Mas hoje li uma notícia repugnante. Absolutamente repugnante, publicada pelo Ricardo no fb: há aparentemente mamíferos no governo português que acham bem criar um registo de condenados por abuso de crianças a que a população possa aceder.
Não tenho quaisquer ilusões sobre a falta de educação cívica de base dos miseráveis que governam Portugal neste momento, mas esta ideia deixou-me perplexo. Longe daí, não percebi até que ponto Portugal escorregou para a indigência intelectual e a amoralidade pos-moderna dos yuppies, para quem nada importa, nada quer dizer nada, só o dinheiro é que conta e mede a felicidade e o sucesso.
Toda a vida houve em Portugal doutores Arrojas, diáconos Remédios e outros salazaristas de taberna, com saudades de "quando havia respeito." O analfabetismo e o isolamento do país a partir da Contra Reforma são conhecidos. Mas Portugal foi um dos primeiros países da Europa a abolir a pena de morte e mesmo durante os anos miseráveis da ditadura fascista havia uma direita que tinha bibliotecas e pensava, e se preocupava com questões morais.
Não sei quem é o primeiro ministro português. Dizem-me que era um cábula, putanheiro e truante da JSD. Pode ser. No meu tempo a JSD era uma juventude de putanheiros, truantes, arrivistas e aldrabões. Um deles era o Santana Lopes. Mas justamente por isso, nunca me lembro de ter convivido com nenhum animal que achasse a justiça popular, os linchamentos, ou os autos de fé boa ideia.
E agora dizem-me que o governo português é a voz dos miseráveis e dos cobardes, da canhalha, dos que preferem canalizar o ódio e as frustrações das vidas miseráveis que levam contra os indefesos (criminosos ou não, não interessa para esta discussão). O governo quer entregar os pedófilos à populaça. E porque não as bruxas, ou os judeus, ou quem sabe amanhã os adúlteros?
Desde o neolítico que as classes altas sacrificam indefesos às populaças. Há sempre um César das Neves ou dois para culpar as divorciadas, ou os fumadores, ou os imigrantes pelos males da sociedade. As classes altas roubam os pobres, obrigam-nos a viver vidas miseráveis, sem futuro, sem dignidade, sem acesso à informação, mas dão-lhes estes presentes: a possibilidade de lutarem uns com os outros (no futebol, por exemplo) e volta e meia torturarem e matarem alguém.
Como aqui na América. No meio da imoralidade completa - expressa por exemplo na invasão do Iraque, que matou um milhão de inocentes para lhes roubar o petróleo, a destruição do ambiente, que aqui nos EUA veio com a proibição de dizer "aquecimento global", e a proteção de mais de 5000 padres pedófilos - Bush resolveu condenar e linchar publicamente Roman Polanski por um crime que ele tinha cometido várias décadas antes, pelo qual tinha sido julgado, preso, pago uma indemenização à vítima, depois sido traído pelo delegado do ministério público (que resolveu que o caso era bom para a sua reeleição) e sido obrigado a fugir do país e abandonar tudo o que tinha conseguido com o seu talento e o seu trabalho.
Polanski foi linchado pela mesma populaça que defendeu a Igreja Católica e os dois papas coniventes, João Paulo II e Bento XVI. E a mesma populaça que se lambeu mais uma vez com os pormenores lúbricos do caso, que foi tratado com uma crueldade absoluta para com a vítima, que mais tarde disse que os actos sexuais a que Polanski a sujeitou não se compararam com as perguntas porcas e mil vezes repetidas pelo ministério público (a masturbarem-se debaixo da mesa, como dizia um amigo meu), pelos olhares e comentários dos polícias, dos contínuos, dos advogados e dos jornalistas. Todos os mamíferos que se rebolaram na lama daquela história. Mil vezes mais enxovalhantes do que os actos sexuais, segundo a vítima.
Isto é o que o governo português quer agora dar à canalha, juntamente com mais cortes de impostos aos ricos e mais favores à Igreja.
A pedofilia é uma doença horrível. Os pedófilos têm de ser reprimidos, tratados, em muitos casos separados da sociedade. Entregá-los à escumalha é um crime repugnante, medieval e selvagem.
E há coisas piores, que deviam merecer a nossa atenção: uma vez uma senhora americana contou ao cientista Richard Dawkins que quando era pequena foi abusada por um padre nojento, mas que os avanços sexuais do padre não se compararam com o sofrimento psicológico horrível que ela sofreu: o padre dizia-lhe que uma amiga dela, também criança, que tinha morrido há pouco tempo e não era religiosa, estava no Inferno a arder para sempre em óleo a ferver, e que volta e meia o diabo a tirava da fritura para que a pele dela se regenerasse e ainda doesse mais quando a metiam outra vez no óleo a ferver.
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