes ou drives de cdrom, sem direitos laborais é o quê?

João Vasco disse...

panúrgio:

Eu não acho que os liberais prezam menos a liberdade que os libertários. Acho que quem preza a liberdade individual acima de um determinado ponto é liberal. E quem preza acima de um determinado ponto ainda acima é libertário. Assim sendo, tal como no esquema, o grupo "libertário" é um sub-grupo do grupo "liberal".
É como se os liberais fossem os 10% que mais prezam a liberdade individual. E os liberários fossem os 1% que mais prezam a liberdade individual.
É óbvio que ninguém pode estar incluido nos 1% sem estar incluído nos 10%...

João Vasco disse...

Tu tinhas dito «daí estarmos no período mais negro da história da humanidade no que respeita à pobreza e à miséria extrema».

Agora pergunto-te: entre uma cidade com 2 milhões de habitantes nos quais 50 vivem na miséria, e uma aldeia com 100 habitantes nos quais 40 vivem na miséria, que situação achas preferível?

O teu argumento de que existe mais miséria em termos absolutos é um argumento que não colhe. Se me dissesem que eu ira nascer de novo numa situação geográfica ao acaso, e que podia escolher a época, havia muitas épocas que me pareceriam bem mais evitáveis que os nossos tempos.
Aliás, entre viver agora ou numa época ao acaso desde o início da civilização até agora, preferia nascer agora. Acho mesmo que está longe de ser das épocas mais negras...

Foi uma afirmação no claro do momento, foi um mal entendido, ou manténs essa opinãob (a que citei)?

Anónimo disse...

eu acho que se ultrapassarmos as retóricas típicas de quem nasceu no ocidente da sobre-abundância, que nos incute conceitos resultantes da maravilha da nossa civilização técnico-científica e de cultura, conceitos como industrialização, democracia, globalização, capitalismo, crescimento económico, progresso etc... se deixarmos de encarar esses conceitos como panaceias, inevitabvilidades ou maravilhas per si e reduzirmos a análise à crueza dos factos da realidade das pessoas, torna-se claro que, para a grande parte do mundo a situação não está melhor e com o crescimento demográfico acelerado é de esperar que piore.

o que interessa é se as pessoas têm o que comer, onde dormir, se têm liberdade. por isso é evidente que prefiro a aldeia com menos 10 pobres.

a ideia que o neoliberalismo quer fazer passar é a de que com o capitalismo chegaram os empregos e a possibilidade de sair da miséria. isto é um erro. com o colonialismo e agora com a globalização chegou um modo de vida de miséria. até a própria onu já admitiu que para lutar contra a pobreza é preciso que os povos voltem às suas formas tradicionais de vida. é preciso deixarmos de olhar, aqui no ocidente, para as cabanas e a agricultura de subsistência como um atraso civilizacional e passarmos a vê-las como formas sustentáveis social e ecologicamente, aliás, ao contrário do que nós próprios, os donos do progresso, fazemos.

João Vasco disse...

panúrgio:

Tu preferes uma realidade onde 40% da população vive na miséria, a uma realidade em que menos de 0.1% vive na miséria. Foi essa a resposta que deste ao exemplo abstracto que eu te lancei. Temos realmente valores muito diferentes: eu preferia nascer numa realidade onde fosse difícil estar numa miséria do que numa realidade onde fosse fácil. Nem consigo bem entender porque é que pensas de forma diferente.

A industrialização e o desenvolvimento tecnológico trouxe realmente muitas coisas boas, e melhorou as condições de vida mesmo daqueles que são mais explorados e que vivem hoje de forma mais miserável.

Acho algo hipócrita dizer que a "escravatura actual" é "tão má" como a escravatura do colonialismo, em que as pessoas eram transportadas em navios onde morriam grande parte devido às deficientes condições sanitárias, levavam chibatadas e chicotadas, etc... Qualquer um de nós escolheria a situação actual - por muito desumana e injusta que seja - sem pestanejar, se a opção nos fosse de facto dada.

Acho mesmo disparatado e alienante não ver vitórias no fim do feudalismo, não ver oportunidades na tecnologia moderna, recusar-se a ver a evolução que existiu.

Se leres o que tenho escrito neste blogue terás de reconhecer que sou muito crítico em relação ao crescimento demográfico. Acho um dos maiores problemas da humanidade, e acho que a nossa qualidade de vida seria muito maior se, com a tecnologia actual e com as conquistas que fomos fazendo, fossemos muito menos.

Mas isso não me impede de reconhecer que ao longo dos últimos séculos a humanidade foi atingindo cada vez maior liberdade e conforto. Há menos fome, há menos doenças, as pessoas vivem mais tempo. Isto não é propaganda: são factos.

João Vasco disse...

«eu preferia nascer numa realidade onde fosse difícil estar numa SITUAÇÃO DE miséria do que numa realidade onde fosse fácil»

Pequena correcção..

Igor Caldeira disse...

"até a própria onu já admitiu que para lutar contra a pobreza é preciso que os povos voltem às suas formas tradicionais de vida"

Até me arrepio...

dorean paxorales disse...

o símbolo? um cacho de bananas.

João Vasco disse...

«o símbolo? um cacho de bananas»

É bom!
Mas mesmo assim acho que ficaria mais adequado para representar o populismo rasca do nosso Alberto João...

Anónimo disse...

joão vasco,

tens as percentagens para te ajudarem a escolher racionalmente onde preferias nascer e a industrialização para apresentar como grande feito da humanidade. enquanto isso tens também mais 10 alminhas a morrer de fome e que nunca tiveram oportunidade de escolher fosse o que fosse. a isto chama-se uma perversão ética.

mas mesmo que eu não tenha razão e este não seja O período mais negro da história da humanidade, a dimensão da catástrofe humana e ecológica é de tal ordem que esta nossa discussão se torna despropositada. se com o capitalismo, a industrialização, a sociedade técnico-científica, a democracia, a globalização é isto que conseguimos... então como é que é possível continuar a achar que este caminho é aceitável?



para o arrepiado,

não te preocupes que não era em ti que a onu estava a pensar quando publicou o documento que referi. como se depreendia do contexto falava-se dos povos do chamado terceiro-mundo.

João Vasco disse...

panúrgio:

Eu não escrevi nada sobre se este caminho era aceitável, ou se eu o queria seguir.

Apenas corriji aquilo que me pareceu ser um erro grosseiro. Estamos melhor com o fim do feudalismo, estamos melhor com o fim da escravatura "propriamente dita" (ainda existe "trabalho escravo" no sentido mais amplo do termo, mas o que existia era pior...), estamos melhor com mais ciência e tecnologia, etc...

Mas há civilização há pouco mais de 5000 anos, ainda há muita coisa a fazer, e a mudar. A dimensão das injustiças é enorme.
Mas prefiro não olhar para o passado, quando as mulheres e os escravos eram tratados como eram, e a Igreja impunha a sua lei, e considerar que hoje estamos pior.

Anónimo disse...

então não se percebe o que estás a dizer. defendes alguns dos principais modelos que a humanidade tem seguido ao dizer que eles melhoraram as condições de vida globais, afirmas que estamos melhor do que estávamos e agora demarcas-te dizendo que não te pronunciaste sobre a legitimidade deste caminho.

não concordo mesmo nada contigo quando dizes que a escravatura agora é melhor do que o que era no passado. mudaram as formas de o fazer mas as mortes, as clausuras e os maus tratos continuam. só que agora em muito maior número. dizer que agora a situação está melhor soa terrivelmente a relativização.

e ainda não abordamos a questão nuclear e o problema ecológico. penso que por aqui não haverá muito a contrariar e são factores que pesam muito a favor da minha perspectiva.

os meios para matar e produzir miséria são, hoje, também muito maiores que os que havia noutras eras. a ciência não nos trouxe apenas a medicina, trouxe também armas de destruição massiva e coisas incríveis como o urânio empobrecido que matam a longo prazo. a ciência não é neutra não é verdade?

há ainda a questão da desigualdade. nunca como hoje esta foi tão acentuada quer entre hemisfério sul e norte como mesmo a nível interno de cada país. a sobre-abundância do mundo ocidental e industrializado é cada vez mais obscena perante a miséria do sul. ainda por cima se tivermos em consideração que a nossa abundância se deve à exploração dessa mesma massa informe que nos faz os produtos com que vivemos em conforto.

é realmente uma era terrível, senão a pior, que me parece ser, indiscutivelmente má e sem solução à vista

João Vasco disse...

«então não se percebe o que estás a dizer. defendes alguns dos principais modelos que a humanidade tem seguido ao dizer que eles melhoraram as condições de vida globais, afirmas que estamos melhor do que estávamos e agora demarcas-te dizendo que não te pronunciaste sobre a legitimidade deste caminho.»


Então explico: os caminhos seguidos trouxeram a uma qualidade de vida e liberdade superiores às do passado. Mas insuficientes.
Ora como o caminho que nos trouxe aqui passou por revoluções, reformas, descobertas e muitas mudanças de sistema, eu espero que estas continuem.
Assim sendo, eu defendo "o caminho" se ele for de libertação, de conhecimento e de justiça, mas não defendo o sistema actual, que ainda é demasiado injusto.


«não concordo mesmo nada contigo quando dizes que a escravatura agora é melhor do que o que era no passado. mudaram as formas de o fazer mas as mortes, as clausuras e os maus tratos continuam.»

Eu queria ver se tu preferias ser um escravo hoje e trabalhar 80h por semana por tuuta e meia, ou ser um escravo na época colonial e seres mal alimentado, trabalhares mais ainda, poderes ser chicoteado repetidamente ou violentado de muitas outras formas. Veres os teus filhos arrancados e venddos a outras pessoas, viajares em contacto com a tua urina em barcos fechados onde entre 1-10% dos escravos transportados morre doente.
Achares que são situações "igualmente más" parece-me que é algo que só acontece por estares psicologiacemente muito distante de ambas as situações, se não não as avaliarias assim.

E hoje a percentagem da população que vive em tais condições é menor.


«e ainda não abordamos a questão nuclear e o problema ecológico.»
True..
but not enough

« ciência não é neutra não é verdade?»
É muito mais positiva que negativa.
Curiosamente é um dos pontos que eu mais lamento na evolução do pensamento anarquista: os primeiros pensadores (como Bakunin) eram extremamente progressistas a este nível, mas muita da geração anarquista com que vou contactando parece-me tão tecnofóbica... Que pena!

«a sobre-abundância do mundo ocidental e industrializado é cada vez mais obscena perante a miséria do sul.»
Mas o mal é a sobre-abundância aumentar?
É que a pobreza tem estado a diminuir. Posso ser de esquerda e querer mais redistribuição, mas entre ter dois indivíduos com 5 moedas e entre ter um com 5 e outro com 10, prefiro a segunda situação (o ideal seria terem ambos 7.5 ...). (Obviamente aqui com moedas referia-me a bens materiais tais como comida, remédios, etc...)

Anónimo disse...

joão vasco,

parece-me que o essencial que cada um tinha para dizer sobre a situação mundial actual já foi dito.

sobre a tua posição, que no fundo é o discurso político dominante quer à direita quer à esquerda, parece-me que vive muito do conforto da análise do ponto de vista ocidental e do hemisfério norte. também me parece que é sobretudo uma crença (não no sentido religioso :) claro) numa espécie de amanhãs que cantam em que as coisas irão estar minimamente toleráveis.


uma nota sobre o assunto da sobre-abundância. o problema não é a sobre-abundância no norte per si, mas o facto dela ser conseguida em grande parte às custas do sul. por isso o teu exemplo das moedas não se ajusta à realidade


na diversidade do pensamento libertário sempre houve posições diversas sobre a tecnologia e a ciência, desde grande entusiasmo como de grande cepticismo ou de rejeição. um exemplo antigo bem conhecido é o d@s luditas que se revoltaram contra a as maquinarias no início da revolução industrial. há, no entanto, um pensamento que é comum: a ciência e a tecnologia não podem estar nas mãos das elites poderosas e ao serviço delas. no caso da minha opinião, que me parece ser mais ou menos a mesma que a maior parte d@s anarquistas, é crítica mas não de rejeição. não é tecnofobia, é tecnocepticismo. ainda assim acho que é um leitura muito rica os textos anarquistas anti-civilização, contra a sociedade tecno-científica, primitivistas, luditas, ecologistas, eco-feministas etc.

João Vasco disse...

Dizes que a minha análise nasce do conforto, mas é precisamente isso que eu acho da tua: achas que "é tudo igual" por estares psicologicamente distante da dor. Se tivesses vivido umas outras situações apreciarias as diferenças e as conquistas feitas.

E também são elas que dão coragem para tentar mudar as coisas. Se em 2000 anos aqueles que lutaram pela liberdade só conseguiram piorar as coisas, mais valia era estar quieto. Não, muitos deram a sua vida e o seu esforço por um mundo melhor, e muitos conseguiram.

Por fim, não vale a pena repetires o como este mundo está horrível, ou acusares-me de querer que as coisas continuem assim.O facto de eu dizer que B é maior que A não implica que A seja pequenino. Não vale a pena convenceres-me mostrando como A é tão grande... Espero que me entendas.

Quanto à tecnologia e à ciência, acho que Bakunin foi genial em ver nela uma força de libertação. Pode ser bem ou mal usada, mas tendo em conta a natureza humana e avaliando os prós e os contras, parece-me ser bem verdadeira a afirmação:

"O conhecimento Liberta".

Anónimo disse...

joão vasco,

neste momento,por razões de ordem pessoal não posso continuar esta discussão, aliás não estou com disposição mental para qualquer discussão. peço desculpas e espero numa outra ocasião podermos desenvolver alguns destes pontos que a mim me interessam bastante.

cumprimentos