terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Baixar IVA da eletricidade: uma má medida social e ambientalmente

Tem havido muita pressão, especialmente do BE, para a baixa o IVA da eletricidade, uma medida que terá o custo astronómico de 800 milhões de euros (de 23% para 6%). Infelizmente os argumentos a favor não passam do banal e  simplista "tudo o que dá uns tostões às famílias de classe baixa/média, é obrigatoriamente bom", independentemente de haver melhores alternativas e dos custos que acarreta.
Esta medida é socialmente muito fraca, porque a principal beneficiada será a classe alta. Estima-se que por cada 10% a mais de rendimento, o consumo de eletricidade seja 9,6% maior*. Pensado numa família de classe baixa, e numa com rendimentos 10x acima (com vários ACs, secadores de roupa, etc.), e é claro quem mais terá a ganhar com esta descida de IVA.
Se pensarmos numa política redistributiva dirigida especificamente aos 20% mais pobres, com o mesmo orçamento poderíamos encaminhar 400€/ano a cada pessoa, em vez de uns 20 euritos pelo IVA da eletricidade.
Ambientalmente então não há qualquer vantagem, ao premiar quem não faz um esforço de poupança energética, e aumentando em muito as emissões de CO2. Esta descida de 16% no preço, levará a um aumento de consumo de 9%**. Sendo que as renováveis têm prioridade de entrada no mercado português, qualquer aumento de consumo é (quase) sempre feito à custa de fontes fósseis de eletricidade.


*Elasticidade de 0,96
**Elasticidade de -0,578

9 comentários :

Ricardo Alves disse...

E em percentagem do rendimento das famílias?
Nas famílias de mais baixos rendimentos, a percentagem gasta em energia não será superior à percentagem gasta em energia nas famílias de rendimentos elevados?

João Vasco disse...

Ricardo, uma medida que dê 100€ às classes mais altas e 80€ às classes mais baixas até pode representar menos no orçamento das mais altas que das mais baixas, mas é uma medida menos progressiva que dar o mesmo valor a todas.

Se o IVA fosse mantido igual e os 800 milhões fossem repartidos por todos, era melhor do ponto de vista redistributivo e melhor do ponto de vista ambiental. Isto é realmente lamentável e uma vergonha que o BE tenha o desplante de defender isto enquanto fala de "urgência climática".

Na verdade devia ser feito precisamente o oposto. Se a taxa aumentasse mas as receitas fossem divididas igualmente por toda a população, as famílias de menores rendimentos iriam aumentar o seu poder de compra, ao mesmo tempo que o consumo total iria diminuir, e os investimentos em todo o tipo de obras e equipamentos para aumentar a eficiência energética iriam aumentar.

Ide levar no déficite ide disse...

800 milhões a distribuir por uns 5 milhões de consumidores industriais e comerciais incluidos daria quase 160 euros em média a cada um

Jaime Santos disse...

Os 800 milhões representam receita que implica uma baixa de despesa ou um aumento do défice, algo que para o Governo está fora de questão. Eu concordo, pela necessidade de se reduzir rapidamente a dívida em valor absoluto e relativo, antes de levarmos com a próxima crise em cima, e sobretudo, antes que o BCE mude de política relativamente às taxas de juro.

É de longe preferível dispor de ajudas que permitam às famílias de mais fracos recursos suportar os seus custos energéticos (penso até que isso já existe). Para os outros, há sempre a possibilidade de reduzirem o consumo, seja por redução do desperdício, seja pelo investimento em medidas de poupança (isolamentos térmicos, panéis solares, etc).

É certo que as empresas terão mais dificuldade em concorrer no mercado externo com preços de energia mais elevados mas também aí, se não existirem incentivos à poupança (que podem ser penalizações ao consumo), os empresários nem sequer se darão ao trabalho de eliminar o desperdício...

tempus fugit à pressa disse...

por 800 milhoes de imposto a menos as financas tinham de espremer muito mais o IRS e RESTANTES sobre o consumo

Miguel Madeira disse...

"Estima-se que por cada 10% a mais de rendimento, o consumo de eletricidade seja 9,6% maior"

Mesmo que os valores sejam esses, isso significa que o consumo de eletricidade cresce menos proporcionalmente ao rendimento, logo em proporção do rendimento o IVA da eletricidade cai mais sobre as famílias com MENOS rendimentos.

Já agora, penso que a elasticidade procura-redimento que o Miguel Cavalho queria pôr seria 0,96, certo? É que se for mesmo 0,096, então seria um aumento quase insignificante do consumo face ao rendimento,

João Vasco disse...

Miguel Madeira,

O Ricardo Alves fez um comentário semelhante ao teu. A minha resposta foi:

«uma medida que dê 100€ às classes mais altas e 80€ às classes mais baixas até pode representar menos no orçamento das mais altas que das mais baixas, mas é uma medida menos progressiva que dar o mesmo valor a todas.

Se o IVA fosse mantido igual e os 800 milhões fossem repartidos por todos, era melhor do ponto de vista redistributivo e melhor do ponto de vista ambiental. Isto é realmente lamentável e uma vergonha que o BE tenha o desplante de defender isto enquanto fala de "urgência climática".

Na verdade devia ser feito precisamente o oposto. Se a taxa aumentasse mas as receitas fossem divididas igualmente por toda a população, as famílias de menores rendimentos iriam aumentar o seu poder de compra, ao mesmo tempo que o consumo total iria diminuir, e os investimentos em todo o tipo de obras e equipamentos para aumentar a eficiência energética iriam aumentar.»


Já agora, creio que a forma de fazer aparecer um RBI seria começar por um RI. O RI apareceria simplesmente enquanto a medida mais eficiente do ponto de vista ambiental e social para fazer face às externalidades ambientais.
Claro que aqui estou a sonhar um pouco, mas escusávamos de caminhar na direcção precisamente oposta à que faz mais sentido do ponto de vista social e ambiental, e ainda menos com o BE a liderar a luta (digo isto pelo respeito que tenho ao BE).

Miguel Carvalho disse...

Miguel Madeira,
obrigado pela correção: era de facto 0,96 (está lá o link com a meta-análise). Já agora trata-se de elasticidade longo-prazo, que é a relevante para o assunto em causa.

O João Vasco já respondeu por mim. Mais valia pegar nesses 800 milhões, dividir em fatias iguais por cada português, e dar os 80€. Seria bem mais redistributivo que isto.

Miguel Carvalho disse...

Ricardo Alves,

a resposta à tua pergunta está no texto :P
"Estima-se que por cada 10% a mais de rendimento, o consumo de eletricidade seja 9,6% mais"; basta integrar para ver que o peso da eletricidade nos gastos familiares diminui sim, mas ligeiramente, com o aumento do rendimento.
Mas é irrelevante se diminui muito ou pouco, tal como explica o João Vasco. O meu argumento mantém-se