sábado, 18 de agosto de 2007

Salário Mínimo VII - A intervenção do Estado

No texto anterior deixo claro que os agentes produtores de um determinado bem frequentemente têm grande vantagem em associar-se em cartel. Espera-se que em resultado disso transaccionem menos unidades do produto que estão a vender, mas também se espera que consigam um preço superior ao que conseguiriam de outra forma, e que o balanço entre ambos esses efeitos lhes seja flagrantemente positivo, aumentando significativamente os seus lucros.

No caso dos trabalhadores menos qualificados, a associação em cartel poderia fazer com que a hora de trabalho pudesse ser vendida a um preço que garantiria ao trabalhador um vencimento significativamente acima do necessário para a sua subsistência, mesmo quando o valor de transacção num mercado desregulamentado criasse uma situação de quase-escravatura.

No entanto, se um cartel entre dois ou três agentes de mercado já pode ser difícil de manter, um cartel entre centenas, milhares ou milhões de agentes é virtualmente impossível de conseguir.

Mas, quando são uma fatia significativa do eleitorado, e tendo por isso impacto nas propostas que os políticos e governantes fazem, surge uma ferramenta que os trabalhadores podem utilizar para criar um efeito semelhante ao do cartel: o estado democrático.

O estado democrático pode criar um efeito semelhante ao do cartel ao garantir que nenhuma hora de trabalho é transaccionada abaixo de um determinado valor. Se também garantir que nenum trabalhador vende mais que um determinado número de horas, teremos então um "salário mínimo".

O salário mínimo pode elevar significativamente o nível de vida dos trabalhadores ao trazer-lhes ganhos importantes, mas vai realmente resultar em desemprego adicional. Isto é uma sequência esperada da associação em cartel - o número de horas transaccionadas diminui. Se a diminuição do número de horas transaccionadas se repercutisse igualmente em todos os trabalhadores, não haveria desemprego adicional: cada trabalhador trabalharia simplesmente menos horas, auferindo ainda assim um vencimento superior ao fim de cada mês.

Mas como isso não se sucede, é importante criar as ferramentas para que o flagelo do desemprego não seja maior do que os ganhos obtidos pelo estabelecimento do cartel. O estabelecimento de um valor máximo para as horas de trabalho que cada agente pode transacionar ajuda neste ponto. Como parte significativa dos trabalhadores têm descendentes que não atingiram a maioridade a seu cargo, isto também pode facilitar a formação dos mesmos.

Por outro lado, se os trabalhadores empregues tiverem de pagar parte do seu vencimento adicional para pagar um rendimento mínimo a quem não tiver conseguido encontrar emprego, ainda assim ficarão favorecidos pelo estabelecimento do cartel.
Quanto aos desempregados, estes apenas não ficariam desfavorecidos se o dinheiro obtido através deste rendimento fosse superior ao que tenderiam a auferir num mercado desregulamentado. Por outro lado, um valor próximo do salário mínimo poderia não dar incentivos suficientes para que os trabalhadores nesta situação quisessem saír dela.
O incentivo é garantido pela precariedade da situação, que não pode durar mais do que um determinado número de meses/anos, pelo estigma social, pela insegurança da situação, além do referido diferencial de vencimento, que pode ter maior significado relativo uma vez que estamos a falar de rendimentos não muito distantes do necessário para a subsitência.

Quando o trabalhador pondera o risco e as consequências de estar desempregado, bem como os ganhos obtidos caso não esteja, é fácil concluir que o estabelecimento de um salário mínimo pode constituir uma vantagem significativa, tendo geralmente o impacto de aumentar o seu nível de vida face ao que teria num mercado desregulamentado.

Deve reconhecer-se que o estabelecimento do salário mínimo também corresponde a uma restrição coerciva na liberdade de escolha do trabalhador. Ele não poderá trabalhar por menos do que um determinado valor, mesmo que em consciência o queira. Grande parte dos trabalhadores sente, no entanto, que a situação de quase-escravatura que adviria de um mercado desregulamentado com abundância de mão de obra menos qualificada seria mais limitativa para a sua liberdade de escolha ao longo da vida, do que o impedimento coercivo de aceitar vender a hora de trabalho abaixo de um determinado valor.

Importa agora voltar a analisar os gráficos inicialmente apresentados.

1 comentário :

Filipe Brás Almeida disse...

Uma levantamento inteligente sobre o salário mínimo. Gostei particularmente do facto de teres enquadrado o tema na matriz argumentativa estreita e extrema que é patente em alguns blogs libertarians portugueses - a tal ideia de que a liberdade é aquilo que o libertarian disser que é - e esmagando-a no processo.