domingo, 6 de agosto de 2006

A paz derrotada

Passado um mês desde o início do conflicto a rivalidade interna, ainda que sutil, da coligação no poder em Israel já se faz sentir e mostra como em boa parte as origens deste conflicto se explicam do lado israelita por razões políticas. Enquanto o primeiro-ministro, Ehud Olmert, anuncia repetidamente uma vitória virtual sobre Hezbollah preparando o terreno político em casa para o cessar-fogo que se adivinha, o seu ministro de Defesa e cabeça dos laboristas israelitas, Amir Peretz, apressa-se em aproveitar os últimos momentos de conflicto para provar para o eleitorado israelita que sabe ser mais guerreiro que ninguém, publicitando suas intenções de emular a invasão de 1982 e ocupar o sul do Líbano até às margens do rio Litani a 32 km da fromnteira com Israel. (A verdade no entanto é que pelo menos quinta-feira à noite, porta-vozes militares israelitas apenas asseguravam ter o controle sobre uma área que ia de um a sete quilómetros dentro das fronteiras libanesas, ao mesmo tempo, que situavam a meta oficial assumida como estando em 15 quilômetros.) À necessidade de Olmert de provar para Israel que era realmente o herdeiro político de Sharon, necessidade que pelo menos em parte o terá levado a esta guerra, parece suceder-se uma competição entre laboristas e kadimistas por saber quem dos dois é mais Sharon. Podemos pensar que quer por parte de Olmert como de Peretz o discurso militarista intransigente actual seja apenas para consumo interno, mas além deste discurso entretanto terminar por obrigar a uma militarização que o credibilize, servirá também à valorização das posturas israelitas conservadoras na oposição e em contra de qualquer nova retirada unilateral de territórios ocupados.
###Estamos falando da deriva radical das duas únicas alas políticas importantes que desde Israel poderiam contribuir ao processo de paz. Um mês atrás o único contributo importante disponível para o processo de paz entre Israel e Palestina se encontrava precisamente no plano unilateral iniciado por Sharon de retirada do exército e desmantelamento unilateral dos colonatos israelitas em Gaza, e cuja continuação na Cisjordânia, já anunciada inicialmente por Sharon enquanto estava no poder, era defendida por Olmert e fez parte do seu compromisso eleitoral. Este plano foi em grande parte o responsável por que Europa, e também os países árabes moderados, se juntassem a Estados Unidos na pressão sobre a Autoridade Palestina e o Hamas na necessidade de estes darem passos credíveis de moderação e conciliação com Israel, o que permitiu chegar ao compromisso parcial de reconhecimento do Estado de Israel que o Hamas finalmente assinou nas vésperas de toda esta crise, a qual tão pouco é alheia. Agora este plano unilateral de retirada israelita parece estar em perigo. Se Olmert em uma entrevista recente confirmou que acreditava que a "vitória" de Israel no Líbano contribuiria para a renovação do projecto de retirada unilateral da Cisjordânia, depois das críticas que lhe choveram em seguida por parte da direita israelita e em particular, é claro, dos colonos, se viu obrigado a negar o que antes havia dito. Se a radicalização do eleitorado israelita, que parece estar acompanhando este conflicto no Líbano, fecha as portas a qualquer passo em direcção à paz por parte de Israel, as negociações com os palestinos estarão definitivamente perdidas durante os próximos anos, já que do lado árabe e palestino é dificíl pensar que a actual situação contribua em qualquer bom sentido.

A deriva radical se faz notar não só na desproporcionalidade do ataque israelita mas também no discurso das autoridades israelitas, e isso é tão perigoso como o outro pois demonstra que a sociedade israelita ao não escandalizar-se com o que se vai dizendo está preparada, e pior, talvez desejosa deste radicalismo. Quando o chefe das forças armadas, Dan Ahlutz, diz que vai fazer retroceder o Líbano 20 anos atrás, sem que haja reacções importantes nem sequer por parte dos moderados israelitas, assistimos à triste perda do capital moral que Israel possuia se comparado com os seus inimigos antes do conflicto. Na verdade este tipo de declarações apenas difere em grau das declarações de destruição do Estado de Israel realizadas pelo Hamas, o Hezbollah ou Irão. E não se trata de algo isolado. Antes de ontem um porta voz do governo israelita terá afirmado a propósito da morte de três cidadãos israelitas por um foguete katiusha lançado por Hezbollah que, "se confirmaram três mortos: um druso e dois árabes-israelitas. É sexta-feira [dia sagrado dos muçulmanos], um bom dia para morrer." Só faltou que chamasse os dois israelitas mortos de "arabushim"...

Estamos assistindo à transformação explícita do executivo israelita em tudo que Israel sempre afirmou odiar, e a oportunidade do Hezbollah apresentar-se realmente como uma força de defesa nacional, o que junto significa uma dupla vitória para os radicais islâmicos. As pressões desde fora, e principalmente desde Europa, sempre significaram pouco ou nada para Israel, assim que será importante que os moderados israelitas desde dentro de Israel acordem do seu sono confuso rapidamente para bem do sentido de dignidade do seu país.

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