sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A ascensão da extrema direita e a Democracia

O Nobel de economia de 2024 foi atribuído a o Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson, pela sua investigação a respeito do que torna as sociedades mais prósperas. Se resumir em muito poucas palavras, quando vemos a relação entre desenvolvimento económico e a democraticidade dos regimes não é o primeiro que causa a segunda, é a segunda que causa o primeiro.

Vendo bem, faz sentido que assim seja: quanto mais democrático é o sistema político, mais incentivo têm os actores políticos para escolher as políticas que resultam em maior bem-estar; e quanto menos democrático for o sistema político, mais as políticas acabam por ter outro objectivo, o de enriquecer e empoderar a elite extractivista que controla o regime. Mais do que fazer sentido em teoria, podemos facilmente observar esta dinâmica na prática ao longo da História.

Dois destes investigadores escreveram um livro de divulgação "(“Porque falham as Nações”) pejado de exemplos históricos relativos principalmente aos últimos séculos. Ainda assim, os autores não escreveram nada no seu livro sobre a erosão da Democracia no ocidente, apesar de ter vindo a saber que a reconhecem. É sobre isso que gostaria de escrever.

Os EUA encontravam-se sob um regime relativamente democrático na sequência do “New Deal” e assim se mantiveram nas três décadas do pós-guerra, quando a qualidade de vida no ocidente aumentou de forma vertiginosa e robusta. Foram décadas nas quais as desigualdades de rendimento foram comparativamente reduzidas e estáveis, com os salários reais (i.e., ajustados à inflação) a subir a par e passo com a produtividade. A democraticidade do regime foi-se aprofundando com o fim de alguns regimes de segregação e outras importantes vitórias dos Direitos Civis. Criou-se um forte optimismo em relação ao futuro, à ciência e ao progresso, e a sociedade tinha confiança nas elites intelectuais que também ajudavam a gerar uma prosperidade partilhada.

Em 1976 uma decisão do Supremo Tribunal iria dar início a uma gradual mudança de regime. Ao impor um sistema de financiamento de campanha onde existem formas de suborno legalizado, que depois foi reforçada pela conhecida decisão “Citizens United”, os incentivos dos actores políticos nos EUA mudaram bastante. Votar a favor de políticas impopulares entre a população em geral, mas populares entre os lobistas tornou-se uma estratégia vencedora, e com esta mudança de incentivos mudou o regime, que passou de democrático para oligárquico à medida que as políticas económicas aprovadas ou rejeitadas deixaram de estar correlacionadas com a sua popularidade entre a população em geral mas extremamente correlacionadas com a sua popularidade entre os lobistas e os 1% de população com maior rendimento. Naturalmente, as desigualdades de rendimento e património começaram a aumentar a uma velocidade vertiginosa, os salários reais deixaram de acompanhar a produtividade, gerando um descontentamento generalizado com o regime político. Uma parte substancial da população, menos politizada, mostrou-se disposta a dar força a qualquer iniciativa política que mostrasse vontade de fazer uma mudança de regime.

Assim, hoje nos EUA vemos 3 regimes em luta: o status quo oligárquico defendido pelos poderes instalados tradicionais nos partidos Democrata e Republicano; o regime autocrático (fascista) defendido pelo movimento MAGA; e o regime democrático defendido por alguns dissidentes do partido democrata (Sanders, AOC, Mandami, etc).

Existem várias causas para a ascensão da extrema direita, mas esta insatisfação com o regime actual que resulta de políticas económicas e sociais que têm provocado insatisfação é uma delas, como aliás alguma investigação científica prova.

Tenho falado mais nos EUA porque é uma realidade face à qual temos algum distanciamento, mas ao mesmo tempo conhecemos razoavelmente. No entanto, mais relevante ainda é o caso Europeu.

Aqui na Europa, apesar do crescimento económico ter sido substancialmente inferior ao dos EUA nas últimas duas décadas, a insatisfação com as políticas económicas tem sido consideravelmente inferior, como inferiores são as desigualdades, e ainda bem. Ainda assim, há problemas comuns, com enorme destaque para o facto da habitação estar cada vez mais inacessível, e o poder de compra dos salários não aumentar em linha com a produtividade. E se é verdade que nos EUA a democraticidade do regime se erodiu desde 1976 o que conduziu a políticas económicas cada vez mais afastadas do interesse público, na UE tivemos uma desejável integração política que não foi suficientemente acompanhada pela supressão do défice democrático que existe à escala federal. Como resultado, tivemos também aqui nos países da UE em geral um recuo da democraticidade do regime que eventualmente trouxe consigo piores políticas públicas e insatisfação popular. Ironicamente, essa insatisfação traz consigo acrescidas ameaças à democraticidade do regime sob a forma de insatisfação com a Democracia e ascensão da extrema direita.

É fundamental reverter este processo e aprofundar a Democracia às diferentes escalas (local, nacional, europeia). À escala europeia isto exige uma integração alicerçada na democratização do regime político em todo o continente. A vitória nesta luta parece particularmente distante, sendo muito mais visíveis as vitórias em sentido oposto, mas tal como a desastrosa vitória de Trump criou oportunidades quase impensáveis para uma vitória mais rápida dos movimentos progressistas e genuinamente democráticos, talvez algo análogo aconteça na Europa. 

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