segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Giba Assis Brasil: «O último rei e o último padre»

«Quem for procurar no Google, e se contentar com a primeira página de resultados, vai descobrir que a frase "O mundo (ou o homem) só será livre (ou deixará de ser miserável) quando o último rei (ou déspota) for enforcado nas tripas do último padre" é de Diderot (ou Voltaire).

Mas a primeira página do Google é apenas um retrato da internet: uma babilônia de dados confusos, repetidos, contraditórios, inúteis e muitas vezes incorretos.
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A frase original em francês sobre reis e padres é um pouco diferente, tão violenta quanto a que chegou aos nossos dias, mas de um ponto de vista individual e não vinculado a uma possível libertação da humanidade: "Eu gostaria, e este será o último e o mais ardente dos meus desejos, eu gostaria que o último rei fosse estrangulado com as tripas do último padre." ("Je voudrais, et ce sera le dernier et le plus ardent de mes souhaits, je voudrais que le dernier des rois fût étranglé avec les boyaux du dernier prêtre.")

E o mais surpreendente em torno dessa frase não é tanto o fato de ela ser anterior a Diderot, Voltaire e o enciclopedismo, mas que seu autor, na verdade, tenha sido um padre.

Jean Meslier (1664-1729), cura da aldeia de Étrépigny, passou seus últimos anos de vida rezando missas, celebrando batizados e matrimônios, enquanto, à noite, preparava uma tentativa de extrema unção do Estado católico francês: seu livro de memórias, de título quilométrico, geralmente reduzido para "Memória dos pensamentos e sentimentos do abade Jean Meslier", tratando dos "erros e abusos dos governos" e principalmente da "falsidade de todos os deuses e religiões do mundo". Foi neste livro que nasceu a frase, o "desejo mais ardente", as tripas de uns no pescoço dos outros.

Publicado postumamente, o livro do "padre ateu" Meslier tornou-o um dos precursores do iluminismo. Voltaire, então com 35 anos, foi seu primeiro editor, fazendo circular por toda a França suas idéias subversivas e anti-católicas numa versão reduzida, "Extrait des sentiments de Jean Meslier".
(...)»
(Giba Assis Brasil na revista Terra Hoje.)

7 comentários :

João Moutinho disse...

Nunca fui um grande apreciador da Revolução Francesa.
Para os filósofos franceses há a lógica do "tudo ou nada" e não é assim que as coisas se resolvem.
Será melhor que o Rei abdique, caso o sufrágio universal o exija, e viva como um qualquer cidadão e as pessoas deixem de ir à missa - se assim o entenderam.
Talvez não tenha sido por acaso que a Inquisição nasceu na França.
O Napoleão era melhor que o Luís XVI? Mais humano?
E Le Pene, de onde veio?
Quanto à cabeçada...aí a culpa é capaz de ter sido do italiano.

Pedro Fontela disse...

Joao Moutinho,

"Para os filósofos franceses há a lógica do "tudo ou nada" e não é assim que as coisas se resolvem."

Depende um bocado do filosofo nao? Nao existem pontos que O Joao também nao aceita negociar?


"Será melhor que o Rei abdique, caso o sufrágio universal o exija, e viva como um qualquer cidadão e as pessoas deixem de ir à missa - se assim o entenderam."

E acha que qualquer dessas hipoteses era plausivel no caso do Ancien Régime?


"Talvez não tenha sido por acaso que a Inquisição nasceu na França."

Quem causou a cruzada albigense? E quem liderou o processo de nao foi o legado papal?


"O Napoleão era melhor que o Luís XVI? Mais humano?"

Era um monárquico como o seu predecessor... Napoleao seria considerado um monárquico sem ilusoes, sabia que o que o mantinha no trono era a força e aura de poder e nao um direito divino. Mas no fundo Napoleao traiu a revoluçao e a Republica.


"E Le Pene, de onde veio?"

De onde saiu a extrema direita intolerante de todos os países europeus?

Está a fazer tiro ao alvo errado Joao Moutinho.

João Moutinho disse...

Pedro, não vale a pena zangarmo-nos.
Não quero fazer tiro ao alvo.
Apenas gosto de ir contra alguns mitos, tais como pintar cor-de-rosa as Revoluções.
Logicamente que o "tudo ou nada" depende do filósofo mas parece-me que foi uma lógica muito prevalecente durante a Revolução Francesa.
Além do mais houve muitos revolucionários jacobinos a enriquecerem à custa de desgraças alheias quando na realidade pregavam o oposto. (parece que toda a gente é boa até chegar ao "poleiro")
Com Napoleão a separação de poderes não parece rer sido uma realidade, ao invés de uma Revolução Americana (não falando agora de afrodescendntes e ameríndios, que não eram exactamente cidadãos).
Quanto ao Le Pen, o que o homem quer é que lhem dêem importãncia, e foi isso que fiz. Na realidade, sou um ser falível.

Pedro Fontela disse...

Joao,

Nao estava zangado :) Se dei essa impressao pelo que escrevi foi por falta de mestria na escrita.

Numa coisa concordo, a glorificaçao das revoluçoes é perigosa mas os resultados positivos por vezes compensam (pessoalmente nao gostava de ter que passar por nenhuma a nao ser em ultimo recurso).

Eu acho que o "extremismo" (e estou a esticar o termo) de alguns filosofos dessa época deve-se a dois factores dependentes da cronologia:
1) antes de 1789: por recalcamento da repressao e injustiça do regime.
2) depois de 1789: pela volatilidade de toda a sociedade francesa na época.


"Com Napoleão a separação de poderes não parece rer sido uma realidade..."

Ele para impor a sua nova dinastia precisava de apoio clerical (para legitimaçao popular) e a Igreja aceitou o preço do imperador. Nestas condiçoes uma separaçao de poderes nao favorecia nem um nem outro.

João Moutinho disse...

Parece que afinal concordamos :-)
Sou eu que devo ter algum recalcamento contra os franceses.
Talvez uma pedra no sapato, o meu problema com eles é com as meias (finais).

Ricardo Alves disse...

João Moutinho,
é sempre redutor criticar um povo em bloco.
Cumprimentos,

João Moutinho disse...

Ricardo,
Concordo em absoluto mas havemos de concordar que a questão das meias...
Quanto ao resto fazemos todos parte da mesma "aldeia glogal".