Em Justila, cada um vive do fruto do seu trabalho, e não existe qualquer espécie de impostos ou redistribuição. Se alguém não quer trabalhar a terra (ou prestar qualquer outro tipo de serviço valorizado pela comunidade), sofre as consequências da sua decisão e passa fome, a menos que alguém generoso, sem sofrer qualquer espécie de coerção, o queira ajudar.
Justila parece ser uma terra justa.
Há ricos e pobres, mas, em última análise, é porque o merecem.
Mas pior é o que acontece às gerações seguintes.
Joel decidiu vender a sua terra ao Abélio, em troca de um conjunto de couves, ovelhas e mel que lhe permitirão não ter de trabalhar mais até ao fim dos seus dias.
Enquanto o filho do Joel, após a morte deste, não herdará quase nada, o filho de Abélio herdará a terra que outrora pertencia a ambos.
O filho do Joel vai sofrer as consequências de uma decisão que não foi sua: agora não tem terra, e está em desvantagem perante o filho do Abélio, para quem trabalhará obtendo menos do que aquilo que obteria se fosse proprietário das terras que outrora eram do seu pai.
O filho de Abélio terá cada vez mais facilidade em comprar terras alheias, pois não conta apenas com os frutos do seu trabalho para as comprar.
Assim sendo, não é de estranhar que em Justila a propriedade se vá concentrando cada vez mais na mão de uma minoria.
Eventualmente chegará ao ponto em que essa minoria pode fazer exigências desumanas em relação à mão de obra de que dispõe, pois a propriedade, de alguma forma, tornou-se um bem escasso (os proprietários têm «poder de mercado»).
Os filhos dos proprietários terão direito a uma vida melhor que os filhos dos sem terra, mas isso não aconteceu por nada que estes tenham feito ou merecido. Aqueles que nascem sem propriedade terão uma vida pior, não por algum erro que tenham cometido, mas por decisões que os seus ascendentes tomaram, às quais foram alheios.
Justila não é uma terra justa.
Numa terra justa as pessoas sofrem as consequências dos seus actos.
Numa terra justa, pode haver ricos e pobres, mas é garantido que qualquer um tem oportunidades. O sistema de Justila não pode garanti-lo. De todo.
3 comentários :
Caro João Vasco,
Não é preciso usar argumentos "neo" para refutar o retrato.
A conclusão de que a riqueza se irá concentrar progressivamente numa minoria obriga à premissa de que todo aquele que nasce com vantagem pretende aumentá-la e tem capacidade pessoal para fazê-lo.
I.e., não basta ter sorte, é preciso saber. Ou como dizia a antiga propaganda do senhor Guterres, "as pessoas não são números".
De qualquer modo, a herança é uma doação em morte; faz sentido para si proibir alguém de dar o que tem a quem ele quiser também em vida?
Eu não falei em proibir heranças.
Eu apenas mostrei que uma sociedade sem que exista uma redistribuição coerciva e centralizada é uma sociedade injusta.
Ou mais injusta e pior do que aquela em que existe uma redistribuição coerciva e centralizada bem feita.
(Mas sou a favor de elevados impostos sucessórios, sim.)
Posso entender e até concordar com os impostos sucessórios na medida em que sao uma necessidade para o mérito. Ou seja, sou a favor nao porque seja injusto para quem tem pouca propriedade (sejam pobres ou nao a questao é que nao têm direito à propriedade alhei já que nao fizeram nada para a merecer) mas sim porque para ser herdeiro nao é preciso ter nenhum mérito, basta nascer. É uma questao de tentar manter uma meritocracia.
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